O Perfume da Senhora de Negro
Original:Il Profumo Della Signora in Nero
Ano:1974•País:Itália Direção:Francesco Barilli Roteiro:Francesco Barilli, Massimo D’Avak Produção:Giovanni Bertolucci Elenco:Mimsy Farmer, Maurizio Bonuglia, Mario Scaccia, Jho Jhenkins, Nike Arrighi, Lara Wendel, Aleka Paizi, Renata Zamengo, Ugo Carboni, Roberta Cadringher, Sergio Forcina, Gabriele Bentivoglio, Luigi Antonio Guerra, Carla Mancini. |
(o texto abaixo contém alguns SPOILERS)
Silvia (interpretada pela atriz americana Mimsy Farmer, de Contagem de Cadáveres, 1986) é uma jovem encantadora, leva uma vida estável e bem sucedida. Cientista em uma indústria de perfumes, sem motivo aparente, começa a ser atormentada por macabras aparições relacionadas ao suicídio de sua mãe. A situação progressivamente se agrava, ameaçando seu emprego, suas relações pessoais e até mesmo sua sanidade mental.
Posso adiantar ao leitor, O Perfume da Senhora de Negro não é um filme para todos. E antes que torçam o nariz, não me refiro a algum tipo de inteligência diferenciada necessária para vê-lo, mas sim pelo fato que o longa italiano é uma obra incomum, estranha e propositalmente confusa. Ainda que espalhe pistas para sua interpretação, o enredo é aberto para a construção de seu entendimento. E nem todo público aprecia produções neste formato. Entretanto, se você é daqueles que curte este tipo de quebra-cabeças, sim, este filme é para você.
O longa é um giallo um pouco atípico dirigido em 1974 por Francesco Barilli (de Pensione Paura, 1978). Em tempos, a palavra italiana giallo significa “amarelo”, que é uma referência a cor das capas dos famosos romances policiais baratos publicados desde a década de 20 na Itália. Nestes livros, era recorrente o enredo em que um misterioso assassino mascarado matava em série e tinha a identidade revelada somente nas últimas páginas. Algumas décadas depois, o próprio cinema italiano começou não apenas a explorar o conceito, mas também a expandi-lo, inserindo camadas psicológicas e sobrenaturais mais complexas à trama. É nesta expansão do gênero que se encaixa o incomum e vibrante O Perfume da Senhora de Negro.
Todo o estranhamento desta produção está nos excessos: na incômoda mistura de cores, que aparentemente não combinam (nada daquelas paletas sem vida das produções atuais); na trilha sonora de Nicola Piovani (vale lembrar que o compositor ganharia um Oscar no futuro, por A Vida é Bela), sempre incisiva e imponente; nos personagens esquisitos e na suposta desorganização do roteiro (que reproduz a desordem mental da protagonista) escrito por Barilli e Massimo D’Avak (que já haviam escrito juntos, dois anos antes, Mundo Canibal, outra obra italiana do gênero horror dirigida por Umberto Lenzi, em 1972). É notável que neste caos, a confusão do enredo seja habilmente potencializada pela desorientação sinestésica causada pela fotografia e pela trilha sonora.
Outro ponto bastante positivo para os fãs de horror é o ato final inesperado e alucinante, que culmina em uma cena com muito, muito gore – destoando do restante da produção onde o derramamento de sangue ocorre, mas de maneira bem mais comedida.
Sem exagerar nos spoilers ou induzir o leitor a qualquer interpretação involuntária do enredo, é impossível não destacar a influência de outros cineastas italianos como Mario Bava e Dario Argento, que definiram alguns anos antes os padrões do giallo no cinema, com obras significativas como Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza (1971) e Seis Mulheres Para o Assassino (1964). Outra grande referência é o terror psicológico de Roman Polanski, em especial o clássico incontestável O Bebê de Rosemary (1968).
Enfim, O Perfume da Senhora de Negro é um giallo exuberante que, apesar de menos conhecido, explora oportunamente os efeitos causados pela ambiguidade do roteiro. O longa merece mais do que ser assistido, merece ser experimentado. Para os interessados, o filme – que esteve disponível por um bom tempo no catálogo brasileiro do Amazon Prime e foi removido recentemente – pode ser encontrado em DVD (sim, eles ainda existem) no box Giallo Volume 4, lançado pela Versátil em 2017.