![]() Clarice
Original:Clarice
Ano:2021•País:EUA Direção:Douglas Aarniokoski, Christopher J. Byrne, DeMane Davis, Chloe Domont, Deborah Kampmeier, Wendey Stanzler, Maja Vrvilo Roteiro:Thomas Harris, Alex Kurtzman, Tess Leibowitz, Jenny Lumet, William Harper, Kenneth Lin, Elizabeth Klaviter, Lydia Teffera, Celena Cipriaso, Gabriel Ho, Eleanor Jean, Boo Killebrew Produção:Paula Devonshire Elenco:Rebecca Breeds, Michael Cudlitz, Lucca De Oliveira, Nick Sandow, Devyn A. Tyler, Kal Penn, Jayne Atkinson, Maya McNair, Marnee Carpenter, Raoul Bhaneja, Nicolette Pearse, Derek Moran, Douglas Smith |
A obra máxima de Thomas Harris, “O Silêncio dos Inocentes” (1988), apresentou personagens fascinantes e que mudariam a estrutura dos thrillers de investigação policial. Hannibal foi, sem dúvida, um desses principais nomes, ganhando força com a interpretação de Anthony Hopkins, numa caracterização inteligente e perversa. No longa de 1991, de Jonathan Demme, a contraparte do vilão, Clarice, teve a expressividade de Jodie Foster, e também se destacou pela perspicácia e seriedade, em um mundo de agentes do FBI grandalhões e machistas. Foram feitas continuações, algumas boas, mas sem o mesmo impacto da primeira impressão, além de expansões do universo através das séries Hannibal (2013-2015), com três temporadas, e Clarice.
Criada por Alex Kurtzman e Jenny Lumet, com produção da CBS Studios, MGM Television e Secret Hideout, Clarice não conseguiu ir além de uma temporada. Não pela falta de qualidade do material apresentado – está distante também de ser excepcional -, mas pelo desinteresse da MGM. Acreditando em seu potencial, a CBS até tentou migrar a série para a Paramount+, visando uma continuidade, mas não houve os acordos necessários. Assim, Clarice passou a ser uma minissérie, uma amostra sobre o que teria acontecido com a personagem após o combate ao serial killer Buffalo Bill. Como as demais obras pertencem à De Laurentis Films e à NBC, não houve qualquer menção a Hannibal Lecter, o que traz estranhamento e uma certa decepção. Para quem conhece a trajetória da personagem nas continuidades, sabe que sua vida foi moldada pelos dois assassinos em série, o que a aconselhou e o que a perturbou significativamente.
É exatamente esse o ponto de partida da série. Mesmo tendo findado o assassino em série mais ameaçador da época, salvando a jovem Catherine (Marnee Carpenter), filha da Procuradora-Geral dos Estados Unidos Ruth Martin (Jayne Atkinson), a novata agente do FBI Clarice Starling (Rebecca Breeds) ainda é vista como inexperiente e instável. Colocada em licença administrativa com sessões de terapia exigidas pelo governo federal, ela almeja apenas trabalhar na área da elaboração de perfis, sem se envolver com ações de campo. Mas Ruth a coloca como agente da VICAP, um setor especial do FBI para investigação de serial killers e predadores sexuais, sendo reprovada pelo comandante da força tarefa Paul Krendler (Michael Cudlitz), personagem também presente no longa O Silêncio dos Inocentes.
Logo no primeiro episódio, dirigido por Maja Vrvilo, Clarice segue o grupo para investigar dois corpos encontrados no rio Anacostia. Enquando a equipe enxerga como a ação de um assassino em série, Clarice acredita que não se trata disso, o que já traz alguns conflitos com o comandante e os demais, principalmente nas declarações que ela faz à televisão. Os dois corpos parecem ter relação com testes de uma droga e mães de crianças com filhos especiais, a trama principal da temporada, retornando entre episódios ao estilo “monstro da semana“. Como é visto no segundo, dirigido por Doug Aarniokoski, em que Clarice e a equipe são enviados para Tennessee para resolver um conflito armado, por ocupantes indígenas, e que resultou na morte de um xerife. Deixada distante da ação, ainda assim a agente consegue o contato com um garoto no complexo e ele, ao conversar com o líder, Novak (Tim Guinee), permite que apenas Clarice possa entrar no local para estabelecer um diálogo. É claro que existem coisas obscuras por trás, como o envolvimento de autoridades policiais, e até exploração sexual.
Também dirigido por Aarniokoski, o terceiro episódio retorna à investigação dos dois corpos, com Clarice tendo que descobrir se o suspeito, Karl Wellig (Kris Holden-Ried), cometeu os crimes no rio, e qual a possível motivação para isso. Aos poucos, a VICAP começa a perceber que há alguém infiltrado no FBI, facilitando as ações de um assassino em um ambiente restrito. É o primeiro momento da série em que o improvável me trouxe questionamentos sobre a narrativa até pela forma como acontece. A morte do suspeito trará consequências para a VICAP, que passa a ser investigada pela ouvidoria do FBI pelo rival Anthony Herman (David Hewlett), no quarto episódio, comandado por Chloe Domont. Ela também dirige o quinto, Get Right with God, que coloca Clarice nas mãos de uma cuidadora de pacientes, Marilyn Felker (Natalie Brown), mantendo-a em uma cama, paralisada da cintura para baixo.
Nesse episódio, Clarice é envolvida em sonhos e alucinações, mostrando-a pequena no incidente que ocasionou a morte de seu pai. Ao longo da série, ela é confrontada pelo passado, com uma visão que aos poucos permite que ela descubra sobre seu progenitor e seu afastamento familiar. É claro que muito do que Hannibal Lecter tentava trazer à tona, em sua infância rural em um matadouro, é mais uma vez explorado, mas a série se baseia no que aconteceu após isso, ocasionando seu principal trauma. Apesar de tenso, essas idas e vindas, flashbacks, e medicações constantes incomodam a apreciação de um episódio basicamente onírico.
O sexto episódio, de Wendey Stanzler, “How Does It Feel to Be So Beautiful” traz no título uma referência a uma fala de Buffalo Bill quando Clarice o confrontou em sua morada. Nele, Clarice afastada das atividades terá uma aproximação de Catherine, que deseja conhecer a mãe do assassino que a prendeu no poço, enquanto tenta descobrir a identidade do homem que viu enquanto esteve à mercê da cuidadora, sem saber que se trata do advogado de divórcio de seu chefe. Stanzler dirige “Ugly Truth“, o sétimo episódio abordando o corpo de de uma criança encontrado emparedado. E o oitavo, a cargo de Débora Kampmeier, traz a protagonista investigando um suposto suicídio de um estudante, com a sua equipe tentando identificar através do DNA Joe Hudlin (Raoul Bhaneja), mesmo com suas chantagens impostas a Paul Krendler.
Durante sua investigação principal, a agente estabelece um affair com Tyson Conway (Douglas Smith), que protege o pai a todo custo, e tem alguns conflitos com sua colega de quarto Ardelia (Devyn A. Tyler), que trabalha como arquivista do FBI e quer mostrar sua força como investigadora, embora acredite que haja evidências de racismo. Já Catherine, sofrendo de agorafobia, irá reencontrar um ex e depois conseguirá visitar a mãe de Buffalo Bill. Esses percalços assim como os passos do caso principal serão explorados nos episódios finais, numa temporada de treze capítulos. Há outros personagens curiosos de sua equipe como o atirador Tomas Esquivel (Lucca De Oliveira), que diz ser brasileiro, o divertido Shaan Tripathi (Kal Penn), como alívio cômico, e o complexado Murray Clarke (Nick Sandow), com justificativa para seu interesse por pornografia.
É claro que uma série como Clarice o foco principal é, sem dúvida, a protagonista. Rebecca Breeds fez um bom trabalho até mesmo na repetição de trejeitos de Jodie Foster, incluindo o sotaque inglês. Mas há falhas na própria narrativa de sua personagem: imaginava que veríamos uma evolução gradual de Clarice, e ela acontece rapidamente, e também queria que ela risse menos, fosse mais tensa como na expressividade de Foster. Breeds é uma ótima atriz, se saindo melhor até do que Julianne Moore na construção de Clarice, mas seu personagem foi levemente mal construído, quase como uma agente qualquer do FBI, sendo que seus traumas de infância pareciam ter perturbado muito mais Foster.
Disponível no Prime, é um bom passatempo de investigação criminal com vida curta. É interessante rever a personagem, assim como bons momentos de O Silêncio dos Inocentes, permitindo que se possa entender mais sobre Buffalo Bill e sua condição assassina. Provavelmente traria mais traços evolutivos de Clarice se tivesse vingado para uma nova temporada, mas vale a pena para os fãs da literatura de Thomas Harris e do longa de 1991.