Mudança Mortal (2021)

4.7
(15)

 

Mudança Mortal
Original:Aftermath
Ano:2021•País:EUA
Direção:Peter Winther
Roteiro:Dakota Gorman
Produção:James Andrew Felts, Rick Sasner, Lars P. Winther, Peter Winther
Elenco:Ashley Greene; Shawn Ashmore; Sharif Atkins; Jason Liles; Britt Baron; Diana Hooper

por Adhemar Ronquim Filho

A Netflix, em seu esforço hercúleo de colocar, ao menos, uma novidade por dia para manter a relevância do serviço e minimizar perdas de catálogo por parte de grandes empresas que criaram seus próprios serviços, há muito deixou de priorizar qualidade, e, sim, aceita qualquer coisa e coloca seu selo como produção própria a fim de mostrar seu poder de fogo de investimento e garantir a manutenção de sua liderança no setor, priorizando a quantidade, sem filtros no primor qualitativo mínimo de muitas obras.

Sendo assim, como apreciador do serviço, penso que seria importante a empresa criar um selo específico para produções de parco investimento e que, quanto muito, em outros tempos, talvez só encontrassem espaço nas antigas porcarias produzidas para a TV que preenchiam as noites de sábado no Supercine (ainda existe???). Criando uma qualificação própria para obras desta (baixa) envergadura, já deixaria um aviso ao assinante do que esperar, ao passo que os filmes de maior investimento e de eventual pretensão ao reluzente dourado manteriam o logo oficial Netflix, dissociando a qualidade e as expectativas geradas. Esta criação de braços alternativos já é realidade em outras gigantes, e, creio, deveria ser o caminho a ser seguido pela vermelhinha.

 

Muito comum encontrar lançamentos na plataforma referentes a “casal em crise em cuja casa onde vivem fenômenos paranormais ou não passam a assolar a residência e a vida deles – baseado em fatos reais –”. O conteúdo é igual e com poucas diferenças narrativas, possuindo poucas exceções de películas que satisfaçam qualitativamente a audiência. Ou seja, o recheio está pronto, cabendo aos diretor e roteirista, normalmente, dar uma cobertura melhor, o que é raro.

E é que acontece com este Mudança Mortal (Aftermath, 2021), ao qual entrou no catálogo em 04 de agosto de 2021. A tradução para o português seria “consequência” ou “depois do problema”, mas optou a filial brasileira por um título mais direto, com poderio para chamar a atenção, mas que desvia do que de fato se trata o filme. Importante dizer que a obra não era original Netflix, mas foi adquirida posteriormente, passando a ser distribuída com este selo (não!!!) inclusive no Brasil.

Neste exemplar, based on a true story (também!!!), segundo o citado, temos no início a ocorrência de duas mortes, em cena de difíceis assimilação, visão e compreensão, fincada apenas no desespero das personagens. Típico início com imagem bem escura, que permitirá, lá na frente, os produtores decidir o melhor direcionamento para a história a partir disso, de acordo com o material bruto produzido. A pouca visibilidade é o coringa para estes buscarem (naufragar) salvar a obra na parte final.

Após, somos apresentados ao casal Natalie (Ashley Green, da tortura série de filmes Crepúsculo) e Kevin (Shawn Ashmore, o Homem de Gelo da franquia X-Men), que demonstra estar em crise conjugal por uma suposta traição. O marido atua como “limpador de cenas de crimes após a perícia” (sim, esta é a profissão), e, na sua atuação, faz um serviço em uma casa na qual houve dois assassinatos (isto, o ocorrido no prólogo) e descobre que o preço está uma pechincha, comprando-a para supostamente começar uma nova vida com sua esposa, mudando-se para lá (acho que a tal mudança do título do filme). No entanto, a tal reconciliação definitiva do esposo e sua mulher acaba prejudicada ante a coisas estranhas que passam a ocorrer na residência, principalmente presenciadas por Natalie, jogando no telespectador a dúvida se são eventos paranormais, ilusões desta ou se ela estaria por trás de todas as ocorrências.

Parênteses: o disposto é o exemplar de filme que encontramos aos montes como exposto no parágrafo terceiro: “casal em crise em cuja casa onde vivem fenômenos paranormais ou não passam a assolar a residência e a vida deles – baseado em fatos reais -”. Fecha e volta.

Abordando os problemas, tem-se primeiro a questão dos “fatos reais”. São tão genéricos e já exaustivamente abordados em outros exemplares que este atributo se esvai no ar. Tipicamente, a adoção desta descrição objetiva apenas dá alguma relevância (de fato, inexistente) ao filme.

Além disso, a duração é impeditiva. São cento e quatorze minutos, os quais poderiam ser reduzidos para noventa, no máximo, bastando excluir personagens e histórias paralelas, bem como cenas que não chegam a qualquer lugar, as quais servem apenas como distração ao espectador. A justificativa para este longo tempo de filme só pode ser uma decisão dos realizadores no sentido de reconhecer a insuficiência da trama principal para suportar uma obra interessante, a criação de frágeis pistas falsas, bem como garantir a alta exposição do filme. Sim, tudo é explicadinho, não se confiando em que o público pudesse entender a proposição dos diretor e roteirista, sem optar por apresentações minimalistas, sendo tudo escancarado, e, para isso, o necessário abarrotar de coadjuvantes com participações, em muito, ínfimas, apenas para cumprir o traçado pelos idealizadores do projeto.

O roteiro, além do excesso de descrições e de diálogos mais acessíveis possível, apresenta óbvios sustos e cenas de suspense que não possuem um propósito ou uma destinação final. Pontualmente, alguns momentos acabam surpreendendo quando se espera a chegada do susto uma ou duas vezes e este não chega, quebrando expectativa, mas é pouco para salvar o projeto, ainda mais pela pulverização injustificável de coadjuvantes que entram e saem sem qualquer relevância em sua maioria, podendo-se citar uma psicóloga de casais, a mãe e a irmã da protagonista, um antigo conhecido indesejável do casal e um possível interesse amoroso de um dos protagonistas. Todos servindo para a quebra de andamento do filme e para deixar cristalino o que está ocorrendo, como um drive para o público, desconfiando da cognição mínima deste. Ou seja, tudo filler.

A direção de Peter Winther (sem nenhuma referência digna de nota anterior como diretor), além de estar em assonância com o roteiro e desprezar a mera sugestão, investindo e privilegiando a clara exposição, não consegue esconder a clara falta de recursos. Alguns cortes externos (que já são poucos na realidade) apresentam estranheza, mas o que ocorre na casa do filme ainda é pior. Claro que em um ambiente reduzido ele poderia conseguir bons resultados, mas os planos adotados muitas vezes desfocados acabam por desprestigiar o produto.

O orçamento diminuto e a limitação da direção são fatores que, neste caso, unidos, contribuem para afundar o projeto. O segundo ponto, aliás, além de não gerar o aproveitamento dos benefícios que teria ao possuir um espaço limitado para o desenvolvimento do filme – uma casa – que pediria menos esforços para boas tomadas, caracteriza-se por cenas desfocadas, e, às vezes, trêmulas, não permitindo a utilização adequada da iluminação. Se, no início, a cena escura, como dito, serve até propositalmente para correção de rumos futuros por parte dos realizadores, após, durante o desenvolvimento, há um injustificável excesso de claridade, mesmo em cômodos que, logicamente, exigiriam um estado maior de penumbra, quebrando o grau de realidade da situação, servindo para desmerecer o interesse da audiência, dentro do intuito de expositivismo dos criadores. Quanto ao som, além de não possuir nada marcante ou perceptível, segue o clichê de ser aumentado em momentos-chave que pretendem direcionar o susto do público, tudo dentro da realização trivial deste tipo de obra, como se aquele não tivesse, sequer, a capacidade de percepção de qual sensação deve sentir em determinadas passagens. Por isso que algumas quebras de expectativa de jumpscares, quando não vêm, ainda, podem servir de alento na frágil construção do diretor e da roteirista.

Quanto ao elenco, Ashley Greene (que, desde o papel de Alice Cullen, desapareceu de qualquer filme de destaque) esforça-se com a fraca personagem da esposa que sofre com os acontecimentos supostamente fantásticos da casa. O alto comprometimento da atriz, no entanto, não serve para carregar o filme ante as ocorrências testemunhadas (a cena da bolinha embaixo da cama que some pode, inclusive, gerar sorrisos). Já Shawn Ashmore (longe dos tempos no qual participava de obras como a dos mutantes da Marvel), ao contrário, sequer se compromete com o produto, apresentando uma atuação burocrática, protocolar, como se estivesse apenas esperando o final das gravações para receber a remuneração pela atuação. O casal, quando em conjunto, demonstra pouca química, o que contribui para o distanciamento do público quanto ao destino daquele, pouco se importando, inclusive, com o desfecho das relações eventualmente paralelas com potenciais interesses amorosos das personagens principais, as quais também simplesmente são abandonadas pelo roteiro sem quaisquer cerimônia e/ou consequência.

No que se refere aos demais atores, nada existe de destaque, muito em função até do que o roteiro reserva para os secundários, os quais entram e saem para cumprir uma função (mal) estabelecida pelos realizadores. Por exemplo, a mãe da protagonista tem uma cena no qual gera uma discussão pomposa, e que, aparentemente, poderia ter consequência no decorrer do filme, mas, após, nem um reflexo mais relevante é gerado na continuidade da obra.

Outra personagem possui uma construção pior, visto que até aparece mais, tem um número superior de falas, mas serve apenas para aumentar o número de mortes da película. E o que é pior: apesar do peso que aparentemente aquela teria, após a sua morte, sequer o filme e/ou a protagonista se lembra ou se preocupa com o seu desaparecimento repentino, apesar da proximidade que tinham.

E nada mais comum em filme que pretende chocar o espectador do que traçar um destino menos feliz ao animalzinho da família, e, mesmo nesta fonte, bebem os realizadores como forma de ganhar algum ruído para a obra, o que, miseravelmente, não é alcançado.

E o desfecho? Existem duas camadas de plot twist, mas a definitiva é tão óbvia que os mais atentos na metade do filme já pescarão qual a solução proposta pelo roteiro (aliás, a profusão de obras que adota atualmente este caminho para o desfecho já vem esgotando a temática – entendedores entenderão). Na verdade, o excesso de pistas falsas soa inverossímil e incompatível, incapaz de desviar a atenção de um público mais afeto ao gênero para a real causa dos acontecimentos apresentados. Este tipo de reviravolta já vem cansando e se clama por realizadores que fujam deste mesmo caminho. O pior é que, assistindo, apesar de saber para qual lugar o filme iria, sinceramente, eu torcia efusivamente para estar errado, mas meu pleito não foi miseravelmente premiado.

Enfim, como descrito, Mudança Mortal apresenta muitas deficiências, que o faz constar da parte de baixo do lançamento originais Netflix, o que é um feito considerável ante o número de bombas colocadas no catálogo do streaming americano. Desnecessariamente longo, inconsistente e previsível, o filme reúne um conjunto de decisões desagradáveis que faz recomendar o distanciamento da obra pelos amantes mais seletivos do gênero.

Para os admiradores da plataforma como nós fica ressaltada a observação para se criar um selo próprio destinado a filmes de qualidade duvidosa. Melhoraria a imagem da vermelhinha e deixaria o “original Netflix” reservado para obras de maior vulto, as quais ganhariam um caráter mais premium dentro do catálogo, servindo para divulgar os trabalhos de efetivo valor produzidos pelo canal de streaming.

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Um infernauta com talentos sobrenaturais convidado a ter seu texto publicado no Boca do Inferno!

4 thoughts on “Mudança Mortal (2021)

  • 20/01/2022 em 18:35
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    Muito completo essa crítica, em todos os aspectos .
    Descascou todas as esperas do filmes e seus protagonistas . 👏
    Parabéns

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  • 19/01/2022 em 12:52
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    Tão ruim quanto assistir o filme foi ler esse texto, poderia ter reduzido em 600 palavras que chegaria no mesmo lugar em um leitura mais rápida, mesmo pra filme de baixo orçamento ele traz coisas interessante como a palheta de cor, me pareceu cuidadosamente escolhida, e acredito que a falta de conexão do casal seja proposital o que faz total sentindo pra mim. Sobre a criação de um selo de baixo orçamento, muitos filmes que ficaram pra história do cinema tiveram baixo orçamento acho que não é esse o caminho.

    Resposta
    • 21/01/2022 em 08:07
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      E que ler, também faz parte da crítica, gosta ou não . Eu adoro .
      E ter uma crítica fundamentada aprofundada e tão difícil no mundo do imediatismo de hoje em dia, que para alguns passou 120 caracteres já cansa .

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  • 18/01/2022 em 15:16
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    A concorrência do surgimento de vários streamings fez a Netflix se mexer, antes ela era mais conhecida por mostrar séries com o tempo atualmente ela foi colocando mais filmes. Ela pode errar na seleção de um ou outro, mas o principal ela conseguiu que foi sair daquele streaming de séries, hoje muita gente como eu espera por seus lançamentos de filmes na mesma proporção que as séries.

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