Bulbbul
Original:Bulbbul
Ano:2020•País:Índia Direção:Anvita Dutt Roteiro:Anvita Dutt Produção:Anushka Sharma, Karnesh Ssharma Elenco:Tripti Dimri, Avinash Tiwary, Rahul Bose, Parambrata Chattopadhyay, Paoli Dam, Ruchi Mahajan, Varun Buddhadev |
Na mitologia hindu, churels (ou chudails) são criaturas lendárias que, em vida, foram mulheres, mas, mortas durante a gravidez ou ao dar à luz, ou então pelas mãos de algum parente, retornam como espíritos vingativos de aparência assustadora, mas que podem se transformar em belas mulheres para atrair suas principais vítimas: homens que ela conheceu em vida. Depois de escrever roteiros e letras de músicas (lembrem-se que a indústria de Bollywood inclui muita música e dança em seus filmes), Anvita Dutt faz sua estreia na direção em Bulbbul, filme original Netflix cujo enredo é inspirado na churel.
O filme começa no ano de 1882, durante uma festa de casamento. A noiva é Bulbbul (Ruchi Mahajan), uma menina de cinco anos que vai se casar com um homem rico chamado Indranil (Rahul Bose), décadas mais velho, uma tradição muito comum na época (e, em alguns lugares, até hoje), mas que pode ser considerada um elemento de horror muito real. Acompanhamos a história de Bulbbul em três períodos diferentes: sua infância, quando ela começou uma forte amizade com seu cunhado, Satya (Varun Buddhadev), cuja idade é bem mais próxima à dela; o início do seu casamento, quando ela já se tornou uma jovem adulta (agora interpretada por Tripti Dimri), mas claramente ainda muito ingênua e inocente; e um tempo um pouco mais adiante, no ano de 1902, quando seu marido já a havia deixado e Satya (Avinash Tiwary) estava voltando de um período de cinco anos que passou estudando em Londres.
A infância e a juventude de Bulbbul servem para contextualizar o que vem acontecendo no presente: homens que moram na região estão sendo mortos por algo que ninguém sabe o que é, mas que deixa um rastro sangrento em seu caminho. A primeira das vítimas é Mahendra (também interpretado por Rahul Bose), irmão gêmeo de Indranil que sofre de algum tipo de deficiência intelectual que o faz agir como uma criança no corpo de um homem. Binodini (Paoli Dam), viúva de Mahendra, sofre com a situação, enquanto Bulbbul parece encarar esses acontecimentos assustadores com bastante tranquilidade. Vai caber aos homens da casa e das imediações caçar o monstro. Seria ele uma besta da floresta?
Anvita Dutt, que também escreveu o roteiro do filme, ambientou a história na região de Bengala, num tempo em que a Índia ainda era uma colônia britânica, uma época e um lugar que contribuem para dar a Bulbbul um visual de contos de fadas muito mais do que de um filme de terror. A floresta ao redor da propriedade de Indranil ganha tons fortes de vermelho e rosa à noite, em um cenário belíssimo e teatral. A aparência típica das casas e das roupas dos personagens também levam o filme nesse sentido, não devendo em nada aos alegres filmes de Bollywood, mesmo que Bulbbul traga um tom muito mais sombrio ao seu enredo.
Ainda que Bulbbul seja um filme bonito e cativante em sua maior parte, seu roteiro é bastante previsível, sem grandes surpresas ou reviravoltas, mas isso não é ruim nesse caso. Segundo a própria Dutt, sua intenção era contar a história de uma personagem, não pretendendo ser um suspense. O ponto negativo foi a escolha de Dutt de incluir uma cena de estupro que poderia bem ter ficado de fora, ou pelo menos ser mais breve ou implícita. A cena parece durar uma eternidade e acontece pouco depois de uma violenta agressão contra Bulbbul (que também se alonga desnecessariamente), e a vontade que dá é de adiantar o filme ou virar a cara. A justificativa que Dutt deu para essas sequências (“destruir uma pessoa completamente“) não me parece suficiente, poderia haver outros meios de fazê-lo.
Mesmo com esse porém, Bulbbul se destaca em tantos outros pontos: a mudança na personalidade da protagonista em um curto período, algo que fica muito claro só de se olhar para ela; a falta de sororidade entre as personagens femininas, reflexo de uma sociedade em que as mulheres eram colocadas em caixinhas muito específicas de sofrimento e humilhação; o “herói” Satya, que, na verdade, é só mais um embuste como seus irmãos mais velhos. Com relações humanas bem exploradas e um olhar interessante sobre uma cultura não ocidental, Bulbbul é um dos originais Netflix que vale uma assistida.
A cena da violência foi muito forte, terror mesmo. E ela nada fez para merecer isso, a sequência também foi difícil de ver. Foi impactante, provoca muita repulsa dos homens de lá
Quando indiquei Bulbbul a um amigo, fazendo um breve resumo de que se tratava, entendi por que demorei tanto tempo a assistir. A sinopse de fato não é muito convidativa, pois dá a impressão de tratar-se de um filme pesado sobre abuso. Embora realmente tenha isso, não reflete a essência dele. É uma obra muito diferente do que esperava de uma produção indiana. Apesar de todo o horror e incômodo que causam o casamento de uma criança, falta de empatia, submissão, violência doméstica e estupro, ainda consegue ser um filme bonito e delicado.
Gostei bastante e me arrependi de não ter assistido antes.
Esse filme partiu meu coração, estou impactado, não gostei muito da tradução da legenda, pois no original os personagens deixam mais evidente os poderes de uma deusa específica da cultura hindu que é a responsável por dar poderes à “bruxa”, é muito triste ver que mesmo rodeadas de ouros as mulheres são sujeitas à tanto sofrimento.
Boa crítica.