3.7
(6)

A Substância
Original:The Substance
Ano:2024•País:UK
Direção:Coralie Fargeat
Roteiro:Coralie Fargeat
Produção:Tim Bevan, Eric Fellner, Coralie Fargeat
Elenco:Margaret Qualley, Demi Moore, Dennis Quaid, Hugo Diego Garcia, Oscar Lesage, Alexandra Papoulias Barton, Joseph Balderrama, Tiffany Hofstetter, Gore Abrams, Oscar Salem

O envelhecimento e suas consequências chegam para todos, mas sabemos que ele impacta de maneira diferente as mulheres. A Substância (2024) é um longa que escancara e abusa de modo certeiro na crítica sobre as pressões estéticas e machistas socialmente embrenhadas há tanto tempo em nossas vidas. Dirigido pela francesa Coralie Fargeat (Vingança, 2017), é sem dúvida um dos melhores do ano, dando um ótimo destaque ao body horror.

Elizabeth Sparkle (Demi Moore) foi uma atriz que teve tudo. A beleza, a fama, o olhar/desejo/atenção dos homens, chegando inclusive a ganhar sua própria estrela na calçada da fama. Mas a sua vida muda conforme vai envelhecendo e todo o brilho dos holofotes e do desejo começam a se apagar. Após uma demissão e um acidente no dia de seu aniversário, ela recebe um convite misterioso de que é a perfeita candidata para mudar sua vida através de uma Substância.

Essa substância em neon é capaz de criar uma versão perfeita de quem a consome. Uma versão mais bonita, mais magra, mais desejável e principalmente… mais jovem. As regras são claras, é preciso equilibrar entre uma semana com sua versão atual e outra com sua versão “perfeita”. Sete dias exatos e a troca precisa SEMPRE acontecer. Seguindo alguns outros detalhes, existe um lembrete importante: sua outra versão ainda é você. Como diz o trailer: o que pode dar errado? Tudo!

Fargeat explora de maneira exclusiva, absurda e magnífica a busca pela perfeição sustentada pelo machismo, Hollywood, a indústria da beleza e a glorificação da juventude eterna. Visualmente o filme conta com técnicas que destacam detalhes importantíssimos pra trama. O simetrismo das cenas chama a atenção para mostrar a perspectiva da personagem e principalmente o que acontece ao seu redor. É um falso equilíbrio, que vai perdendo força e formato quando acrescenta o bizarro.

A nova versão de Elizabeth, literalmente sai de dentro dela, fazendo seu corpo tornar-se apenas uma casca a ser mantida e remendada por Sue (Margaret Qualey). Sue é tudo aquilo que ela foi no passado. Jovem com um corpo escultural e o carisma de quem sabe como usar sua beleza ao seu favor para conseguir o que quer. As cenas de Sue são cheias de cores vibrantes, virando a cabeça de homens na rua, com a trilha sonora cheia de vida em ritmo acelerado para os muitos planos a serem conquistados. Já quando retornarmos a Elizabeth, os tons são frios e cinzentos, enquanto dia após dia ela se afunda na frente da própria TV em meio ao caos que a negligência consigo mesma criou, em que o foco sonoro está em seu mastigar, seu choro e sua revolta; enquanto está na rua, os homens nem reparam em sua existência.

Os corpos são tratados como meros objetos descartáveis e plastificados feitos para o aproveitamento e fetichização da população masculina. E no filme os homens são mostrados como seres patéticos, mas que dominam e ditam o que é aceitável, bonito e válido de existir. Também negligenciando e maltratando aquilo que não brilha seus olhos, tornando todas as outras mulheres seres monstruosos. E a diretora, também roteirista, traz a monstruosidade como a cartada principal para provar o ponto de sua crítica.

Sue dá continuidade ao que Elizabeth gostaria de estar vivendo. Na frente de sua casa há um outdoor com Sue sendo sua substituta no programa de TV que apresentava, enquanto na sala encara-se um quadro de Elizabeth que ocupa quase uma parede toda. Essa é apenas uma das estratégias adotadas para mostrar a dualidade e oposição das personagens. Sue causa uma grande inveja e ameaça à Elizabeth. Elas são as mesmas mas são opostas, e, principalmente, ela é um lembrete constante da decadência da mulher mais velha.

Mulher mais velha, que com as quebras de regra da mais nova, vai se tornando cada vez mais feia, nojenta e…velha. Como uma bruxa monstruosa e deformada. Inclusive o nojo é um elemento bem presente, mostrado em closes de hábitos cotidianos, cada vez mais presentes. E com essa transformação, vamos perdendo a linha do “pé no chão” a cada limite cruzado. O filme vai ficando mais fantasioso, um pesadelo desconfortável e sem limites visuais para mostrar o que ambas estão dispostas a fazer para se encaixar.

É possível entender parte da psiquê dessas duas, porém mesmas mulheres. Do sofrimento e comparação às vezes não só com os outros e o que consumimos, mas também quando fazemos com nós mesmos. O luto por um período da vida que já foi e por um potencial do que poderia ser mas nunca acontecerá. A dificuldade de lutar para alcançar algo obsessivamente que é claro ser um objetivo inatingível. O corpo nunca perfeito pois mais perfeito que possa parecer e seus falsos benefícios.

O visual equilibrado e minimalista do longa, dá espaço ao completo uso do body horror no terceiro ato. Na sala de cinema, durante a exibição da cabine, foi possível ouvir diversas reações de nojo, surpresa e indignação quando o absurdo começa a ser utilizado sem dó. Coralie não poupa ninguém, fazendo-nos repensar que “ter uma vida normal” pode ser mais prazerosa, empolgante e cheia de possibilidades do que aquilo que parecia tão atrativo no começo do filme.

A beleza de ser jovem não vem sozinha, mas sim acompanhada da promessa de ser desejada, amada, idolatrada com oportunidades de emprego, conexões… para sempre. Não somos poupados de ver partes de corpos deformados, fluidos corporais, sangue, pedaços dentre tantas outras coisas.

Apesar do final se estender para além do necessário, A Substância não deixa de ser um dos melhores filmes de terror do ano. Tudo é meticulosamente pensado e executado sendo totalmente coerente com sua proposta do começo ao fim. A jornada pela busca da perfeição transborda descontrole, raiva e rancor.  Entendemos em cenas belíssimas como a de Elizabeth tirando o batom vermelho no espelho, que monstros internos nos levam à destruição de muitas coisas que poderiam ser boas.

Tudo que parece contido e organizado no começo do filme, eleva-se ao caos e destruição que nos faz pedir por mais. Curiosos para saber até onde e no que tudo isso vai dar. E garanto que pelo menos, leva a nós mulheres, a muitos lugares de identificação, dor e empatia.

A Substância está chegando hoje aos cinemas. Demi Moore é um evento à parte, e Margaret Qualey vem mostrando o quão promissora é sua carreira dentro e fora do gênero de horror. Um filme de qualidade em todas as suas frentes e imperdível aos fãs que gostam de um absurdismo para criticar aquilo que incansavelmente continua nos destruindo na vida real.

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