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O Poço 2
Original:El Hoyo 2 / The Plataform 2
Ano:2024•País:Espanha
Direção:Galder Gaztelu-Urrutia
Roteiro:Galder Gaztelu-Urrutia, Pedro Rivero, David Desola, Egoitz Moreno
Produção:Galder Gaztelu-Urrutia, Carlos Juárez, Raquel Perea
Elenco:Milena Smit, Hovik Keuchkerian, Natalia Tena, Óscar Jaenada, Ivan Massagué, Zorion Eguileor, Bastien Ughetto, Armando Buika, Pedro Bachura, Antonia San Juan, Alexandra Masangkay, Emilio Buale, Ken Appledorn, Hoji Fortuna

Não tem como o terror ficar inerte ao seu contexto. Seja político, social e econômico, o gênero abraça sua época, traduzindo em situações e imagens, mesmo as mais viscerais, o que enxerga além de sua porta. Ainda assim, há produções que são atemporais, exatamente porque refletem o que está enlaçado à sociedade desde sempre. E é incrível o que acontece com a humanidade quando é exposta a seus limites, seja preso a um cubo, um círculo, em uma fazenda circundada por mortos-vivos, numa competição em vários níveis ou um poço. Lançado em 2019, na rabeira de uma pandemia, o horror social espanhol O Poço (El Hoyo) foi, sim, beneficiado pelo timing, porém sua profundidade seria sentida em qualquer época, ainda que comparada a outras distopias claustrofóbicas.

Para entender sua estrutura, você pode se envolver com o poço de duas formas: como um observador passivo, em busca de entretenimento diante de um produto do gênero ou analisando-o como objeto de estudo e reflexão, um experimento social; assistindo-o como opção de uma plataforma de streaming ou como companhia de alguém que ouviu boas coisas e o convenceu a vê-lo. Envolto em seu submundo, a situação é parecida: você pode participar dessa prisão corretiva voluntariamente, acreditando no ambiente recluso como uma forma de privação de seus vícios ou em uma eventual condenação.

O local é organizado pela chamada Administração, que opera um sistema conhecido como “Vertical Self-Management Center” (VSF), que pode ser bem traduzido como Centro de Autogestão Vertical. Ali prisioneiros são mantidos em celas, uma sobre a outra, com um acesso vertical através de uma plataforma retangular que conduz diariamente para baixo um banquete, a partir das escolhas dos próprios condenados na entrevista que antecede a entrada. Com a cozinha no local mais alto, o número zero, a plataforma desce uma única vez no dia, ficando estacionada em cada cela por dois minutos até chegar ao solo, no andar número 333. As regras, nunca explicadas antes da pessoa se associar ao sistema, também envolvem:

1. Você pode levar um objeto pessoal;
2. Você nunca pode guardar alimento, sob o risco do local alterar a temperatura
3. A cada mês, os prisioneiros trocam de andar: hoje você pode estar diante de uma fartura com múltiplas opções. Amanhã, poderá depender de sobras dos andares superiores.

Esse é o inferno social ao qual Goreng (Ivan Massagué) optou por fazer parte. Levando consigo a obra Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, ele acreditava que o local poderia ajudá-lo a se ver livre da nicotina. Conheceu as regras pelo colega de cela, Trimagasi (Zorion Eguileor), cuja experiência no local o obrigou a se alimentar de carne humana, de uma suicida, para sobreviver ao andar 132, local em que a comida nunca chega. Goreng também fica sabendo da história de Miharu (Alexandra Masangkay) em busca de seu filho perdido, descendo todo mês para tentar encontrá-lo tendo que usar de violência para sobreviver à voracidade e estupro. O final de O Poço, já com fantasmas assombrando o protagonista, é aberto a interpretações como o de o Cubo (Cube, 1997), de Vincenzo Natali, e ambos não deixaram espaços para uma continuação que não fosse um recorte dos acontecimentos do primeiro.

O Poço 2 foi lançado na Netflix em 4 de outubro de 2024, mais uma vez sob o comando de Galder Gaztelu-Urrutia. Mais uma vez o socialismo e o darwinismo dialogam com as diferenças de classe, com uma diferença: neste há espaço para o confronto e a religiosidade. Perempuán (Milena Smit) ocasionou acidentalmente a morte do filho de seu noivo, e sabe pouco sobre a VSF. Ela adentra no nível 24, na companhia de Zamiatin (Hovik Keuchkerian), com quem fica sabendo sobre a plataforma e a alimentação social. Com Robespierre (Bastien Ughetto), ela descobre que a prisão possui dois grupos distintos: os Legalistas, aqueles que comem exatamente o que escolheram comer e seguem à risca as regras impostas; e o Bárbaros, que não se importam com os demais e comem de tudo, mesmo com os riscos de serem penalizados.

Conflitos entre os níveis são constantes, e os próprios prisioneiros passam a criar suas próprias regras de sobrevivência. Há entre os residentes uma figura mítica conhecida como “Messias“, que teria sobrevivido sem alimentos durante um mês em um nível inferior e comanda um grupo de “ungidos“; e o violento Daging Babi (Óscar Jaenada), comandante dos legalistas, dentro de suas próprias regras. Com as mudanças de níveis, Perempuán conhece Sahabat (Natalia Tena), que perdeu um braço por desobedecer aos comandos, e planeja uma fuga da prisão, acreditando que possa utilizar uma substância tóxica, oriunda de uma pintura a óleo, para se manter acordada no processo de troca de celas. Mas para tal, precisará se unir aos bárbaros da resistência e confrontar os seguidores de Daging.

Em meio ao caos de falta de alimento, suicídios constantes e sacrifícios, alguns personagens do primeiro filme aparecem servindo para que o espectador saiba onde a linha narrativa dessa sequência se enquadra. Trimagasi, Miharu e até Goreng, além de visões das pessoas mortas, ajudam (ou atrapalham) na contextualização de O Poço 2. Com a violência caracterizando as diferenças e servindo como um prato cheio na plataforma, o segundo filme complementa o que não precisaria ser complementado em relação ao original. Já não traz mais a curiosidade pela proposta, desvalorizando os acréscimos, a revisitada ao sistema.

É um bom filme pelo reflexo proposto, pelo tom político explícito e pela brutalidade que pode ser mais assustadora se fosse sugestiva, porém deixa marcas pelos excessos, ainda que apresente mais alguns detalhes da estrutura e traga mais uma vez um final aberto a interpretações. Continua com uma boa profundidade como seu anterior, mas o espectador também, mesmo nos níveis mais baixos, não está com o mesmo apetite de outrora.

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