Batem à Porta (2023)

3.7
(20)

Batem à Porta
Original:Knock at the Cabin
Ano:2023•País:EUA
Direção:M. Night Shyamalan
Roteiro:M. Night Shyamalan, Steve Desmond, Michael Sherman
Produção:M. Night Shyamalan, Marc Bienstock, Ashwin Rajan
Elenco:Dave Baustista, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Nikki Amuka-Bird, Kristen Cui, Abby Quinn e Rupert Grint

Uma família de dois pais e uma criança, ao passar férias numa região afastada de centros metropolitanos, é abordada por quatro estranhos armados que afirmam que eles têm que fazer um sacrifício para evitar o fim do mundo. A partir deste acontecimento simples e assustador, o diretor M. Night Shyamalan desenrola um horror psicológico, onde as vítimas lidam com esse estranho grupo obcecado na determinação de um sacrifício voluntário. As vítimas evidentemente duvidam da afirmação apocalíptica e da postura aparentemente fanática do grupo de invasores.

O que poderia ser uma história simples demais para ocupar um filme com uma hora e 40 minutos de duração, a direção consegue tonar o desenvolvimento das cenas e da trama de forma cativante e interessante, com personagens realmente interessantes, com históricos e personalidades bem desenvolvidos, tornando os monstros do filme pessoas mais reais, imersas num redemoinho irreal de acontecimentos, dos quais eles não queriam fazer parte.

A direção também acerta em cheio no elenco, que consta com nomes razoavelmente improváveis, como Dave Bautista e Rupert Grint. Bautista surpreende em sua atuação inspirada e diferente do que normalmente se espera dele, mostrando ser um ator bem versátil, com bons resultados na mão de bons diretores (e papéis, roteiros etc.). O elenco, por entregar uma atuação de qualidade ao representar pessoas normais dentro uma situação surreal, é um dos grandes acertos do filme.

O contraste, acentuado a cada instante que a trama se desenrola, é um dos maiores pontos de horror na produção. Está presente não apenas no que os invasores propõem às vítimas, mas também a eles mesmos, ao que fazem o que precisam fazer, por uma certeza absoluta, mas não queriam ter que fazer.

Desta vez, Shyamalan aposta numa história relativamente linear e com tensão crescente, deixando um pouco de lado reviravoltas (ou turning points) bruscos, que por muito tempo foram tidas com uma marca registrada do diretor. E na parte técnica, Shyamalan mostra toda sua habilidade como diretor ao entregar tudo que a história pede, causando as emoções precisas na audiência. Há momentos de tensão o tempo todo, crescente e sufocante, de acordo com a premissa original, mas também há momentos para nos relacionarmos com os personagens (de ambos os lados), respiros na narrativa para jogar o público em outra sequência desesperadora e assim por diante. Tudo executado com precisão.

Se há um problema no desenvolvimento da trama, ele está nos flashbacks, usados para reforçar sentimentos e informações a respeito do casal vítima dos estranhos, mas tais informações e dados já foram fornecidos anteriormente, em diálogos e cenas anteriores. Na maioria das vezes, os flashbacks são desnecessários, ou apenas redundantes.

Como filme de terror, ou melhor, de horror psicológico, Batem à Porta é ótimo em diversos pontos em sua execução, mas tem alguns problemas essenciais em sua história básica. Baseado no livro O Chalé no Fim do Mundo, de Paul Tremblay, o filme é uma versão bastante fiel, com diferenças mínimas (à exceção de uma grande mudança, que não pode ser dita aqui sem entregar partes do final), mas é justamente nesses elementos essenciais da história que residem os maiores problemas do filme.

O primeiro vem no fato da história apresentar um grupo de pessoas fanáticas pregando o apocalipse e a necessidade de se matar pessoas para evitá-lo. E o pior: essas pessoas estão certas! A história passa a mensagem de que o tal grupo de pessoas fanáticas está correto em sua missão hedionda, o que é algo bastante problemático nos tempos atuais, quando negacionismos e discursos fanáticos ganham força através de redes sociais e movimentos irresponsáveis.

O outro grande problema é a necessidade de se sacrificar uma pessoa homossexual para se salvar o mundo. Ou seja, Deus manda pessoas obrigarem integrantes de uma minoria perseguida e atacada a se matarem para salvar o mundo. Novamente é uma mensagem complicada, que pode muito mais servir como argumento comprovatório (ou como dog whistle, “apito de cachorro”) do que para se levantar a discussão sobre o assunto. É como se a história estivesse mostrando uma forma tensa e glorificada de dizer que o mundo só vai ficar melhor se um dos protagonistas gays for removido dele. De que adianta uma boa representação de um personagem homossexual nesse caso se o tratamento dado a ele é o mesmo de obras problemáticas?

Esses problemas existem na história original do livro, mas a escolha de mantê-las no filme acentua sua maior divulgação e alcance. O cinema hollywoodiano já tem muitas obras focadas, e mostrar o sofrimento de personagens gays, e que só conseguem a redenção (ou algo próximo disso) quando morrem, isso não é um bom tema para ser reutilizado em mais vezes por grandes cineastas. Ou por qualquer cineasta.

M. Night Shyamalan é um grande diretor, que domina o meio, com estilo e habilidades ímpares, o que fica comprovado em Batem à Porta. Mas em alguns casos, em sua carreira, teve escolhas que ficaram bem aquém do seu nível como cineasta e contador de histórias. Este é um dos casos em que realizou um filme tecnicamente bom, com momentos bons e ótimos, mas em cima de uma história com problemas estruturais bem óbvios e complicados de serem arrumados sem grandes modificações na trama básica.

Certamente, é um filme que irá gerar muita discussão e polêmica, pelo seu tema e o desenvolvimento do mesmo. Mas talvez não seja a polêmica e discussão que o diretor intencionava.

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Média da classificação 3.7 / 5. Número de votos: 20

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Rogerio Saladino

Rogerio Saladino é escritor, jornalista, editor, tradutor e autor, atuando nas áreas de quadrinhos, literatura, RPG e cultura pop. Um entusiasta do terror em todas suas formas e, inexplicavelmente, adora a série Puppetmaster, mesmo consciente da sua qualidade duvidosa.

16 thoughts on “Batem à Porta (2023)

  • 09/04/2023 em 12:19
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    Boa resenha. O final também me incomodou demais. Os fanáticos estava certos o tempo todo. A peruca do cara nos flashbacks também foi péssima haha

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  • 04/02/2023 em 23:10
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    Gostei muito da resenha. Algumas problemas citados são bem aparentes no próprio treiler e estavam me deixando com receio de assistir. Bem, mas resenha do Saladino não tem nem o que discutir, sempre precisa, bem explicada e embasada, principalmente quando se trata de terror!

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    • 19/03/2023 em 23:44
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      Gostei muito da sua crítica e me fez pensar em pontos problemáticos do filme que eu não tinha pensado e você está certo. Olhando os comentários até me admiro que a equipe do Boca seja tão esclarecida (ouço o podcast de vocês) e fico muito feliz que vocês não são esses comentários. Sobre o filme:… não gostei da alteração, o que me surpreendeu no livro foi a audácia em matar a Wen e também em deixar tudo ambíguo, não sabemos se era coincidência tudo ou não. Achei que faltou ousadia em deixar tudo no ar, foi um final muito good vibes.

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        20/03/2023 em 09:51
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        Por mais que a equipe tenha opiniões diferentes quanto aos filmes que assistimos, de fato todos temos visões de mundo bastante parecidas – e isso é exigência mesmo, não temos espaço pra conservadorismo e preconceito entre nós. Mas realmente, tem muitos comentários que dá tristeza receber. Muita coisa a gente apaga, claro, por passarem de qualquer limite aceitável. Diferente do seu comentário! Obrigada por falar com a gente e por acompanhar também o podcast! 🙂

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  • 04/02/2023 em 16:44
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    tá cheio de filme com protagonista hétero se sacrificando pra salvar o mundo, pq no caso do homo não pode?

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    • 11/02/2023 em 20:12
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      Cara, concordo plenamente. Isso que o cara disse na crítica foi uma das maiores bobagens lacradoras que vi recentemente. Onde chegamos…

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  • 04/02/2023 em 07:52
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    “Negacionismo e discursos fanáticos”…. parece que alguém é a favor da regulamentação da mídia .

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    • 06/02/2023 em 05:08
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      Pois é brother,gostei da crítica,mas essa parte não,pois me encaixo nesse grupo,eu sou do tipo que acredita em sociedade secreta, Illuminatis e afins,sou tbm contra essas vacinas experimentais de pandemias, tenho o direito de pensar fora da caixinha,mas de resto de boa com a crítica, não vou implicar não 😂

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  • 03/02/2023 em 12:52
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    “Ou seja, Deus manda pessoas obrigarem integrantes de uma minoria perseguida e atacada a se matarem para salvar o mundo.”

    Comentário tendencioso e mentiroso. Deus nunca mandou matar homossexuais, ao contrário:

    “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.”

    João 3:16

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    • 03/02/2023 em 13:47
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      Olá, Ivan.
      Não, não falei sobre a Bíblia ou sobre o catolicismo. Falei sobre o filme e a história mostrada lá.
      A história do filme tem vários problemas, como eu citei, inclusive mostrar desrespeitosamente e erroneamente uma versão de Deus que contraria a Bíblia, como você indicou.
      O comentário não é tendencioso ou mentiroso. Ele diz respeito ao que o filme diz, o que eu acho errado e desrespeitoso à religião.
      Por favor, não incuta a mim um comentário ou opinião que eu não fiz. Isso é mentira.

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    • 05/02/2023 em 21:10
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      Quando eu vi o trailer do filme logo me veio a cabeça o episódio “Sunrise” de “Além da Imaginação (2003)”. São histórias bem parecidas, tipo muito uhauhau não tou falando que o Paul Tremblay copiou o episódio de “Além da Imaginação” mas é engraçado mesmo assim. Sobre o filme : é fiel ao livro? é. Mas o final do livro é mais legal na minha opinião, acho mais ousado do que o que foi feito no filme.

      E aí está, pra mim esse filme é um típico filme do Shyamalan 2.0 (pós- Corpo Fechado) falta ousadia. Eu acho que se vc pegar todos os filmes q ele fez depois de “Corpo Fechado” (tirando Avatar, óbvio) daria uma ótima temporada de uma série antológica de horror/suspense/ficção-científica. Igual a “Devil”, “The Happening” ou “The Visit” esse filme funcionaria melhor em um episódio de 30~40 minutos e não num filme de 100 minutos.

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  • 02/02/2023 em 17:56
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    Nao entendo… Se nao usam personagens LGBTQIA+, o povo reclama… Se usam, reclamam também… Quer dizer que o filme seria melhor se fosse um casal hétero, já que essa foi uma das falhas apontadas no filme?

    Critica bem abaixo do nível do Boca Do Inferno…

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    • 03/02/2023 em 07:30
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      Concordo. Tá difícil agradar. O filme é baseado no livro é é fiel. Mas, segundo o comentário, seria melhor modificar a história. Não entendo.

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      • 03/02/2023 em 13:50
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        Apesar de ser fiel, o filme fez sim alterações na história original do livro, para não incomodar certa parcela da audiência.
        E assim, note que eu reclamei da história básica, a do livro, inclusive. A escolha de se contar a história também é de responsabilidade do diretor, e por isso coloquei minha opinião. É a escolha no caso. Houve uma escolha para não incomodar uma parte do público e uma mudança da história, então… o argumento “de fiel” não é totalmente aplicável no caso.

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