Tempo (2021)

3.9
(9)

Tempo
Original:Old
Ano:2021•País:EUA
Direção:M. Night Shyamalan
Roteiro:M. Night Shyamalan, Pierre-Oscar Lévy, Frederik Peeters
Produção:Marc Bienstock, Ashwin Rajan, M. Night Shyamalan
Elenco:Gael García Bernal, Vicky Krieps, Rufus Sewell, Alex Wolff, Thomasin McKenzie, Abbey Lee, Nikki Amuka-Bird, Ken Leung, Eliza Scanlen, Aaron Pierre, Embeth Davidtz, Emun Elliott, Alexa Swinton, Gustaf Hammarsten, Kathleen Chalfant, Francesca Eastwood

“Time is the best teacher, but unfortunately, it kills all of its students.” (Robin Williams)

Muitos cineastas evoluíram no decorrer de sua filmografia, como se a experiência lhes trouxesse mais qualidade técnica e refinamento estético – vide a trajetória de Johannes Roberts, Peter Jackson e até Sam Raimi. Enquanto outros, foram perdendo boa parte de sua ousadia inicial, esquivando-se da criatividade e da boa visão cinematográfica, para mencionar o irreconhecível Dario Argento, além de John Carpenter, entre muitos outros. Parece que o tempo pode mesmo afetar o trabalho de uma pessoa de maneiras diferentes. No caso do indiano M. Night Shyamalan, ele ainda não permitiu que se notassem evoluções ou involuções, como se o cineasta não sofresse pela efemeridade de sua carreira, o que pode ou não ser uma boa coisa.

Antes dos créditos iniciais de seu novo filme, Tempo, para quem viu no cinema, o próprio diretor aparece na tela avaliando sua filmografia, desde O Sexto Sentido, e agradecendo ao público que o acompanha. Com a mesma energia de seu trabalho de destaque, ele demonstra orgulho pela realização de um novo filme, que, como os demais, irá dividir opiniões. Há pouco consenso na avaliação de sua filmografia. Pode-se despertar o debate sempre que um filme de sua autoria chega aos cinemas, com o público mais uma vez criando suas listas mentais dos melhores aos piores, apontando roteiros nonsense, situações improváveis e plot twists que surpreendem tanto positiva quanto negativamente. Já boa parte dos críticos se incomoda às vezes pela simples assinatura de seus longas, citando um teor de preciosismo e “uma vontade pouco humilde de ser o novo Hitchcock“, como certa vez disse um.

Tempo, como os demais, vem com os estigmas de sua trajetória. Já existem os que consideram um filmaço, uma produção carregada pela boa reflexão e autoconhecimento, que permite buscar ali a metáfora da vida passageira; e os que não veem nada além de um filme chato, em que pouco acontece e que poderia se resumir a um média metragem, um episódio de Além da Imaginação. Há críticas às atuações, às ações inverossímeis do grupo de personagens e ao final exageradamente explicativo; há elogios à ambientação sinistra, aos elementos de terror evidentes, à sensação de claustrofobia e à ideia mais uma vez de mostrar o quanto o ser humano pode ser ruim quando exposto aos seus limites. Abraço estes que viram mais do que uma obra rasa, e exponho as razões nos próximos parágrafos, sem grandes spoilers.

Baseado na graphic novel Sandcastle, de Pierre-Oscar Lévy e Frederik Peeters – sim, diferente de seus demais filmes, não se trata de um argumento de sua autoria, o que não quer dizer que aqueles que o odeiam irão fazê-lo menos -, Tempo mais uma vez destaca uma família. Como em O Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais, Fim dos Tempos…, este apresenta os Cappa, uma família de quatro pessoas, tendo à frente o conturbado casal Prisca (Vicky Krieps) e Guy (Gael García Bernal), vivendo a perspectiva de uma possível separação e a tristeza da doença que acompanha a esposa; e as crianças, Trent e Maddox, inicialmente interpretados por Nolan River e Alexa Swinton.

Eles conseguem a oportunidade de uma viagem all inclusive a um resort tropical. Sendo bem recebidos pelo gerente (Gustaf Hammarsten), com direito a um cocktail entregue na entrada por Madrid (Francesca Eastwood), os Cappa ainda são avisados de uma maravilhosa praia escondida, um lugar muito bom para relaxar e aproveitar o sol. Eles aceitam a oferta e partem para o local em companhia de outras famílias, como o cirurgião Charles (Rufus Sewell), sua esposa Chrystal (Abbey Lee), a filha Kara e a mãe de Charles, Agnes (Kathleen Chalfant); além do casal composto pelo enfermeiro Jarin (Ken Leung) e a esposa psicóloga Patricia (Nikki Amuka-Bird). No local, encontram o rapper Mid-Sized Sedan (o péssimo Aaron Pierre), que desperta a desconfiança de Charles, já demonstrando seu lado racista e que irá trazer os principais conflitos despertados em convivências forçadas.

Não irá demorar para que situações estranhas comecem a acontecer, mais notadas graças à presença de crianças. Todos ali começam a envelhecer rapidamente, como se a ambientação afetasse o metabolismo, acelerando o envelhecimento das células. Ainda que a premissa seja absurda e facilmente justificada pela presença de minerais e a posição da ilha – melhor que encontrar explicações que só serviriam a cientistas -, o que mais impressiona é o fato de todos ali aceitarem rapidamente a situação. Se Prisca e Guy até chegam a não reconhecer seus filhos para depois atribuir o fenômeno a uma alergia (!!!), por outro lado Kara, uma criança que deve beirar os quatro anos, desaparece de cena por um tempo, sem incomodar Charles, Chrystal e Agnes.

Com a compreensão dos fatos, todos ali passam a buscar meios de sair da ilha, ao passo que a idade começa a afetar atitudes e condições. Perda de memória, estágio avançado de doenças, surdez e cegueira parciais são alguns dos estados mais evidentes de influência da passagem do tempo nos personagens, mas há também o modo como as crianças passam a enxergar o mundo e as relações humanas à medida em que avançam para a fase adolescente e depois adulta. Com simbologias sobre a idade e a impossibilidade de evitar a passagem do tempo, por isso não conseguem sair dali, Shyamalan aproveita para explorar sua habitual câmera atenta em longas tomadas no passeio pelas mudanças evidentes, como na cena sem cortes da descoberta da gravidez ao crescimento acelerado da barriga até a necessidade do parto imediato. E também os posicionamentos elegantes comuns ao indiano, como a que deixa a lente flutuando nas ondas ou sob a perspectiva de um cadáver.

E há ali, pela proposta do envelhecimento precoce e das doenças, elementos perturbadores. A insanidade que passa a agir sobre os personagens, como reflexo do desespero, alcança o nível do horror pela desfiguração daquela que sofre pela má formação dos ossos. A sequência na caverna, entre os gemidos de dor e a preocupação pela aparência, mostra um Shyamalan que sabe lidar com o medo. Poderia ousar mais na exibição de corpos deteriorados ou no resultado de uma queda, como fizera na cirurgia de extração de um tumor, o que poderia ampliar a carga de repulsa. Também se mostra tímido ao demorar para revelar as novas condições dos personagens, para que o choque seja gradual e mais bem aceito.

Não há uma revelação final que irá surpreender o público como em outras de suas obras. Sua preocupação evidente é desatar nós, mesmo que o discurso no último ato soe artificial, justificado apenas pela necessidade de não deixar dúvidas. No entanto, é ainda um filme peculiar do diretor, tal qual sua filmografia pela constância de promover sensações de “me ame ou me odeie“. Não se pode dizer que o tempo fez bem ou mal para o cineasta, uma vez que seu estilo está todo ali e pode ser bem observado e criticado.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Tempo (2021)

  • 30/09/2021 em 10:50
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    Achei o filme bom. Não é dos melhores, tem muitos problemas e as atuações estão meio estranhas. Não sei se gostei muito da direção, com uma ou outra cena que chame a atenção. Um destaque negativo achei a cena da “luta” na praia à noite entre três personagens debilitados pela idade, as ações da personagem que está perdendo a audição são ridículas, justamente pelo problema dela ser perder um pouco da audição, e não a visão ou a memória… mas tem seus altos, um final satisfatório. Daria nota 7, acima da média mas abaixo de outros bons filmes como Sinais, a Vila, a Visita, Fragmentado e Sexto Sentido.

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