3.9
(7)

Trampa Infernal
Original:Trampa Infernal
Ano:1990•País:México
Direção:Pedro Galindo III
Roteiro:Pedro Galindo III, Santiago Galindo
Produção:Santiago Galindo, Eduardo Galindo
Elenco:Pedro Fernández, Charly Valentino, Edith González, Toño Mauri, Marisol Santacruz, Adriana Vega, Alfredo Gutiérrez, Alberto Mejia Baron, Armando Galvan

Ah, o horror mexicano… É tão comum escrevermos sobre os filmes norte-americanos, europeus e orientais que volta-e-meia esquecemos como é rico e interessante o terror feito em outros países, como Brasil, Argentina e, claro, México. Para muitos “critícos” e “pesquisadores” considerados sérios (não por mim, é claro), tal coisa nem existe: cinema de horror mexicano se resume àqueles filmes de luta-livre com El Santo, em que volta-e-meia o herói enfrentava alguma criatura sobrenatural (tipo Santo Y Blue Demon Contra El Doctor Frankenstein), e aos deliciosos trash movies produzidos por Luis Enrique Vergara e estrelados por um decadente Boris Karloff, como Invasão Sinistra e A Câmara do Terror.

Bem, esta é uma ignorância típica daqueles “entendidos” que também alegam não haver cinema de horror no Brasil fora as obras de José Mojica Marins, quando há mais de 150 filmes brasileiros que se encaixam na descrição “cinema fantástico“. E a tradição mexicana em matéria de terror é ainda mais riquíssima e muito variada, com produções estranhas, coloridas, bizarras e lisérgicas, alguns anos-luz à frente do seu tempo.

Para o leitor ter uma ideia, o México investe no gênero fantástico desde a década de 30, quando Juan Bustillo Oro, considerado o “Pai do Cinema de Horror Mexicano“, produziu filmes como El Fantasma Del Convento (1934, dirigido por Fernando de Fuentes), Dos Monjes (1934) e El Misterio del Rostro Palido (1935), estes últimos dirigidos pelo próprio Juan. Durante cinco décadas, o teimoso mexicano realizou outros 60 filmes, diversos deles com temática de horror, mas sempre esbarrou em um mercado cinematográfico extremamente fechado para o gênero, que dava mais valor aos melodramas e faroestes (isso me lembra um certo maior país da América do Sul…).

Sorte que os mexicanos não desistiram e continuaram produzindo terror de todos os tipos, com destaque para nomes como René Cardona (La Horripilante Bestia Humanaaka Night of the Bloody Apes), Carlos Enrique Taboada (Más Negro que La Noche, Hasta el Viento Tiene Medo…), Juan López Moctezuma (Alucarda e Mary, Mary, Bloody Mary…), Chano Urueta (Brainiac, aka El Barón del Terror) e Fernando Méndez (El Ataúd del Vampiro, Misterios de Ultratumba…), só para ficar nos mais populares.

Nos anos 70-80, quando os olhos dos fãs de horror estavam voltados para o que era feito nos Estados Unidos e na Itália, principalmente, o terror mexicano continuou firme e forte, adaptando para a sua própria cultura temas que faziam sucesso nos filmes estrangeiros, como mortos-vivos, ataques de animais, possessão demoníaca, assassinos mascarados de adolescentes e brinquedos malvados. Uma nova geração de diretores surgiu, e embora muitos deles continuem completos desconhecidos fora do México (como Pedro Galindo III, René Cardona Jr., Rubén Galindo Jr. e Fernando Durán Rojas), outros migraram para os Estados Unidos e viraram grandes nomes do gênero, como Guillermo del Toro e Robert Rodriguez (que é norte-americano de nascimento, mas passou a vida na fronteira do Texas com o México).

Com esse breve interlúdio, chegamos a Trampa Infernal, um slasher movie surpreendente e muito divertido filmado no México em 1989, mas lançado nos cinemas apenas em 1990. Parece uma tentativa de imitar o que o cinema de horror norte-americano estava produzindo na época, principalmente as intermináveis franquias Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo e Halloween, tomando “emprestados” elementos destas três séries citadas e adicionando alguns toques bastante criativos, além de uma boa dose de ruindade cinematográfica que só dá um charme ainda maior ao resultado final. Aliás, é incrível como essas bagaceirices obscuras, produzidas a preço de banana, ainda dão um banho na maioria dos slashers (e remakes de slashers) produzidos atualmente, pelo menos em matéria de diversão.

Trampa Infernal (que traduzido literalmente ficaria “Armadilha Infernal“) foi dirigido por Pedro Galindo III, que até então era mais conhecido por seus filmes de ação e faroeste. Como no México o gosto pelo cinema parece passar de geração em geração (vide também a família Cardona), Galindo III é filho de Pedro Galindo Jr., produtor de vários filmes de horror e faroeste entre os anos 50 e 70, e neto do músico Pedro Galindo, que foi galã do cinema mexicano entre os anos 30 e 60.

A primeira experiência de Galindo III com o horror foi Pánico en la Montaña (1989), outro slasher, escrito pelo seu pai e trazendo no elenco vários atores que voltariam em Trampa Infernal. Depois deste, ele faria ainda El Teatro del Horror e Vacaciones del Terror 2 (ambos em 1991), sendo que este último é uma espécie de clone mexicano da série Brinquedo Assassino, com uma boneca assassina estilo Chucky.

O roteiro de Trampa Infernal é do próprio Galindo III junto com Santiago Galindo (provável parente), e se notabiliza por trazer um assassino que é uma mistura de Michael Myers (com uma sinistra e inexpressiva máscara branca), Freddy Krueger (uma de suas armas é uma luva com navalhas) e… Rambo (o vilão é um soldado norte-americano que ficou doido e resolveu entrar em guerra com todo mundo que invade a “sua” floresta)!!! Parece até uma mistureba indigesta, mas, quem diria, funciona que é uma beleza: quem iria esperar algum dia ver um slasher onde o vilão é um psicopata mudo à la Jason e Michael Myers, porém habilmente treinado em técnicas de guerrilha e no uso de armas de fogo, que ora usa armas brancas para matar, ora usa metralhadoras e granadas?

A história começa copiando fielmente The Zero Boys, do grego Nico Mastorakis: dois rapazes, Nacho (Pedro Fernández) e Mauricio (Toño Mauri), perseguem-se em um cenário deserto, com armas em punho, até o espectador descobrir que eles estão apenas jogando paintball. Mauricio é atingido com dois tiros de tinta azul no peito, mas, como é esquentadinho e não sabe perder, resolve sair na porrada com seu rival. Ao que parece, os dois andam se desafiando há um tempão para descobrir quem é o mais valente, mas Nacho sempre leva a melhor.

Até que Mauricio tem uma ideia bizarra: desafia o eterno rival para investigar misteriosos esquartejamentos de caçadores numa floresta isolada e distante da cidade. Reportagens nos jornais alegam que, devido ao estado dos cadáveres, as vítimas teriam sido retalhadas por um urso. E Mauricio resolve apostar com Nacho para ver quem consegue abater primeiro o tal urso assassino. Justifica ele: “Aquele que matar o urso será o grande vencedor, e ainda mostrará à cidade quem realmente é o melhor!“. Como o desafio é feito em frente aos amigos de ambos, e Nacho não quer passar por covarde, resolve aceitar a proposta que decidirá, de uma vez por todas, quem é o mais corajoso dos dois.

A dupla embarca na aventura junto com seus companheiros e candidatos a vítimas: Nacho leva a namorada Alejandra (a bonita Edith González, que depois faria El Descurtizador, cópia mexicana de O Silêncio dos Inocentes) e também o amigo inseparável Charly (Charly Valentino); já o desafiador Mauricio vai acompanhado pela namorada Viviana (Adriana Vega) e pelo casal Javier (Armando Galvan) e Carlota (Marisol Santacruz).

Antes de se embrenhar na floresta, o grupo de jovens pára na tenda de um veterano de guerra, Jeremias (Alfredo Gutiérrez), onde alugam armas e munições para a caçada. Jeremias, que tem toda aquela pinta de “velho maluco que tenta alertar os jovens em slasher movies” (tipo o Crazy Ralph de Sexta-Feira 13), tenta contar aos adolescentes a sinistra história do local, mas Mauricio corta o papo furado e apressa os amigos para que saiam logo à caça ao urso, já que está anoitecendo.

É claro que não existe urso nenhum naquela floresta. O responsável pelos esquartejamentos de caçadores é Jesse (Alberto Mejia Baron), um soldado norte-americano treinado para ser uma máquina de matar, estilo Rambo, e que ficou completamente louco ao ponto de ainda achar que está na guerra, sem conseguir distinguir inimigos de amigos – para ele, todos os que aparecem na floresta são inimigos. Usando sempre uma máscara branca à la Michael Myers, Jesse vive escondido em túneis que construiu por toda parte, e tem como hábito matar violentamente os “invasores” do seu lar, como Jason Voorhees faz em Crystal Lake.

Além de arco-e-flecha, facões e até metralhadoras (!!!), o vilão usa armadilhas mortais espalhadas pelo bosque e uma luva de navalhas muito parecida com a do Freddy Krueger. A tal luva poderia até render um processo por plágio, já que a única diferença para a arma da série A Hora do Pesadelo é que as navalhas não são lisas, mas serrilhadas!

E não demora para Jesse entrar em ação, atacando o acampamento dos jovens e matando primeiro as mulheres, sempre armando emboscadas e surgindo de surpresa, devido ao seu amplo conhecimento da floresta e ao uso dos túneis. Quando Mauricio resolve contar aos sobreviventes a verdadeira história do local e a lenda do assassino psicopata que ali vive, o grupo resolve se unir para combater o inimigo na mesma moeda – ou seja, com rifles e metralhadoras.

Trampa Infernal começa seguindo a cartilha básica do slasher movie norte-americano: grupo de adolescentes vai para a floresta por um motivo qualquer; é alertado por um velho doido, mas não dá bola; os meninos vão fazer coisas de meninos e as meninas ficam à toa de biquíni para mostrar seus “corpitchos“; logo, todos acabam topando com um assassino mascarado que ataca naquela região. Não falta nem mesmo a cena em que a história do matador é contada com o grupo reunido ao redor de uma fogueira, à la Sexta-feira 13 e The Burning, e nem os estereótipos do tipo sujeito boa-pinta (Nacho), valentão insuportável (Mauricio), gordo engraçadinho (Charly), e assim vai.

Mas, passado o choque inicial de ver atores mexicanos (feiosos) falando espanhol, e passado também o choque de estarmos assistindo a mesma historinha de dezenas de outros slashers, Trampa Infernal começa a mostrar-se um pouco mais criativo que a média. Principalmente da metade para o final, quando os personagens deixam aquela postura de “vítimas que ficam esperando a morte“, dos filmes norte-americanos, para contra-atacarem, saindo para caçar o assassino ao invés de aguardar seus novos ataques. Até porque, ao contrário dos normalmente indefesos adolescentes mostrados nesse tipo de produção, os jovens mexicanos estão muito bem armados, e só morrem por pura idiotice ou por não conseguirem “trabalhar em equipe“.

Outro diferencial é o fato de Jesse não ser um monstro sobrenatural e nem aquele tradicional psicopata imortal que sobrevive a tudo. Ele é um soldado treinado que usa a inteligência e táticas militares para matar suas vítimas, mas é sempre representado como um ser humano perfeitamente normal. Embora não exista explicação lógica para o sujeito usar uma máscara o tempo inteiro – além do fato de este ser um slasher movie e o assassino normalmente ter máscara -, Jesse é um vilão crível, que em várias cenas aparece fazendo coisas como “gente normal” faz, tipo correr atrás das vítimas (ao invés de andar devagarzinho, no estilo Jason e Michael Myers), refrescar-se à beira de um rio (até porque aquela máscara deve ser abafada pra caramba!) e gritar de dor quando ferido.

Finalmente, num curioso anti-clichê, o psicopata demonstra que de indestrutível não tem nada quando uma das suas mãos é explodida pelo tiro de espingarda de um dos jovens, isso NA METADE DO FILME. A perda do membro obriga Jesse a abandonar as armas brancas e usar uma metralhadora durante o resto do filme.

E é óbvio que Trampa Infernal tem um fator trash que torna tudo ainda mais divertido, como a diabólica luva de navalhas do matador (outra coisa sem explicação, ainda mais considerando que o cara é apenas um ex-soldado), os figurinos e penteados horríveis dos atores (especialmente o cabelo do “mocinhoPedro Fernández) e o humor involuntário de ouvir diálogos em espanhol como “Hijo de perra, te vas a morrir!!!“.

Há também um festival de rombos no roteiro, como o fato do velho Jeremias ter passado a vida inteira na floresta sem ser molestado por Jesse, mas subitamente virar vítima do assassino sem qualquer justificativa; ou o momento em que o vilão tem Charly, Alejandra e Nacho desacordados, ao seu alcance, mas prefere apenas sequestrar a garota para desafiar os outros dois a caçá-lo, ao invés de matá-los de uma vez e dar um fim na novela.

Por outro lado, o roteiro da dupla Galindo tem vários méritos, como ao motrar que o matador está sempre um passo a frente de suas vítimas porque se locomove pelos túneis subterrâneos construídos na floresta – explicação que o remake de Sexta-Feira 13 também usou, mas 30 anos DEPOIS.

Embora Trampa Infernal seja um slasher movie igual a outros tantos, e que inclusive agrega elementos de tudo o que já havia sido feito até então (luva de navalhas do Freddy, máscara branca do Michael, assassino territorial à la Jason…), o resultado final surpreende por ser bastante divertido e prender a atenção, com boas cenas de assassinato (sem exagerar no gore, mas ainda assim mostrando um monte de sangue), ambientação climática, história redondinha e até algum clima de suspense e horror, já que o visual do matador Jesse é sinistro o suficiente para proporcionar alguns arrepios, mesmo que a maior parte do filme se passe à luz do dia. É uma pena que, no final, o assassino tão sinistro resolva tirar a máscara para revelar aquele tradicional rostinho deformado e NADA assustador.

Além disso, os 77 minutos passam voando, ao contrário desses slasher movies atuais que parecem durar uma eternidade quando, na verdade, não têm absolutamente nada de novo para mostrar – tipo as mais de duas horas do Halloween de Rob Zombie. Fica a dica: junte os amigos na sala, prepare a pipoca e as cervejas, e divirta-se bastante com um autêntico slasher mexicano, garantia de boas risadas e de divertimento sem compromisso mesmo para os mais exigentes fãs do gênero. Depois dá até vontade de sair em busca de outros slashers made in México, porque esse, pelo menos, dá um banho em muita abobrinha que os norte-americanos já fizeram e ainda fazem…

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4 Comentários

  1. Um site com resenhas da baboseira mais recente de terror de 2017 nos cinemas americanos, ao lado de uma materia dessas, com um resumo do terror mexicano desde a decada de 30…

    Tem como não gostar desse site Boca do Inferno???

  2. É no mínimo curioso ver Toño Mauri e Edith Gonzales, à época atores das novelas televisa, estrelando um filme de terror. Depois dissi Toño Mauri seria um dos protagonistas de Simplesmente Maria (1990) e Edith Gonzalez trabalharia em Rosa Selvagem (também de 1990).

  3. Interessante a resenha. Muito dos atores são presenças frequentes nas novelas do sbt.

    1. Novelas da Televisa, importadas pelo SBT.

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