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O Assassino em Mim
Original:The Killer Inside Me
Ano:2023•País:EUA
Autor:Jim Thompson•Editora: Darkside Books

Muito se fala sobre o quanto cidades pequenas do interior passam uma sensação de maior segurança do que grandes metrópoles. Todos se conhecem, o xerife e sua força policial só tem o trabalho de resolver discussões entre bêbados e brigas de bar, os vizinhos são todos amigáveis entre si, a missa de domingo é celebrada religiosamente por toda a comunidade. Curiosamente, em um lugar onde todos sabem sobre as vidas alheias, é justamente onde estão escondidos os segredos mais sombrios de mentes perigosas. Diferente de grandes cidades, com o crime acontecendo a céu aberto e com faces mal encaradas, nessas pacatas cidadezinhas o perigo mora ao lado, disfarçado de sorrisos amigáveis e atitudes solícitas enquanto guarda lembrancinhas de suas vítimas numa caixa escondida no porão. Quem vai desconfiar do vizinho que nunca perde uma missa e sempre está disposto a ajudar, não é mesmo? Especialmente se for um agente da lei. Jim Thompson vem expor todos os segredos mais sujos de uma pequena cidade em uma narrativa brutal em O Assassino em Mim, clássico que inspirou diretores como Tarantino e Kubrick, publicado pela Darkside Books e Macabra TV e com introdução de Stephen King (recomendável ler a introdução após terminar o livro, já que King solta alguns spoilers durante seu texto).

Lou Ford é sub xerife de uma cidade do oeste do Texas, considerado confiável e querido por todos. De fato, passa uma imagem simpática e pacata, e tais traços são continuamente confirmados por todas as pessoas com as quais ele conversa. Ninguém tem nada de ruim a dizer sobre Lou Ford, não, senhor.

Essa imagem de bom moço começa a ruir aos poucos quando pedem a Lou que ele expulse da cidade uma moça chamada Joyce Lakeland. As fofocas dizem que ela é uma prostituta, e isso não é bem visto e muito menos bem vindo naquela respeitável comunidade, especialmente se o filho do figurão local anda se engraçando com ela. Portanto, o sub xerife vai até a casa da moça ter uma conversa civilizada e amigável e tentar convencê-la a ir embora da cidade, conforme solicitado. Porém, tal tarefa acaba despertando um lado que estava cuidadosamente adormecido de Lou, que sente que pode ser ele de verdade com Joyce, trazendo à tona seus piores e mais cruéis impulsos e, agora, nada pode pará-lo.

A narrativa é feita pelo próprio Lou, então sabemos em primeira mão o que ele está pensando, seus planos, seu autocontrole durante todos esses anos e o quanto sua brutalidade simplesmente aflora sem remorsos. Em um momento ele está espancando violentamente alguém, e no seguinte continua sua rotina normal de trabalho sendo o bom e velho sub xerife com quem todos podem contar, sempre calmo e ponderado. Isso se assemelha muito com nosso assassino yuppie muito conhecido, Patrick Bateman, de Psicopata Americano. Ambos são violentos e inescrupulosos e escondem isso sob uma cuidadosa camada de simpatia, charme e inocência (no caso de Lou, uma inocência que chega a beirar a ignorância, mas fingida, é claro).

Diferente das telas, onde as coisas se desenrolam a partir de ações para que o espectador entenda, aqui temos acesso aos pensamentos mais sombrios do protagonista antes, durante e depois de cometer atrocidades. É assustador o quanto ele não se importa com ninguém, mas mesmo assim consegue passar a impressão de ser a pessoa mais empática que você já conheceu para todos os cidadãos da cidade, conseguindo enganar até mesmo sua noiva. Sua calma é perturbadora, assim como seu controle durante e após as execuções. O autor explora a obscuridade da psique humana, a escuridão presente no âmago mais profundo, os pensamentos doentios de alguém que sente prazer apenas na violência. E pior, seus pensamentos são tão organizados que suas ações começam a fazer sentido dentro de sua linha de raciocínio, mesmo sendo completamente perverso.

Talvez justamente por faltar o impacto visual de suas ações, a obra não é tão chocante quanto sua adaptação cinematográfica de 2010 – dirigida por Michael Winterbottom e com Casey Affleck, Kate Hudson e Jessica Alba no elenco -, além de possuir um enredo um tanto simples, sem grandes desenvolvimentos. As cenas no livro não são descritas de forma tão gráficas, afinal é o próprio personagem principal que está ali contando o que está fazendo, então o impacto é bem diferente. Ver alguém sendo brutalmente assassinado é diferente de ler a quantidade de socos e pancadas que foram dadas até a pessoa perder a vida. Sim, é visceral, mas dificilmente o leitor vai achar traumatizante, ao contrário do longa, que causou repulsa quando exibido no Festival de Sundance. O terror trabalhado aqui é muito mais psicológico do que visual, saber que aquele seu amigo confiável e que aparenta ser incapaz de cometer qualquer maldade é, na verdade, um assassino extremamente cruel e frio é algo que causa um certo temor. Jim Thompson coloca a figura que normalmente é o herói como vilão, em uma espantosa visão além de seu tempo. Hoje, ninguém mais fica surpreso se um policial matar inocentes, coisa que não acontecia na década de 50. Aliás, muito provavelmente o público ficou escandalizado justamente pela época na qual foi publicado, quando crimes tão hediondos assim não eram tão comuns, especialmente cometidos por agentes da lei.

O Assassino em Mim mais uma vez mostra uma lição que é frequentemente ensinada (ainda mais nos dias de hoje): nunca conhecemos de verdade as pessoas. Seu vizinho realmente é simpático ou isso é apenas uma fachada que esconde crimes macabros e você pode ser sua próxima vítima? Fica a reflexão. Na dúvida, sempre bom ser cordial com todos e não dar motivos para ficarem irritados. Vai saber o que fazem quando acham que ninguém está olhando.

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