Os Mortos Não Morrem (2019)

2.9
(14)

Os Mortos Não Morrem
Original:The Dead Don't Die
Ano:2019•País:EUA, Suécia, África do Sul
Direção:Jim Jarmusch
Roteiro:Jim Jarmusch
Produção:Joshua Astrachan, Carter Logan
Elenco:Bill Murray, Adam Driver, Tom Waits, Chloë Sevigny, Steve Buscemi, Eszter Balint, Danny Glover, Maya Delmont, Taliyah Whitaker, Jahi Di'Allo Winston, Kevin McCormick, Sid O'Connell. Caleb Landry Jones, RZA, Larry Fessenden, Selena Gomez

Quando não houver mais criatividade no inferno do subgênero zumbis e mortos-vivos, eles caminharão em filmes ruins. O uso dessa paráfrase é oriundo do desgaste da fórmula, já tão (mal) utilizada sob diversas vestimentas rasgadas em corpos destroçados que fica difícil entender porque ainda continua de pé. É claro que, à medida em que novos exemplares são realizados, é impossível não relacioná-los a toda uma série de produções desenvolvidas desde o final da década de 60, e que torna ainda mais complicado fugir dos clichês e apostar em algo completamente novo. Então, você opta por depositar confiança naqueles que são divertidos e que permitem que você nem perceba o tempo passar. Pois é. E se o filme não traz novidade, não é divertido, mas tem a presunção de achar que é simplesmente por enchê-lo de rostos conhecidos, a partir da fama do diretor?

A culpa de Os Mortos Não Morrem (The Dead Don’t Die, 2019) é toda de seu realizador. O cineasta Jim Jarmusch construiu sua filmografia em obras estranhas, que possuem uma linguagem própria e não são facilmente digeridas por todos os paladares. É cultuado por filmes como Estranhos no Paraíso (Stranger than Paradise, 1984), Flores Partidas (Broken Flowers, 2005) e o vampírico Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013), entre outros. Meu primeiro contato com sua personalidade cinematográfica foi com o intragável Homem Morto (Dead Man, 1995), já com um elenco estelar em uma produção lenta e desprovida de alma. Foi com essa impressão amarga que posterguei seu filme de zumbis. Melhor teria sido se o mantivesse em sua tumba desconhecida.

Não se tem muito a dizer sobre o enredo, até porque basicamente não existe um. Depois que o planeta Terra sai de seu eixo natural, mudanças climáticas como dias mais longos e falhas em aparelhos eletrônicos passam a ser comuns, principalmente na sonolenta cidade de Centerville, onde na cena inicial o chefe de polícia Cliff Robertson (Bill Murray, com a expressão de não saber o que está fazendo ali) e o oficial Ronnie Peterson (Adam Driver) estão tentando se comunicar com o eremita Bob (Tom Waits) sobre o roubo de galinhas do fazendeiro Frank Miller (Steve Buscemi). Sem êxito, retornam para a delegacia para reencontrar a policial Mindy Morrison (Chloë Sevigny), ainda sem saber o que fazer com um corpo presente no local. Notaram o elenco? E ainda tem muito mais.

Depois de quarenta minutos apresentando outros personagens como o dono do hotel Danny Perkins (Larry Fessenden), o vendedor de ferramentas Bobby Wiggins (Caleb Landry Jones), o frequentador do restaurante Hank Thompson (Danny Glover), três pré-adolescentes em um reformatório, a dona do necrotério e espadachim Zelda Winston (Tilda Swinton) e três jovens que chegam à cidade, incluindo a motorista Zoe (Selena Gomez), dois mortos resolvem sair de suas covas no cemitério, sendo que um deles é o conhecido músico Iggy Pop. Proferindo a palavra “café“, os mortos chegam à lanchonete e arrancam nacos de carne de duas moças que trabalham, e depois desaparecem, sem deixar rastros.

No dia seguinte, o trio de policiais é alertado por Hank, numa sequência lenta e repetida três vezes: cada um que chega é avisado que deve entrar para encontrar os corpos, quando retorna pergunta se foram vítimas de “um animal selvagem ou vários animais selvagens“. Nossa, que engraçado! Pela aparência, Ronnie sugere que sejam zumbis e que devem se preparar para uma nova investida. Quando chega à noite, com mais de uma hora já passada, os mortos começam a se levantar – algo que a jornalista (Jodie Markell) diz estar acontecendo em todos os lugares -, para deleite de Zelda, no momento em que maquiava seus mortos como drag queens.

Supostamente, tudo isso deveria ser legal ou engraçado: as referências a George Romero (os zumbis pronunciam produtos, como uma crítica ao consumismo, e repetem ações de quando estavam vivos), a aparência de Bobby (chamado de Hobbit e Bilbo Bolseiro), o chaveiro de Star Wars de Ronnie (por ele ter interpretado Kylo Ren), os moradores dizerem que é preciso “matar a cabeça” para eliminar um zumbi, os sobrenomes dos personagens em mais referências (Perkins, Wiggins, Winston…) as conversas que não levam a lugar algum dos policiais, o interesse de Zelda por Ronnie, que dirige um carro pequeno…são muitas sequências e diálogos que se repetem como a própria música-tema, intitulada The Dead Don’t Die, que é várias vezes tocada até Bill Murray fazer o favor para o público de mostrar insatisfação.

Muitas dessas gags chegam a ser constrangedoras de tão ruins. Ainda não se a pior é que mostra um disco voador ou a conversa entre Cliff e Ronnie: “Como você sabe como isso vai acabar?“, e o outro responde: “Porque eu li o roteiro.“. Cliff então devolve: “Eu só as minhas cenas“. E depois critica Jim por isso. Acho que devia criticá-lo por bem mais que isso. Dentre todas as bobagens, duas ideias até que são interessantes: o fato dos animais estarem enlouquecidos e fugindo para as florestas; e também a ausência de sangue no filme até mesmo nas inúmeras decapitações. O resultado poderia ser minimamente favorável se muitas cenas fossem cortadas, eliminando sequências inteiras em que nada acontece.

Mas, essa é a linguagem do cineasta na exploração do nonsense em um universo particular e que talvez seja enaltecido por ele mesmo e aqueles que cultuam seu estilo. Para os fãs de horror e do bom gosto, é melhor que passe distante.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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