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Mais Sombrio
Original:You Like it Darker
Ano:2024•País:EUA
Autor:Stephen King•Editora: Suma

Stephen King é um autor que dispensa apresentações, especialmente aqui no Boca do Inferno.  Com uma narração que envolve o leitor, com descrições tão detalhadas que a atmosfera é transmitida a cada palavra e com personagens tão palpáveis que é quase como se fossem velhos conhecidos nossos, seu estilo de escrita é único e reuniu e reúne diversos fãs ao longo das décadas. Aos 76 anos, o considerado rei do terror e suspense é imparável em sua escrita e, em Mais Sombrio, ele mostra toda a sua versatilidade em contar os mais variados tipos de histórias em doze contos, cinco deles inéditos no Brasil. Publicado pela editora Suma e com a tradução sempre impecável de Regiane Winarski, o novo livro de King faz uma viagem pelos cantos escuros da mente humana neste modesto calhamaço de 528 páginas.

Vamos a eles:

Dois fio da mãe Talentosos

Começamos essa coletânea com a história de Laird Camordy, um talentoso escritor que ganhou fama aos quarenta e poucos anos e mora no interior do Maine. Após anos de sucesso e com diversos livros entrando na lista dos mais vendidos, ele enfim resolve se aposentar. A história é contada pelo ponto de vista de seu filho, Mark, que descobre o que aconteceu em certo verão que mudou a vida do seu pai e tio, Butch – o outro fio da mãe talentoso –, para sempre.  É um conto longo, com um suspense crescente que atiça a nossa curiosidade. Não há nada aterrorizante de fato, é um suspense com elementos de ficção científica bem trabalhado, cheio de pequenos detalhes e um desfecho simples que promove reflexões.

O Quinto Passo

Pequeno e direto ao ponto. Durante um passeio pelo Central Park, ao sentar para ler seu jornal – ritual que praticava todas as manhãs -, o aposentado Harold Jamieson é interrompido por um homem que senta ao seu lado. O estranho suplica para que Jamieson escute sua história, afinal ele faz parte do AA e esse é um dos passos que precisa dar. Em apenas oito páginas, passamos de uma conversa leviana a um final impressionante, que acontece em poucos parágrafos. Nem só de histórias longas e prolixas vive Stephen King, afinal. Uma bela amostra de como um conto curto pode ser tão bom quanto qualquer outro.

Willie Esquisitão

Willie é uma criança de dez anos um tanto peculiar. Reservado, gosta de observar coisas mortas e ficar no seu canto, mas uma de suas atividades favoritas é ouvir as histórias de seu avô. Os dois passam horas conversando no quarto, e Willie pede que o avô reconte suas aventuras da juventude inúmeras vezes, mesmo em seu leito de morte. Esse conto também é curto, como o anterior, e mais uma vez temos a prova que histórias curtas podem ser incríveis, com essa sendo ainda melhor que a predecessora. Os personagens nos causam desconforto e fascinam na mesma medida, e o desfecho é simplesmente um primor.

O Sonho Ruim de Danny Coughlin

O título é autoexplicativo. Uma noite, Danny Coughlin tem um sonho ruim. Não é incomum termos sonhos desconfortáveis, não é mesmo? Mas o sonho de Danny parecia muito real, em cada detalhe. Um corpo enterrado, um cachorro tentando comer os restos mortais, um posto de gasolina, uma cidade que Danny nunca pisou. Ao acordar, o sonho continua vívido em sua mente e, sem conseguir parar de pensar nisso, decide ir até o local. Se não tiver nada lá, foi apenas um sonho bobo e poderá voltar aos seus afazeres e se acalmar. O problema é que, durante todo o caminho, tudo está idêntico ao sonho…inclusive o cachorro tentando desenterrar o corpo e comer os restos. Desesperado, liga para a polícia. E é aí que o verdadeiro pesadelo começa. Esse é o maior conto de Mais Sombrio, e também um dos melhores. Tivemos dois contos curtos excelentes seguidos, e aqui King mostra que sua habilidade de escrever coisas longas de tirar o fôlego continua afiada. Essa história poderia facilmente ser um filme ou mesmo uma série, tamanha a complexidade dos personagens, riqueza de detalhes da trama e suas reviravoltas. Tensão constante, suspense policial, personagens falhos e instigantes e um toque de misticismo que deixa tudo ainda mais intrigante. Muitíssimo bem construído, também encerra de forma satisfatória.

Finn

Finn é um jovem azarado desde que nasceu. Tudo sempre parece dar errado para ele, e sua avó diz que seu grande dia de sorte ainda vai chegar, afinal Deus está em dívida com ele. Claramente não seria aquele dia. Finn é confundido com outra pessoa e é sequestrado em seu lugar. O azar do protagonista chega a ser engraçado, ainda mais pelos causos acontecidos não terem absolutamente nada de sobrenatural, são coisas que realmente poderiam acontecer com qualquer um (talvez não tudo de uma vez como foi com ele). Não é um grande destaque, mas também não é ruim. A história entretém e nos deixa curiosos ao longo da narrativa.

Na Estrada da Pousada Slide

Uma família está viajando para visitar a irmã do avô. Entre discussões e resmungos, o carro atola e eles se veem próximos a uma pousada abandonada e as crianças imediatamente vão até lá dar uma olhada enquanto a situação com o carro não é resolvida. Ali, encontram dois homens que não parecem nem um pouco amigáveis. Esse é o tipo de conto onde não é preciso nada do além para ser assustador. Os piores monstros são humanos. A família passa por momentos de pavor, mas felizmente não temos aqui um daqueles finais frustrantes, pelo contrário.

Tela Vermelha

Leonard Crocker matou a esposa de manhã. Durante o interrogatório, afirma que o que ele matou não era mais sua esposa, e o investigador Wilson tenta entender melhor o que Crocker quer dizer com isso. Com ares de Invasores de Corpos, é um conto sem muito o que dizer sobre. Aceitável, porém esquecível.

O Especialista em Turbulência

Craig Dixon é um homem que tem medo de voar. Justamente por isso, ele é um especialista em turbulências, cuja responsabilidade é manter todos a salvo durante eventuais percalços durante trajetos aéreos.  É uma história diferente, até mesmo divertida. O conto já foi publicado anteriormente na obra Terror a Bordo.

Laurie

Lloyd Sunderland é um idoso triste e solitário depois da morte de sua esposa, e sua irmã decide trazer uma cachorrinha para animá-lo. Inicialmente, recusou o animal, mas aos poucos foi se afeiçoando. Sem saber na época, decidir ficar com a cachorrinha salvou sua vida. Essa história tem sua dose de tensão, mas é muito mais sobre esperança e companheirismo.

Cascavéis

Enfim chegamos ao esperado conto que é continuação de Cujo. Durante a pandemia de covid-19, Vic Trenton decide passar um tempo em Rattlesnake Key, na casa de um antigo amigo. O lugar é tranquilo, e lá ele conhece Allie Bell, uma excêntrica senhora que anda por aí empurrando um carrinho duplo de bebês. O carrinho sempre está vazio, mas Allie age como se as crianças estivessem lá. Logo, Vic descobre que seus filhos morreram quando crianças de forma trágica. Mais ou menos na mesma época na qual seu filho e sua mulher enfrentavam um enorme cachorro com raiva. Para quem não conhece a obra Cujo, é sobre uma mulher e seu filho pequeno que ficam presos dentro de um carro enquanto são atacados ferozmente por um enorme cachorro que contraiu raiva. Os protagonistas do livro são, é claro, mulher e filho de Vic, o protagonista de Cascavéis. Apesar de ser chamado de continuação, poderia perfeitamente ser uma história independente, já que a única ligação que temos entre as duas histórias é o fato de Vic citar os trágicos acontecimentos de Cujo e falar de sua esposa. De qualquer forma, é uma clássica história de Stephen King, com elementos sombrios e macabros à espreita a todo momento. A trama, muitas vezes, parece que se alonga mais do que o necessário, mas tem todo aquele gostinho de obras antigas do autor.

Os Sonhadores

Um ex-soldado, após voltar da guerra e tentar alguns outros trabalhos, começa a trabalhar para um cientista que está fazendo uma pesquisa sobre os sonhos. Sua função é anotar rapidamente tudo que acontece e é dito durante os experimentos. Em uma das sessões, as coisas saem do controle de uma forma inimaginável. Esse conto possui uma atmosfera sombria, que cresce conforme os experimentos avançam. Tem um pouco do horror indizível tão presente nas obras de H.P. Lovecraft.

O Homem das Respostas

Chegamos ao último conto de Mais Sombrio. Phil Parker é um homem cheio de dúvidas e problemas naquele momento. Enquanto dirige, avista uma placa “3 km até o Homem das Respostas”. Phil acha graça e, quando chega até o tal Homem, sua curiosidade fala mais alto. Decide que vai pagar o preço proposto e, durante cinco minutos, faz perguntas que ninguém mais saberia a resposta – apenas alguém que tenha todas as respostas. Impressionado e convencido, faz as perguntas dos problemas que lhe afligem, mas é avisado: as respostas podem não ser o que espera ouvir. É uma história incrível sobre perdas e ganhos, sobre a vida como ela é, e como as coisas podem rapidamente ficar sombrias. Mas também sobre a importância de seguir em frente independente das dificuldades. Uma ótima conclusão para esta coletânea.

No final, ainda temos um posfácio escrito pelo próprio King. É verdade que Mais Sombrio não é a obra mais assustadora ou impressionante do autor, não chega nem perto disso. Mas o título não faz alusão a isso, não quer dizer que serão histórias mais sombrias do que as outras dele, e sim que esse livro é um apanhado de contos para pessoas que não gostam de narrativas ordinárias, que enxergam o lado escuro e sabem que ele existe, pessoas que gostam de coisas mais sombrias do que o normalmente aceitável. Na vida, nem tudo é tranquilo como gostaríamos, e essa é a proposta dessa coletânea, a começar pela capa da obra. Assim como Stephen King gosta de criar e narrar coisas um pouco mais obscuras, gostamos de lê-las.

Mais Sombrio é ideal para quem quer conhecer mais sobre o estilo de King, reunindo diferentes histórias em um só lugar. Para quem já é fã, é possível encontrar diversas referências de outras obras, mantendo o Kingverso vivíssimo.

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