A Família Addams
Original:The Addams Family
Ano:2019•País:EUA, Canadá Direção:Greg Tiernan, Conrad Vernon Roteiro:Matt Lieberman, Conrad Vernon, Erica Rivinoja Produção:Gail Berman, Alison O'Brien, Alex Schwartz, Conrad Vernon Elenco:Oscar Isaac, Charlize Theron, Chloë Grace Moretz, Finn Wolfhard, Nick Kroll, Snoop Dogg, Bette Midler, Allison Janney, Martin Short, Catherine O'Hara, Tituss Burgess, Jenifer Lewis, Elsie Fisher, Conrad Vernon |
Morticia Addams: Está tarde.
Gomez Addams: Wandinha sabe cuidar de si mesma.
Morticia Addams: Não estou preocupado com ela, mas com os outros. Nós temos que providenciar um álibi.
Foi em 1938 que o cartunista Charles Addams criou a macabramente divertida Família Addams. A publicação em quadrinhos passou a ser fazer parte da rotina dos leitores da revista The New Yorker, com traços característicos e o humor que satirizava a tradicional família americana do século XX. Logo os personagens se tornariam referências, com a identificação de seus trejeitos peculiares como atitudes comuns entre os membros de qualquer família com suas esquisitices: quem não encontra rastros de uma adolescente que é considerada estranha pelos gostos “diferentes“, um garoto envolto em experiências por vezes arriscadas e destruidoras, pais que defendem os filhos em suas ações insanas mas mantém o romantismo mesmo depois de décadas e o tio doido que surge de vez em quando para corromper os pequenos, apresentando namoradas interesseiras ou completamente opostas de seu estilo? O sucesso se ampliaria com a versão live-action, com a série homônima de 1964-1966, que durou duas temporadas, totalizando 64 episódios, nas boas atuações de John Astin, Carolyn Jones, Jackie Coogan e o gigantesco Ted Cassidy.
Em 1973, a Família Addams estaria de volta às telinhas em uma versão animada, que contou com a voz de Cassidy, Coogan e Jodie Foster, com onze anos, dando personalidade ao Feioso. Foram apenas 16 episódios, mas serviram para resgatar mais uma vez os personagens dos quadrinhos e incentivar o lançamento do filme Halloween with the New Addams Family, com a volta de boa parte do elenco da série da década de 60. Com o falecimento de Charles Addams em 1988, ocasionando o fim das publicações em quadrinhos, a estranha família voltaria em cena, desta vez nos cinemas, com o filme A Família Addams (1991) e A Família Addams 2 (1993), ambos dirigidos por Barry Sonnenfeld e contando com um excelente elenco encabeçado por Raul Julia, Anjelica Huston, Christopher Lloyd, além de uma jovem e carismática Christina Ricci, atuando como Wandinha. Com um humor físico e ótimas gags, os filmes souberam representar de maneira incrível todos os aspectos dos cartoons e das séries, com prêmios e indicações ao Globo de Ouro, em uma belíssima homenagem ao criador. Mais uma vez inspiraria uma versão animada, com 22 episódios exibidos entre 1992 e 1993.
Um terceiro filme até estava nos planos, mas a morte de Raul Julia em 1994 inviabilizou a ideia. Assim, em 1998, foi lançado o longa direto-para-o-vídeo O Retorno da Família Addams, com direção de Dave Payne, e a mudança de todo elenco à exceção de Tropeço, ainda encarnado por Carel Struycken. Apesar de bons nomes como Daryl Hannah, como Mortícia, e Tim Curry, como Gomez, o longa fracassou na intenção de resgatar os personagens na época associados ao elenco dos longas de 1991 e 1993. Depois viria apenas um musical, em 2008, e adaptações para jogos e livros, além, é claro, de se tornar uma grande influência para o estilo gótico, seja nas roupas ou até estilo musical. De acordo com o jornal The Telegraph, a Família Addams passou a ser a família mais mundialmente conhecida depois dos Kennedys, o que não é bem a verdade pois a avaliação ignorou Os Flinstones, Os Jetsons e até Os Simpsons – sem falar na Família Dinossauro, Os Monstros e tantas outras -, que também apresentaram grupos familiares com suas peculiaridades.
Contudo, a geração nascida pós 2000 ainda precisava conhecê-los. Os filmes já eram considerados antigos – mesmo os da década de 90 -, e as animações já não eram mais reprisadas. Assim, assistir a uma nova versão animada, em bons efeitos de computador, e com traços que resgatassem os personagens dos quadrinhos em sua composição original, pode se considerar algo extremamente agradável. E a expectativa cresce imensamente quando se percebe os interessantes nomes que compuseram as vozes dos personagens, como Charlize Theron, Chloë Grace Moretz e Bette Midler, entre outros. Era de se esperar um retorno nostálgico, com boas referências ao gênero, sem esquecer de apresentar a família aos pequenos, provavelmente despontando um interesse neles em conhecer outras versões e adaptações. A Família Addams, de Greg Tiernan e Conrad Vernon, fez muito bem isso.
A animação começa na cerimônia de casamento de Gomez (Oscar Isaac) e Morticia (Theron), com os familiares divertidamente aterrorizantes conferindo a união até serem interrompidos pelos cidadãos próximos, munidos de tochas e garfos de feno. Montados no Tio Chico (Nick Kroll), eles escapam do local e saem em busca de uma nova casa, com o carro sendo conduzido pelo Mãozinha. “Que lugar horrível seria capaz de nos abrigar?“, questiona Mortícia ao atravessar a placa que anuncia New Jersey. Na estrada, atropelam Tropeço, preso a uma camisa de força após fugir de um sanatório, localizado em uma colina com trovões e aspecto de um casarão assombrado. Realmente está. Há uma entidade que vez ou outra remete à casa de Amityville ao gritar um estrondoso “Get out!“, com suas paredes que respiram e janelas que tentam agredir os novos moradores.
A adaptação ao local maldito é acompanhada pelos créditos iniciais, logo após a composição da famosa trilha e que mostram o passar dos anos e o nascimento dos filhos Wandinha (Moretz) e Feioso (Finn Wolfhard). Passam-se 13 anos. A família cresceu. Enquanto Wandinha dorme sob uma guilhotina, planejando maneiras de eliminar o irmão, este torna-se hábil em explosivos, desenvolvendo foguetes e está sempre atacando o pai. Um grandioso evento familiar está perto de acontecer: o rito da Mazurka consiste no garoto mostrar habilidade com um sabre, algo que o condicionaria a membro oficialmente dos Addams ou a ser devorado vivo. Mas há outras preocupações que envolvem o grupo, como o crescimento de uma comunidade próxima, intitulada Assimilation, com a líder, Margaux Agulheira (Allison Janney), intencionando promover a venda das casas e transformação dos ambientes internos a um padrão de beleza e sofisticação – não é bem o que ela planeja, mas é como tenta convencer os locais.
Com um cabelo enorme e com suas próprias manias, Margaux é mãe da jovem Parker (Elsie Fisher), que sofre bullying na escola e ainda busca um caminho a seguir. Ao saber dos aspectos assustadores do casarão dos Addams, Margaux planeja mudar as cores do local, adequando ao universo colorido sob seus domínios, mas obviamente enfrentará a resistência dos Addams. O choque entre realidades distintas, comum em produções do estilo (vide Hotel Transilvânia), acontecerá também com a ida de Wandinha à escola, seja para reviver os sapos que seriam estudados, em uma ótima referência a Frankenstein, ou para mudar o estilo de vida de Parker, ao passo que ela também aos poucos começará a apresentar detalhes rosas.
Essa insana família ainda conta com a avó (Midler), a Coisa (com créditos a Snoop Dogg), entre outros membros monstruosos, como a árvore-viva Ichabod e até a que anda sobre uma aranha. Tais personagens são bastante profundos em suas características, o que justifica o sucesso de tanto tempo na promoção de terror e humor negro, além de referências. Em uma delas, uma bexiga vermelha alcança a casa e Mortícia diz: “Estranho, geralmente há um palhaço assassino segurando isto…“. E há muitos outros elementos de terror notados ali, desde o portão que se abre como uma boca, Tio Chico e sua capacidade de girar a cabeça e até no Feioso, andando como uma criatura possuída pelas paredes da morada.
Com mais de U$200 milhões de dólares alcançados em bilheteria, A Família Addams mostrou-se forte apesar de tanto tempo. A reunião desses personagens, confeccionados por Charles Addams, ainda se configura de maneira efetiva e necessária. E é muito bom quando isso acontece adequadamente, com uma atmosfera de terror abraçada aos elementos que tanto nos atrai, com muito “mau humor” e carisma. Não é por mero acaso que inspiraria mais uma continuação com mais sequências divertidas e assustadoras.