3.5
(21)

Batem à Porta
Original:Knock at the Cabin
Ano:2023•País:EUA
Direção:M. Night Shyamalan
Roteiro:M. Night Shyamalan, Steve Desmond, Michael Sherman
Produção:M. Night Shyamalan, Marc Bienstock, Ashwin Rajan
Elenco:Dave Baustista, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Nikki Amuka-Bird, Kristen Cui, Abby Quinn e Rupert Grint

Uma família de dois pais e uma criança, ao passar férias numa região afastada de centros metropolitanos, é abordada por quatro estranhos armados que afirmam que eles têm que fazer um sacrifício para evitar o fim do mundo. A partir deste acontecimento simples e assustador, o diretor M. Night Shyamalan desenrola um horror psicológico, onde as vítimas lidam com esse estranho grupo obcecado na determinação de um sacrifício voluntário. As vítimas evidentemente duvidam da afirmação apocalíptica e da postura aparentemente fanática do grupo de invasores.

O que poderia ser uma história simples demais para ocupar um filme com uma hora e 40 minutos de duração, a direção consegue tonar o desenvolvimento das cenas e da trama de forma cativante e interessante, com personagens realmente interessantes, com históricos e personalidades bem desenvolvidos, tornando os monstros do filme pessoas mais reais, imersas num redemoinho irreal de acontecimentos, dos quais eles não queriam fazer parte.

A direção também acerta em cheio no elenco, que consta com nomes razoavelmente improváveis, como Dave Bautista e Rupert Grint. Bautista surpreende em sua atuação inspirada e diferente do que normalmente se espera dele, mostrando ser um ator bem versátil, com bons resultados na mão de bons diretores (e papéis, roteiros etc.). O elenco, por entregar uma atuação de qualidade ao representar pessoas normais dentro uma situação surreal, é um dos grandes acertos do filme.

O contraste, acentuado a cada instante que a trama se desenrola, é um dos maiores pontos de horror na produção. Está presente não apenas no que os invasores propõem às vítimas, mas também a eles mesmos, ao que fazem o que precisam fazer, por uma certeza absoluta, mas não queriam ter que fazer.

Desta vez, Shyamalan aposta numa história relativamente linear e com tensão crescente, deixando um pouco de lado reviravoltas (ou turning points) bruscos, que por muito tempo foram tidas com uma marca registrada do diretor. E na parte técnica, Shyamalan mostra toda sua habilidade como diretor ao entregar tudo que a história pede, causando as emoções precisas na audiência. Há momentos de tensão o tempo todo, crescente e sufocante, de acordo com a premissa original, mas também há momentos para nos relacionarmos com os personagens (de ambos os lados), respiros na narrativa para jogar o público em outra sequência desesperadora e assim por diante. Tudo executado com precisão.

Se há um problema no desenvolvimento da trama, ele está nos flashbacks, usados para reforçar sentimentos e informações a respeito do casal vítima dos estranhos, mas tais informações e dados já foram fornecidos anteriormente, em diálogos e cenas anteriores. Na maioria das vezes, os flashbacks são desnecessários, ou apenas redundantes.

Como filme de terror, ou melhor, de horror psicológico, Batem à Porta é ótimo em diversos pontos em sua execução, mas tem alguns problemas essenciais em sua história básica. Baseado no livro O Chalé no Fim do Mundo, de Paul Tremblay, o filme é uma versão bastante fiel, com diferenças mínimas (à exceção de uma grande mudança, que não pode ser dita aqui sem entregar partes do final), mas é justamente nesses elementos essenciais da história que residem os maiores problemas do filme.

O primeiro vem no fato da história apresentar um grupo de pessoas fanáticas pregando o apocalipse e a necessidade de se matar pessoas para evitá-lo. E o pior: essas pessoas estão certas! A história passa a mensagem de que o tal grupo de pessoas fanáticas está correto em sua missão hedionda, o que é algo bastante problemático nos tempos atuais, quando negacionismos e discursos fanáticos ganham força através de redes sociais e movimentos irresponsáveis.

O outro grande problema é a necessidade de se sacrificar uma pessoa homossexual para se salvar o mundo. Ou seja, Deus manda pessoas obrigarem integrantes de uma minoria perseguida e atacada a se matarem para salvar o mundo. Novamente é uma mensagem complicada, que pode muito mais servir como argumento comprovatório (ou como dog whistle, “apito de cachorro”) do que para se levantar a discussão sobre o assunto. É como se a história estivesse mostrando uma forma tensa e glorificada de dizer que o mundo só vai ficar melhor se um dos protagonistas gays for removido dele. De que adianta uma boa representação de um personagem homossexual nesse caso se o tratamento dado a ele é o mesmo de obras problemáticas?

Esses problemas existem na história original do livro, mas a escolha de mantê-las no filme acentua sua maior divulgação e alcance. O cinema hollywoodiano já tem muitas obras focadas, e mostrar o sofrimento de personagens gays, e que só conseguem a redenção (ou algo próximo disso) quando morrem, isso não é um bom tema para ser reutilizado em mais vezes por grandes cineastas. Ou por qualquer cineasta.

M. Night Shyamalan é um grande diretor, que domina o meio, com estilo e habilidades ímpares, o que fica comprovado em Batem à Porta. Mas em alguns casos, em sua carreira, teve escolhas que ficaram bem aquém do seu nível como cineasta e contador de histórias. Este é um dos casos em que realizou um filme tecnicamente bom, com momentos bons e ótimos, mas em cima de uma história com problemas estruturais bem óbvios e complicados de serem arrumados sem grandes modificações na trama básica.

Certamente, é um filme que irá gerar muita discussão e polêmica, pelo seu tema e o desenvolvimento do mesmo. Mas talvez não seja a polêmica e discussão que o diretor intencionava.

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Média da classificação 3.5 / 5. Número de votos: 21

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16 Comentários

  1. Boa resenha. O final também me incomodou demais. Os fanáticos estava certos o tempo todo. A peruca do cara nos flashbacks também foi péssima haha

  2. Gostei muito da resenha. Algumas problemas citados são bem aparentes no próprio treiler e estavam me deixando com receio de assistir. Bem, mas resenha do Saladino não tem nem o que discutir, sempre precisa, bem explicada e embasada, principalmente quando se trata de terror!

    1. Gostei muito da sua crítica e me fez pensar em pontos problemáticos do filme que eu não tinha pensado e você está certo. Olhando os comentários até me admiro que a equipe do Boca seja tão esclarecida (ouço o podcast de vocês) e fico muito feliz que vocês não são esses comentários. Sobre o filme:… não gostei da alteração, o que me surpreendeu no livro foi a audácia em matar a Wen e também em deixar tudo ambíguo, não sabemos se era coincidência tudo ou não. Achei que faltou ousadia em deixar tudo no ar, foi um final muito good vibes.

      1. Avatar photo

        Por mais que a equipe tenha opiniões diferentes quanto aos filmes que assistimos, de fato todos temos visões de mundo bastante parecidas – e isso é exigência mesmo, não temos espaço pra conservadorismo e preconceito entre nós. Mas realmente, tem muitos comentários que dá tristeza receber. Muita coisa a gente apaga, claro, por passarem de qualquer limite aceitável. Diferente do seu comentário! Obrigada por falar com a gente e por acompanhar também o podcast! 🙂

  3. tá cheio de filme com protagonista hétero se sacrificando pra salvar o mundo, pq no caso do homo não pode?

    1. Cara, concordo plenamente. Isso que o cara disse na crítica foi uma das maiores bobagens lacradoras que vi recentemente. Onde chegamos…

  4. “Negacionismo e discursos fanáticos”…. parece que alguém é a favor da regulamentação da mídia .

    1. Pois é brother,gostei da crítica,mas essa parte não,pois me encaixo nesse grupo,eu sou do tipo que acredita em sociedade secreta, Illuminatis e afins,sou tbm contra essas vacinas experimentais de pandemias, tenho o direito de pensar fora da caixinha,mas de resto de boa com a crítica, não vou implicar não 😂

  5. “Ou seja, Deus manda pessoas obrigarem integrantes de uma minoria perseguida e atacada a se matarem para salvar o mundo.”

    Comentário tendencioso e mentiroso. Deus nunca mandou matar homossexuais, ao contrário:

    “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.”

    João 3:16

    1. Olá, Ivan.
      Não, não falei sobre a Bíblia ou sobre o catolicismo. Falei sobre o filme e a história mostrada lá.
      A história do filme tem vários problemas, como eu citei, inclusive mostrar desrespeitosamente e erroneamente uma versão de Deus que contraria a Bíblia, como você indicou.
      O comentário não é tendencioso ou mentiroso. Ele diz respeito ao que o filme diz, o que eu acho errado e desrespeitoso à religião.
      Por favor, não incuta a mim um comentário ou opinião que eu não fiz. Isso é mentira.

    2. Quando eu vi o trailer do filme logo me veio a cabeça o episódio “Sunrise” de “Além da Imaginação (2003)”. São histórias bem parecidas, tipo muito uhauhau não tou falando que o Paul Tremblay copiou o episódio de “Além da Imaginação” mas é engraçado mesmo assim. Sobre o filme : é fiel ao livro? é. Mas o final do livro é mais legal na minha opinião, acho mais ousado do que o que foi feito no filme.

      E aí está, pra mim esse filme é um típico filme do Shyamalan 2.0 (pós- Corpo Fechado) falta ousadia. Eu acho que se vc pegar todos os filmes q ele fez depois de “Corpo Fechado” (tirando Avatar, óbvio) daria uma ótima temporada de uma série antológica de horror/suspense/ficção-científica. Igual a “Devil”, “The Happening” ou “The Visit” esse filme funcionaria melhor em um episódio de 30~40 minutos e não num filme de 100 minutos.

  6. Nao entendo… Se nao usam personagens LGBTQIA+, o povo reclama… Se usam, reclamam também… Quer dizer que o filme seria melhor se fosse um casal hétero, já que essa foi uma das falhas apontadas no filme?

    Critica bem abaixo do nível do Boca Do Inferno…

    1. Concordo. Tá difícil agradar. O filme é baseado no livro é é fiel. Mas, segundo o comentário, seria melhor modificar a história. Não entendo.

      1. Apesar de ser fiel, o filme fez sim alterações na história original do livro, para não incomodar certa parcela da audiência.
        E assim, note que eu reclamei da história básica, a do livro, inclusive. A escolha de se contar a história também é de responsabilidade do diretor, e por isso coloquei minha opinião. É a escolha no caso. Houve uma escolha para não incomodar uma parte do público e uma mudança da história, então… o argumento “de fiel” não é totalmente aplicável no caso.

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