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O anúncio de que a décima temporada de American Horror Story seria um “double feature“, o termo usado para designar “sessões duplas“, bastante comum na época dos drive-ins, me fez acreditar que poderíamos acompanhar um “grindhouse“, uma temporada com duas histórias realizadas com baixos recursos. Passou bem longe dessa possibilidade, apenas apresentando duas histórias em uma única temporada, com os seis primeiros dedicados à trama “Red Tide” e os quatro últimos intitulados “Death Valley“, ainda que alguns atores circulem em ambas. Outra ideia que pensei foi uma conexão entre as temporadas, tendo algum personagens cruzando os dois enredos ou até um ano em que as duas aconteceriam ao mesmo tempo, contendo dez episódios.

A Double Feature enfrentou problemas em seu processo de realização e lançamento devido à pandemia do coronavírus ter interrompido as filmagens. Prevista para estrear em 2020, a temporada só teve seu lançamento em 2021, com o primeiro episódio, dirigido por John J. Gray, indo ao ar em 25 de agosto. Apesar do baixo público, justificado pela ascensão dos streamings, a temporada teve boas avaliações dos críticos até mesmo pelo ritmo intenso exigido em menos episódios. Com diferenças significativas em seus estilos narrativos, “Red Tide” fez referência a Salem´s Lot, com a metáfora do vampirismo e a indústria de cinema e TV; já “Death Valley“, explorou fatos políticos históricos, relacionando-os a uma invasão alienígena em duas épocas.

Red Tide

Em busca de uma ambientação bucólica, distante dos agitos e da violência da cidade grande, o roteirista Harry Gardner (Finn Wittrock), sua esposa grávida Doris (Lily Rabe) e a jovem Alma (Ryan Kiera Armstrong, de Chamas da Vingança, 2022) se mudam temporariamente para Provincetown, Massachusetts. A tranquilidade já se encerra no primeiro dia, quando Doris e Alma são perseguidas por um homem pálido e careca, mesmo com a chefe de policia, Burleson (Adina Porter), garantindo que a cidade é considerada segura. Mais tarde, ao frequentar o bar Muse, Harry conhece a romancista Belle Noir (Frances Conroy) e o dramaturgo Austin Sommers (Evan Peters), que conhecem um segredo que pode ajudar o escritor a perder o seu bloqueio criativo.

Um novo ataque de um pálido, morto por Harry, quase faz a família deixar o local, mas o contato de Austin traz a revelação sobre uma droga, em uma cápsula escura, que desperta o lado criativo do roteirista, fazendo-o concluir o episódio piloto de uma série em quatro horas. Sua empolgada agente, Ursula (Leslie Grossman), anuncia que o material foi adquirido pela Netflix e terá o protagonismo de Joaquin Phoenix. O que parece ser um remédio mágico logo apresenta seus efeitos negativos, quando Harry passa a sentir vontade de beber sangue. Outros personagens se destacam já nos primeiros episódios como o garoto de programa Mickey (Macaulay Culkin) e a estranha e maltrapilha Karen (Sarah Paulson), que sabem o que acontece no local mas buscam objetivos distintos.

Como se percebe, a pequena cidade é habitada por vampiros, sendo que alguns – os que não possuem talento – se transformam em criaturas bestiais, enquanto os outros alcançam sucesso, desde que precisem se alimentar de pessoas descartáveis, como os que anunciam produtos na internet ou são de localidades vizinhas. Assim, com efeitos opostos, Alma, pensando em dominar seu violino, encontrará meios para adquirir a droga, e Doris, sozinha em sua angústia por habitar um lugar maldito, terá a oportunidade de acentuar um possível talento. Ursula também virá ao local para administrar a carreira do prolixo roteirista, restando poucos heróis para se torcer nessa primeira trama.

É nítida a mensagem sobre a indústria de sucesso, o quanto se alimenta de seu público enquanto também é sugada pela máquina de produção. A crítica, principalmente à produção hollywoodiana, além dos enlatados, é bastante óbvia e interessante, embora, como tem se tornado costume em American Horror Story, o final deixe a desejar. O tom apocalíptico não funciona como se imagina, e boa parte do material reflexivo se perde pelo ideal pessimista. Ainda assim, vale pela referência a Salem´s Lot, pela atmosfera perturbadora de uma cidade sucumbida por uma doença, tendo nas ruas e principalmente no cemitério criaturas vorazes.

Death Valley

Ovnis são avistados em Albuquerque, Novo México, sendo que uma das naves é derrubada pela Força Aérea, trazendo o presidente Dwight D. Eisenhower (Neal McDonough) ao local, onde é encontrada a desaparecida, desde 1937, Amelia Earhart (Lily Rabe), que conta sobre experimentos alienígenas que teria participado, deixando-a com marcas nas costas. Um extraterrestre também é achado nos destroços do OVNI, matando os médicos durante sua autópsia. As ações saltam para os dias atuais, com quatro estudantes curtindo o acampamento no deserto. Os namorados Troy (Isaac Powell) e Cal (Nico Greetham), além de Kendall (Kaia Gerber) e Jamie (Rachel Hilson) enfrentam fenômenos estranhos, como gados mortos e uma luz inexplicável, resultando na gravidez de todos.

A referência às produções de ficção científica dos anos 50 e 60 inicialmente funciona com a fotografia em preto e branco e a trilha incidental, mas as idas e vindas da trama, apresentando o passado e as consequências no presente, destroem o interesse inicial. Os arcos políticos, relacionados a fatos históricos, são bem mais curiosos e divertidos do que acompanhar a gravidez inusitada de amigos tontos. Por exemplo, no segundo episódio, as ações saltam para 1963, com o presidente John F. Kennedy (Mike Vogel) descobrindo sobre o acordo entre Eisenhower e os alienígenas para que cinco mil americanos sejam abduzidos em troca de tecnologia avançada. Sua intenção de avisar ao mundo sobre esse combinado é o combustível para seu assassinato em novembro desse mesmo ano.

Também é interessante o envolvimento de Mamie Eisenhower (Sarah Paulson) com o vice-presidente Richard Nixon (Craig Sheffer em ótima caracterização) visando esse acordo com os ETs, principalmente pelo conhecimento de sua relação como ativista na época. Outras brincadeiras políticas divertem até mesmo com uma participação rápida de Marilyn Monroe (Alisha Soper), envolvida com os Kennedys. Enquanto isso, os jovens bobocas fazem ultrassom e são capturados pelos alienígenas para servirem à gestação da prole alienígena, na busca pela perfeição da espécie. Em uma sala branca discutem maneiras de sair dali, com o desânimo de Calico (Leslie Grossman), uma mulher que anuncia estar ali há décadas. Para ser justo, vale a pena, mesmo que forçadamente, a “explicação” sobre as filmagens da primeira chegada à Lua, contando com Neil Armstrong (Bryce Johnson) e até o diretor Stanley Kubrick (Jeff Heapy), brincando com as teorias de conspiração que ainda são debatidas por aí.

Bons efeitos – preferia que fossem bagaceiras, para se conectar ao cinema fantástico da época -, incluindo cabeças explodindo e pessoas possuídas erguendo-se do chão, e até maquiagens curiosas na recriação da época e também na configuração dos alienígenas, não são suficientes para uma satisfação absoluta. Porém, há ótimas atuações, como de Paulson, e curiosidades que devem ter divertido bastante os estudiosos da História Americana, não deixando de lado nem a famigerada Área 51. A ideia de uma invasão alienígena já estabelecida é boa, assim como a perspectiva de um mundo pós-apocalíptico.

American Horror Story: Double Feature vale por alguns momentos em cada uma de suas tramas, seja pela possibilidade de cruzar com vampiros nas ruas a qualquer momento ou de que pessoas estejam gerando alienígenas em locais secretos graças aos acordos políticos do passado. São histórias que podem ser vistas isoladamente, e contam com as velhas presenças do elenco habitual de AHS, com flashbacks e esquisitices. Para quem se incomoda com as temporadas de muitos episódios pode até curtir essas produções menores, divertindo-se com vampiros e referências.

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