 Cidade dos Pecadores
Original:Cidade dos Pecadores Ano:2022•País:Brasil Autor:Ronald Aquino•Editora: Flyve |
Uma pequena cidadela constantemente assolada por uma forte névoa, no meio de um vale cujo único acesso é atravessando um denso e estranho rio. Uma diminuta comunidade local que se sustenta através do plantio e comércio de grãos, com raríssimos contatos com localidades externas. De primeira, parece até que estamos falando da localização de alguma história situada na Idade Média ou tempos mais antigos, porém, essa é a realidade de muitas pequenas cidades do interior. Apesar de viverem de forma simples, são nos menores locais que se encontram os maiores pecados e, em Cidade dos Pecadores, escrito por Ronald Aquino, todos eles serão expostos.
Louis é um jovem padre recém-ordenado que atua na paróquia da Grande Cidade. Organizado e observador, é visto como um sacerdote muito promissor e, mesmo novato, recebe da igreja uma missão: pastorear a isolada comunidade do Vale do Heu, um lugar longínquo nos limites do continente. Mesmo com dúvidas e apreensões de que poderia lidar com toda uma comunidade sozinho assim tão cedo, toma isso como um sinal divino e aceita a incumbência com fé. É uma longa jornada, e a cidade é acessível apenas por uma modesta balsa, com apenas um barqueiro experiente, que atravessa o Rio Cinza. Após ser recebido com animação pelo prefeito e descansar, começa sua missão de conhecer seus fiéis, que se mostram simpáticos e receptivos de primeira. Logo, os dias quentes e noites frias fazem Louis ter alucinações, talvez até mesmo pequenos presságios e, após um trágico acontecimento, não demora a descobrir que os moradores do Vale do Heu escondem os mais obscuros segredos e nada é o que aparenta. Conforme a cidade vai ficando em uma situação precária e insustentável, os pecados de seus habitantes vão sendo revelados. Como salvar almas que estão tão condenadas?
Em uma narrativa consistente e enredo que prende a atenção, o autor consegue trabalhar bem a humanidade de Louis. Muitas vezes vemos padres como autoridades divinas que nunca se questionam, entretanto, aqui é mostrado que um padre também é apenas um homem comum. Possui desejos, anseios, dúvidas, medos e, é claro, seus próprios segredos. A sensibilidade com a qual os sentimentos de Louis são descritos não é mera coincidência, já que o próprio Ronald Aquino fez seminário para ser padre durante um ano. Nota-se que o autor fala um pouco de sua experiência – sem deixar de lado os elementos ficcionais –, dando a sensação de que é um relato escrito com muita alma, intensidade e sentimento.
Conforme a história avança, o horror se torna igualmente crescente. Pouco a pouco conhecemos os pecados dos habitantes do Vale do Heu, que vão escalonando em nível de gravidade. Assassinatos são cometidos em nome da inveja, da luxúria e da ira; pessoas soberbas e gananciosas prejudicam umas às outras enquanto fecham os olhos para problemas mais sérios da cidade, outras pessoas desaparecem misteriosamente (e o motivo disso é o mais perturbador de todo o livro) e ninguém toma uma atitude. Temos a podridão humana amplificada em uma pequena cidade onde todos fingem adorar a Deus, mas dificilmente seguem seus ensinamentos. Acreditam que cometeram algum mal por motivos de forças maiores e por isso serão perdoados, mas continuam pecando e cometendo atrocidades indiscriminadamente. O abalo da fé e o desespero diante da falta de humanidade são palpáveis.
Cidade dos Pecadores é um livro curto, com uma excelente e potente escrita e elementos de folk horror instigantes, recheado de questões morais e filosóficas. Seu desfecho é esperado, mas isso em nada interfere na qualidade do material, tendo um texto fluido e coerente com o proposto do início ao fim.
