4.2
(10)

O Homem nas Trevas 2
Original:Don't Breathe 2
Ano:2021•País:EUA
Direção:Rodo Sayagues
Roteiro:Rodo Sayagues, Fede Alvarez
Produção:Fede Alvarez, Sam Raimi, Rob Tapert
Elenco:Stephen Lang, Madelyn Grace, Brendan Sexton III, Adam Young, Rocci Williams, Christian Zagia, Bobby Schofield, Fiona O'Shaughnessy, Stephanie Arcila, Diaana Babnicova

Fede Alvarez está se apropriando de uma característica bem interessante em sua filmografia, seja como diretor, roteirista ou produtor, que envolve a confusa índole de seus personagens. Basicamente, ele não permite que você saiba quem é o herói, vilão e anti-herói de seus trabalhos, com a possibilidade de inversões e alterações drásticas de comportamento. No seu longa-metragem inicial, A Morte do Demônio (2013), ninguém poderia imaginar que Mia (Jane Levy), a jovem que atraiu os demônios antigos e atacou seus amigos, seria a única que poderia enfrentar as entidades; já em O Homem nas Trevas (2016), aqueles assaltantes que invadiram a morada daquele velho homem cego (Stephen Lang), e que representavam a ameaça, estariam mais próximos do que poderíamos considerar heróis. Assim, havia uma certa dúvida sobre os caminhos da continuação, e se ela iria manter essas trocas de personalidade ou apenas dar continuidade aos acontecimentos do primeiro.

Inicialmente, as minhas expectativas sobre o novo filme foram bem baixas. Além de sentir que não havia porque continuar, mesmo com a proposta do epílogo, o trailer parecia apresentar uma repetição dos argumentos do longa de 2016: o homem cego novamente iria enfrentar invasores. A diferença talvez viesse do que ficamos sabendo sobre sua conduta: ele é um homem destruído por uma perda e capaz de sequestrar mocinhas para que elas lhe deem um novo filho – e que lembra a jornada nobre de Zé do Caixão. Mas havia ali uma criança. Será que a história é um prelúdio ou iria avançar bastante no tempo para mostrar que ele finalmente atingiu seu objetivo? Já sobre os aspectos técnicos havia também a dúvida se a direção do estreante Rodo Sayagues, parceiro de filmografia de Fede Alvarez, seria suficientemente agradável.

A cena inicial de O Homem nas Trevas 2 remete a primeira do filme original: em uma tomada aérea nota-se uma garotinha em fuga em uma rua até desfalecer e ser finalmente encontrada por alguém. Oito anos depois, a tal garota é apresentada como Phoenix (a talentosa Madelyn Grace), que vive em uma casa isolada em Detroit com seu pai, o tal Homem Cego do primeiro, sendo treinada constantemente contra ameaças de um mundo hostil em companhia do já conhecido rottweiler Shadow. Seu único contato com o mundo exterior é Hernandez (Stephanie Arcila), que traz alimentos aos dois e tenta convencer o senhor a permitir que a pré-adolescente vá à cidade grande. Quando ele decide autorizá-la ao passeio, a pequena, que possui uma curiosa mecha branca de nascença, é ameaçada pelo estranho Raylan (Brendan Sexton III), durante uma ida ao toalete, mas salva pelo cachorro e pela companhia adulta.

Raylan faz parte de uma gangue, tendo como parceiros Jim-Bob (Adam Young), Duke (Rocci Williams), Raul (Christian Zagia) e Jared (Bobby Schofield), e estão dispostos a seguir a van de Hernandez para saber onde a pequena reside. Já sabendo do endereço – e o espectador sem conhecer a motivação -, eles irão invadir o local naquela mesma noite, sem imaginar que o pai dela é um veterano da marinha e bastante apto e inteligente, e que os treinamentos da jovem lhe serão úteis na luta pela sobrevivência. A partir daí, segue-se sequências de tensão e claustrofobia pelos diversos ambientes, com destaque para a invasão inicial, com o esforço de Phoenix para se esconder dos inimigos em uma longa tomada única, atravessando cômodos, enquanto ela traz distrações e busca refúgio, respondendo àquela dúvida do final do segundo parágrafo.

Com invasores em número maior e bem armados – no primeiro só havia um e outros dois não adeptos a um confronto violento -, O Homem nas Trevas 2 deixa de lado a tensão silenciosa, um dos aspectos enaltecidos no primeiro, por sequências violentas e de resistência ameaçadora, embora desta vez o Homem Cego opte por não liquidar os vilões de uma vez, talvez para evitar que a pequena se assuste com sua verdadeira índole. Outra diferença importante em relação ao original é a mudança de ambientação: desta vez o filme não se passará inteiramente em uma única morada e irá promover argumentos inverossímeis, com o objetivo justificado pela tensão e entretenimento, destoando da narrativa pé no chão de O Homem nas Trevas.

ATENÇÃO PARA SPOILERS NÍVEL MÉDIO NO PRÓXIMO PARÁGRAFO (não recomendado para quem ainda não viu o filme)

Os tais absurdos do enredo, co-escrito por Fede Alvarez e Rodo Sayagues, se concentram em várias ideias não muito bem digeridas ao longo do filme. É claro que aceitar que o Homem Cego seja uma espécie de Demolidor já é bastante improvável, mas nada se compara a algumas decisões e facilidades do roteiro. 1. o rosto do veterano foi mostrado em noticiários na época do incidente, o que causa estranhamento Hernandez não tê-lo reconhecido, principalmente por ser um episódio bastante conhecido na região; 2. como o cego conseguiu atravessar a cidade e descobrir o esconderijo da gangue, indo a pé apenas em companhia de um cachorro (ainda que este tenha um faro aguçado e pudesse ter sido treinado para isso), imagina-se que a distância seja razoável; 3. um cego conseguir se virar em casa é compreensível pelo costume e aptidão de outros sentidos, mas ter sucesso em outro local, chega a ser exagero; 4. os pais terem decidido fazer a cirurgia de transplante na mesma noite em que a garotinha chegou (e precisava ter contado para ela?) não dá para engolir; 5. ainda que a pequena seja da mesma família, isso não significa que o coração dela será compatível (imagino como cirurgiões devem rir de situações assim).

FIM DOS SPOILERS

Ignorando as falhas e diferenças relativamente importantes, deve-se enaltecer a inteligência dos inimigos. O Homem Cego e a garotinha não irão enfrentar bandidos ingênuos, pelo contrário. Desse modo, o título original se define principalmente na cena em que Phoenix decide se esconder em uma espécie de caixa metálica, e o inimigo tentará provocar sua saída através do afogamento. Ao mesmo tempo em que luta para resistir à agua e à possibilidade de um choque fatal, o público rói as unhas ao acompanhar o confronto do lado de fora – e envolve mais do que esforço físico, mas também atitudes inteligentes. E há méritos também em todos os episódios que envolvem cães agressivos na franquia e que promoveram cenas bem divertidas e tensas.

Inferior ao primeiro pelos exageros propostos, O Homem nas Trevas 2 ainda assim é bem realizado, tem boas atuações e se conclui de maneira satisfatória, resolvendo, inclusive, aquela característica comum da filmografia de Fede Alvarez. Mais uma vez, há dúvidas sobre os papéis de heróis e vilões, até mesmo na mudança de atitude de um dos participantes da gangue de Raylan, justificando uma tendência natural do ser humano, sem o maniqueísmo que ronda o gênero. Desnecessário, mas ainda assim interessante, deve ser recomendado como um bom thriller claustrofóbico, com boas possibilidades, violento e divertido, concluindo de maneira satisfatória essa franquia particular da filmografia.

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3 Comentários

  1. Até o incêndio na casa foi ótimo, mas depois das forçadas de roteiro, a cena da cirurgia (sei lá, me pareceu muito final de “The Last of Us”, me pareceu que tentaram forçar demais uma escolha moral nos personagens e, o Homem chegando na hora exata para salvar a Phoenix… não comprei”) e adaptação rápida do Homem Cego eu desliguei e passei só a curtir as cenas de ação sem levar mais tão à sério.
    No mais, é um ótimo thriller psicológico com ótimas cenas de ação e tensão. Não chega a ser uma bomba como sequências costumam ser.

  2. Esse ,ei espero chegar nos streamings🤭😁🤣
    Mas parece legalzinho.

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