O Homem Duplo (2006)

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O Homem Duplo (2006) (3)

O Homem Duplo
Original:A Scanner Darkly
Ano:2006•País:EUA
Direção:Richard Linklater
Roteiro:Richard Linklater, Philip K. Dick
Produção:Tommy Pallotta, Jonah Smith, Erwin Stoff, Anne Walker-McBay, Palmer West
Elenco:Keanu Reeves, Winona Ryder, Robert Downey Jr., Mitch Baker, Rory Cochrane, Sean Allen, Steven Chester Prince, Woody Harrelson, Chamblee Ferguson, Angela Rawna, Eliza Stevens

O autor Philip K. Dick em vida nunca obteve o merecido reconhecimento por suas obras, diferente de seus colegas escritores de ficção científica como Isaac Asimov e Frank Herbert. Seu trabalho, na época, era lido por um grupo restrito e, consequentemente, em termos financeiros, fazia com que ele vivesse de uma maneira mais humilde com sua esposa.

E assim, como infelizmente acontece muitas vezes no decorrer da história, Dick faleceu jovem aos 52 anos, e seu ritmo frenético de escrita (chegando a escrever seis livros por ano) passa a ser admirado apenas em seu post mortem, auxiliado pelas diversas adaptações de seus trabalhos ao cinema, atraindo diretores de renome, entre blockbusters e produções modestas, em uma quantidade sem par no campo da ficção científica.

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No início do mês fevereiro de 2007, quase na comemoração de 25 anos de seu falecimento, chegou aos cinemas nacionais uma das adaptações mais fiéis à obra do autor. Com o lançamento em DVD, além do deleite visual e narrativo, podemos também acompanhar detalhes da minuciosa e dispendiosa pós-produção deste filme.

O Homem Duplo, baseado no livro “A Scanner Darkly“, de 1977, foi bastante comentado na época de seu lançamento muito mais pela tecnologia de animação empregada – que falarei mais adiante – do que pela história em si, o que gerou muitas críticas oscilatórias no seu país de origem, os Estados Unidos. Muitos não compraram a ideia, não entenderam ou não tentaram entender, e o classificaram como “confuso” e “insosso“, enquanto outros o chamaram de “cult instantâneo“.

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De todo modo, é fato que, apesar de ser estrelado por grandes nomes de Hollywood, o diretor e roteirista Richard Linklater (Escola de Rock, Fast Food Nation e indicado para o Oscar de roteiro de Antes do Amanhecer) nunca teve a intenção de fazer um filme para o grande público. Esta forma mais abstrata de contar a história é bem característica do cinema independente, mas apesar dos pesares, mesmo longe de ser um sucesso comercial, o filme conseguiu se pagar nas bilheterias e aumentar o interesse pelas invenções de Philip K. Dick.

O livro “A Scanner Darkly” foi uma das poucas obras de Dick que ficaram muito tempo em maturação (levou três anos para ser completada) e foi escrito baseado nas próprias experiências que o autor e seus amigos tiveram com as drogas (aos quais o livro é dedicado, na maioria mortos ou com problemas irreversíveis); representa também a luta contra o mal que estas substancias trazem. E é neste ritmo que o filme trabalha: paranoia, alucinações e diálogos “viajados“, típicos de viciados.

Na história, daqui a sete anos não teremos carros voadores e robôs falantes, a tecnologia está praticamente toda direcionada para as drogas e a espionagem. Tudo o que você faz é filmado e gravado. Nas ruas, a ameaça também se encontra na forma de pílulas vermelhas chamadas de substância D.

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A substância D, derivada de uma flor, é a droga alucinógena de maior dependência já criada – um dos personagens chega a dizer: “Ou você é viciado ou nunca tomou” – e mesmo com toda a vigilância disponível, a polícia não conseguiu encontrar e prender os produtores da substância.

Para reverter esta situação, a polícia e a empresa privada de reabilitação “Novo Caminho” anunciam a ação de um agente infiltrado chamado simplesmente de Fred. O legal é que nem os policiais sabem quem ele é já que na delegacia usa uma roupa que muda a forma de seu rosto e corpo constantemente, além de alterar sua voz. Fred também não tem noção de quem é o seu superior, pois ele usa um traje igual e é conhecido apenas como Hank.

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O plano de Fred, cujo nome verdadeiro é Bob Arctor (Keanu Reeves), é comprar grandes quantidades da pílula, com sua fornecedora e namorada Donna Hawthorne (Winona Ryder), e com o passar do tempo levá-las para a fonte da produção.

Bob Arctor vive em uma casa em um pobre subúrbio da Califórnia com seus três amigos também viciados, James Barris (Robert Downey Jr.), Ernie Luckman (Woody Harrelson) e Charles Freck (Rory Cochrane que já havia trabalhado com Linklater em Jovens Loucos & Rebeldes). Barris é um intelectualoide paranoico, Luckman é um cara falador com problemas mentais e Freck foi tão corrompido pela droga que é cheio de tiques nervosos e alucinações frequentes.

Mas na sua missão Arctor tem um grande problema: está se tornando cada vez mais viciado na “substância D“. O resultado é que sua personalidade está se desvirtuando cada vez mais a ponto de não conseguir mais distinguir entre o papel de usuário e o policial disfarçado. A espiral de sensações vai aos poucos invariavelmente causar danos ao cérebro do homem.

Ao mesmo tempo a crescente paranoia de Barris chega ao extremo dele ir à delegacia acusando Arctor e Donna de fazerem parte de uma organização terrorista, sem saber que o próprio Arctor está a sua frente com sua roupa embaralhadora. Teria fundamento ou é mais uma coisa de viciado? Falar mais é estragar algumas surpresas e entregar sacadas inteligentes do roteiro, então chega. hehehe…

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A rotoscopia, forma de animação feita após as filmagens normais em que os atores são “pintados” quadro a quadro por computador, não se trata de uma técnica exatamente nova: Linklater já havia empregado no anterior “Walking Life“, no entanto torna o visual inebriante e, certas cenas, especialmente as alucinações, bem convincentes que de outra forma não obteriam o mesmo impacto. Além disso, a rotoscopia permite a delineação nos traços físicos dos atores dando um nível de detalhamento excelente, valorizando as interpretações de seus personagens. Só para que tenham uma base da complexidade da tarefa, o filme foi rodado em 23 dias e levou 18 meses de pós-produção, o que atrasou o lançamento da película por bastante tempo.

Claro que o visual é o grande charme da produção e muitos vão assistir apenas por ele, mas o que o espectador não deve deixar a tecnologia empregada ofuscar o que realmente importa: a história.

Produzido por Steven Soderbergh e George Clooney e acompanhado de perto pelas duas filhas de Philip K. Dick, Richard Linklater se apóia na qualidade do texto e dirige uma obra fiel, o que por si só já é bastante desafiador em se tratando de Dick. Outro ponto importante é que apesar do livro e roteiro se basearem no futuro, a “ficção” apresentada é menos “científica” que a convencional, porque pouca diferença existe entre o futuro retratado e o que existe hoje em dia – isto faz com que haja uma correspondência maior do espectador entre o caos do mundo atual e o filme.

Um dos temas centrais da história é a paranoia e o fantástico elenco consegue transmitir perfeitamente este sentimento constante, sendo os destaques: Robert Downey Jr., Woody Harrelson e Rory Cochrane (o melhor do filme na minha opinião). Até o ofuscado Keanu Reeves dignifica seu personagem e a “rotoscópicaWinona Ryder fica ainda mais linda, hehehe…

O DVD lançado no Brasil possui dois documentários com detalhes sobre as filmagens e bastidores do processo de animação, comentários em áudio dos realizadores (sem legendas) e trailer de cinema – uma boa coleção de extras para o fã que já assistiu nos cinemas – e uma excelente aquisição para admiradores da ficção científica e de Philip K. Dick.

Curiosidades

– Apesar de filmes muito populares terem sido baseados na obra de Philip K. Dick, O Homem Duplo é apenas a segunda adaptação estadunidense de um livro inteiro do autor ao invés de histórias curtas. O primeiro foi Blade Runner;

– O título original do filme/livro é baseado em um versículo da Bíblia, mais especificamente I Coríntios 13:12, que diz: “Porque, agora, nós vemos através de um espelho, obscuramente” (em inglês: “For now we see through a glass, darkly”);

– Para criar alguns dos visuais da roupa embaralhadora os animadores fizeram rotoscopia de suas próprias feições e do próprio Philip K. Dick incluindo estes frames na montagem final;

– Antes de Richard Linklater, no início da década de 90, o diretor Terry Gilliam (Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, Brazil – O Filme e Os Irmãos Grimm) tentou fazer sua própria adaptação do livro;

– O roteirista Charlie Kaufman (Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança) também escreveu sua versão para a história, porém quando o projeto mudou de mãos o script não foi mais considerado;

– As filhas do autor Philip K. Dick deram ao diretor Linklater uma cópia pessoal da primeira edição do livro quando o filme foi completado;

David Cronenberg faz uma pequena ponta não creditada, como um dos doutores da clínica de reabilitação “New Path”.

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Gabriel Paixão

Colaborador e fã de bagaceiras de gosto duvidoso. Um Floydiano de carteirinha que tem em casa estantes repletas de vinis riscados e VHS's embolorados. Co-autor do livro Medo de Palhaço, produz as Horreviews e Fevericídios no Canal do Inferno!

6 thoughts on “O Homem Duplo (2006)

  • 15/08/2019 em 07:33
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    Vou ser sincero com vocês, de todos os livros do Philip K. Dick que li este foi, em minha opinião, o pior. A ideia é muito boa, um detetive que entra no seu papel a ponto de, com o tempo, começar a perder a noção de quem realamente é. Mas a trama é muito arrastada e a impressão que tive no fim do livro é que a história simplesmente não andou, termina do mesmo jeito que começou. Talvez dê uma chance ao filme.

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    • 13/04/2020 em 01:43
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      Eu considero BLADE RUNNER um dos melhores filmes que já vi. Mas ele se distancia muito da obra de Philip k. Dick. Mas em termos de adaptação, com certeza O HOMEM DUPLO foi o mais fiel ao livro em relação a todos os outros filmes adaptados de DIck. Me ajudou inclusive a compreender o livro, já que antes eu ficava perdido. Principalmente quando se tratava do tal traje misturador. Um filme pesado, melancólico. Muito bom.

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