Livros de Sangue: Volume 3
Original:Books of Blood – Volume 3 Ano:2022•País:EUA Autor:Clive Barker •Editora: DarkSide Books |
Após dois volumes de Livros de Sangue, tanto a obra quanto o autor dispensam apresentações. A habilidade de Clive Barker de causar medo com suas descrições minuciosas é ímpar, e algum de seus textos vai tocar exatamente no âmago de seu pior pesadelo, seja lá qual for. Alguns podem achar divertida a descrição de uma pessoa sendo virada do avesso, ou mesmo de um monstro monumental movido a pessoas que destrói tudo pela frente, mas pode ter certeza que, em algum momento dessa coletânea, Barker vai te impressionar, amedrontar, chocar, causar repulsa… ou tudo isso de uma vez.
O primeiro volume nos mostrou o motivo do nome Livros de Sangue, reunindo contos viscerais cheios de banhos sangrentos, carne e morte. Já o segundo livro tem o pavor como foco. Seja o medo do fim do mundo, de lugares fechados, criaturas do submundo e tudo o mais, contado do jeitinho Barker (ou seja, chocante e extremamente descritivo).
Chegamos ao terceiro volume dessa obra composta de seis volumes, publicada pela DarkSide Books em parceria com a Macabra TV, novamente com tradução de Paulo Raviere e dessa vez com introdução de Paula Febbe. Uma escolha muito acertada, visto que Febbe, além de escritora, é também psicanalista e abre a obra com um texto breve e analítico falando sobre a fascinação que o horror causa, Barker e sobre os contos que encontraremos. Dessa vez, a vaidade e o narcisismo serão os temas centrais.
Em O Filho do Celuloide, um fugitivo se esconde em uma antiga construção e acaba morrendo por lá sem ninguém nunca descobrir seus restos mortais. Anos depois, funcionando como um cinema, coisas estranhas começam a acontecer. O banheiro é um portal para um filme de faroeste, Marilyn Monroe anda pelos corredores seduzindo quem cruzar seu caminho, animais fofinhos saltitam atraindo mocinhas inocentes para a perdição. Cada aparição causa uma emoção diferente, assim como cada filme nos desperta diferentes sentimentos. O importante é prender nossa atenção: o cinema, os filmes, as atrizes e atores precisam ser adorados, aclamados, amados. O autor transforma essa adoração em um monstro que, usando ilusões para atrair o público, devora seus corpos e almas. Barker cria um paralelo interessante sobre o quanto a vaidade excessiva se torna uma doença. Quanto mais se tem, mais se quer, sugando tudo e todos que estão ao redor.
O conto Cabeça Descarnada apresenta Rawhead Rex, um antigo e impiedoso Deus Pagão que foi esquecido e enterrado embaixo de uma pedra, dando fim ao seu reinado de mortes e destruição. Após séculos aprisionado, enfim foi libertado, e pretende liberar toda sua raiva massacrando todos que vivem naquela terra. Um show de horrores e sangue acontece, e Rawhead julga ser invencível e poderoso. Sua arrogância será sua ruína, mas não antes de arruinar muitas vidas pelo caminho. A história ganhou uma adaptação cinematográfica em 1986 com o título de Monster – A Ressurreição do Mal. A criatura é extremamente violenta e faz uma chacina macabra a cada passo, tendo as mortes descritas de forma magistral pelo autor, como de costume.
Confissões da Mortalha (de um pornógrafo) é um relato post mortem de um contador que se diz honesto, moralmente correto e que não ligava para sexo. Um dia, descobre que seus patrões são distribuidores de material pesado e proibido. Zoofilia, tortura, imagens obscenas e perversões inimagináveis para o inocente contador. Chocado, ultrajado e enojado, bate nos envolvidos, porém, ele mesmo também estava implicado naquilo, mesmo sem saber. A vergonha de fazer indiretamente parte daquilo o deixou entorpecido, até que aconteceu. A notícia do material pesado que era distribuído vazou para a imprensa, e ele foi apontado como único culpado. Após isso, acompanharemos uma belíssima história de vingança, fria e cruelmente planejada. A vontade de se vingar é tão grande que vai além do túmulo. O rapaz de moral e bons costumes é agora uma máquina de matar, sobrando apenas o primitivo instinto de fazer justiça com as próprias mãos.
Em Bodes Expiatórios, um grupo acaba encalhando em uma ilha misteriosa. Sem saber onde estão, resolvem explorar e acabam encontrando ovelhas. Não há sinal de coisa alguma por ali além daqueles animais. Quando um dos integrantes mata uma ovelha, a ira de algo antigo é despertada. Agora, eles serão as oferendas. Nesse conto, as coisas demoram um pouco mais a acontecer. Há muito horror psicológico presente, porém, só se torna algo palpável nas páginas finais.
Finalizando o terceiro volume, Restos Humanos acompanha a vida de um garoto de programa que se idolatra. Sabe que é bonito e invejado, e gosta disso. Em breve, ele encontrará um ser que também fica encantado com sua beleza, a ponto de querê-la para si. Aos poucos, o belo jovem vê seu rosto sendo reproduzido por essa misteriosa figura e, ao invés de ficar amedrontado, sente-se lisonjeado e satisfeito, por mais destrutivo que isso seja. Se em contos anteriores a vaidade e o ego ficam implícitos de algum modo, aqui o narcisismo é perfeitamente escancarado por Clive Barker.
Mesmo sendo uma obra cheia de horror, violência e sangue, este volume é ligeiramente mais leve do que os dois anteriores falando em termos visuais. Claro que há descrições detalhadamente grotescas de corpos sendo estripados e tudo mais, entretanto, Barker mexe mais com o psicológico aqui, em cinco contos longos que proporcionam diversas reflexões. Faz alusões não apenas à vaidade, como também a religião e moral, e o quanto os conceitos podem ser deturpados. O horror não mora apenas em mortes violentas, e Clive Barker sabe muito bem como mexer com nossa imaginação e pensamentos, seja com tripas expostas ou com seu personagem favorito aparecendo bem na sua frente querendo aplausos… e um pouco mais.