Bom Dia Carlos
Original:Bom Dia Carlos
Ano:2015•País:Brasil Direção:Gurcius Gewdner Roteiro:Gurcius Gewdner Produção:Gurcius Gewdner Elenco:Cláudia Borba, Magnum Borini, Lígia Marina, Marcel Mars |
Um observador mais fanfarrão pode afirmar que a produção independente nacional de 2015 foi assombrada pela Amicus, a lendária produtora inglesa, famosa por suas antologias de horror. Neste ano tivemos três exemplares do gênero: As Fábulas Negras, que conta com Rodrigo Aragão e sua trupe, somado com o mítico José Mojica Marins,13 Histórias Estranhas, feito por diretores sulistas e o peculiar A Percepção do Medo, dirigidos por Armando Fonseca, Kapel Furman e Gurcius Gewdner. Peculiar por não se tratar de apenas uma compilação de contos, mas três curtas, que embora independentes se vistos separados, criam uma unidade orgânica, como se fossem uma história só.
Pois bem, assim como aconteceu com um dos segmentos de 13 Histórias Estranhas, o magnífico curta Ne Pas Projeter, de Cristian Verardi, que tomou vida própria e assombrou o Festival de Gramado e agora se encaminha para o lendário Festival de Sitges, um dos curtas de A Percepção do Medo também parte para voos solos em festivais.
O diretor e figura folclórica do underground brasileiro Gurcius Gewdner conseguiu persuadir os produtores de A Percepção do Medo para que seu segmento, intitulado Bom Dia Carlos. também caminhasse com suas próprias pernas.
Esse curta é nada mais que pura insanidade condensada em menos de 15 minutos. Um homem chamado Carlos (Marcel Mars) passa por sérios problemas intestinais e liga para seu analista (Mars novamente em papel duplo). O doutor recomenda a Carlos fazer uma dieta especial senão corre o risco de regurgitar as próprias fezes, aliás, o analista parece mais insano que qualquer outra coisa.
Daí durante uma caminhada pelas ruas de Florianópolis, Carlos começa a passar mal. Parte de um problema que já deve ter atingido todos os mortais da terra, afinal, quem nunca passou mal do estômago na rua?
Cheio de brincadeiras com o cinema, o doutor é igual o psiquiatra insano do clássico A Cat in the Brain, de Lucio Fulci, o próprio nome do personagem é uma homenagem ao grande cineasta Carlos Reichenbach, que era fanático por esse filme do Fulci, o que segundo as palavras do próprio Gewdner: “o coloca no topo da cadeia alimentar dos Carlos”.
A longa e torturante caminhada do personagem título pelas ruas, enquanto vomita macarrão, gosmas diversas, e por fim as próprias fezes é uma homenagem a emblemática cena de surto de Isabelle Adjani no clássico Possessão, de Andrzej Zulawski. Uma sequência que ataca direto os estômagos sensíveis. Recomendado especialmente para quem sobreviveu a obras como Pink Flamingos e Salò.
Bom Dia Carlos ainda conta com algumas cenas enxertadas sem relação aparente com a trama, como a cena de um casal se beijando, deitado na praia (interpretados por Magnum Borini e Cláudia Borba, diretora do curta Pé de Cabra, de 13 Histórias Estranhas), uma evidente recriação da cena clássica de A um Passo da Eternidade, de Fred Zinnermann.
Como se não bastasse, embora Bom Dia Carlos faça parte do longa A Percepção do Medo, Gewdner na conclusão de sua história linca esse curta com outro longa que ele ainda está concluindo chamado Pazúcus: a Ilha do Desarrego, ao colocar a personagem-título deste (interpretada por Ligia Marina), uma espécie de espírito indígena, na conclusão do curta.
Apesar de obviamente caricatural, o filme consegue transmitir tensão, graças a soma dos efeitos especiais, da interpretação de Marcel Mars e da trilha perturbadora.
Enfim, Bom Dia Carlos não é exatamente um filme para pessoas facilmente impressionáveis. Gurcius Gewdner cria uma obra insana, histérica, escatológica, suja, surreal e cheio de referências cinematográficas. Um filme feito por um apaixonado pelo cinema extremo, e indicado para fanáticos por obras casca-grossas.
Passando aqui pra desejar um bom dia para todos os Carlos do Brasil.
Delícia de curta <3