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O Castelo de Otranto
Original:The Castle of Otranto
Ano:1764•País:UK
Autor:Horace Walpole•Editora:

A ruína do principado de Otranto é o fio condutor da narrativa gótica de Horace Walpole. Publicado em 1764, a noveleta O Castelo de Otranto traz as raízes de um estilo que iria figurar com mais intensidade no século XIX, desenvolvendo não só na literatura, com o romance medieval de segunda geração, mas na construção do horror como gênero. Toda essa responsabilidade se deve mais ao pioneirismo do que propriamente à qualidade até porque se trata de uma literatura simples, pouco descritiva e concentrada em diálogos e conflitos quase teatrais; e os tais elementos góticos, que viriam a ser moldados e explorados em obras mais bem conceituadas, não saem da superfície.

Filho de Sir Robert Walpole, o autor foi membro do parlamento pelo partido Whig e, durante o seu mandato, no início de 1760, escreveu a obra O Castelo de Otranto. Na primeira edição, bem aceita à epoca, Walpole disse que o livro era a tradução de um manuscrito italiano, de 1529, o que justificaria sua escrita arcaica, condizente com o período – um cidadão político e cavalheiro não teria méritos por uma produção fictícia. Contudo, na segunda versão, admitiu que se tratava de uma literatura própria, dado o seu fascínio pelas construções medievais, incentivado por um castelo próprio, o falso-gótico Strawberry Hill House, finalizado em 1749.

Curiosamente, ao revelar que William Marshal era ele mesmo, aquela obra até então considerada fruto de um “tradutor engenhoso” passou a ser descrita como ficção absurda, desagradável e imoral, isso antes dos exageros satíricos de Matthew Lewis em O Monge (1796). A parte “real” de O Castelo de Otranto, mesmo sem elementos descritivos, teria fortaleza narrativa na recriação da época das Cruzadas, dos confrontos e dos casamentos políticos. A despeito de sua linguagem primária, com o tempo a obra se enveredou por outras temáticas ocultas, incluindo um contexto queer subentendido em um aprofundamento literário.

Tediosa, artificial e melodramática“, “medíocre“, “banal” e que nunca permite “a criação de uma verdadeira atmosfera fantástica“, nas palavras de H.P. Lovecraft no ensaio O Horror Sobrenatural na Literatura, O Castelo de Otranto apresenta em primeiro plano o desagradável Manfredo, iniciando com o casamento de seu filho Conrad com a princesa Isabela. Pouco antes da celebração, Conrad morre em um incidente estranho, esmagado por um gigantesco elmo, resgatando os temores por uma antiga profecia sobre o declínio do senhorio de Otranto “sempre que o verdadeiro proprietário fosse grande demais para habitá-lo“.

A temerosa maldição se amplia quando um camponês, posteriormente denominado Theodore, revela que o elmo é similar ao que pertence à figura de mármore de Afonso, o Bom, um dos primeiros príncipes, e que deveria estar na Igreja de São Nicolau. Acusando o rapaz de ter algum envolvimento com a morte, possivelmente por decorrência de uso de feitiçaria, Manfredo parte para uma outra ofensiva, decidindo se separar de sua companheira Hipólita para se unir à Isabela para fins de matrimônio com herdeiro e continuidade de sua linhagem. Theodore ajuda Isabela ajuda a fugir do castelo para buscar refúgio na igreja, sob os cuidados do frade Jerônimo, que, quando o camponês estava prestes a ser morto, descobre, por uma marca, que se trata de seu filho.

Para intensificar os conflitos – e que envolvem até mesmo o interesse da filha de Manfredo, Matilda, por Theodore -, um grupo de cavaleiros chega ao castelo para reivindicar Isabela para o pai Frederico, dado como morto, e que, na verdade, seria o verdadeiro príncipe de Otranto. Embates e ameaças circundam as paredes grossas do castelo, assim como ferimentos equivocados e um assassinato ocasionado por uma confusão, e mais manifestações sobrenaturais são testemunhadas pelos empregados até figurar na “queda da casa de Usher” em um final que poderia ser mais envolvente e pessimista.

Existe, sim, uma “verdadeira atmosfera fantástica” mesmo que simples. Chacoalhar de armaduras, a mão gigante de Afonso e a aparição de um esqueleto, vestido como um ermitão, com suas “mandíbulas desencarnadas e as órbitas vazias“, dialogando com Frederico, são alguns dos elementos sobrenaturais da obra. O castelo maldito, com sua imensa galeria, passagens secretas e portas que se fecham sozinhas, dão a gênese do gótico na escrita de Walpole. Porém são esparsos numa linguagem de baixa profundidade, uma narrativa que pedia por mais dinamismo e intensidade.

Além de tocar levemente o horror, a obra se perde em seus subtextos, trabalhando com um humor bobo na figura de empregados assustados e ingênuos. Por exemplo, Walpole desperdiça parágrafos e diálogos que não vão lugar algum para mostrar a falta de eloquência de Bianca, a serva de Matilda, um alívio cômico pretensioso e desnecessário. E as próprias temáticas políticas são adjacentes a um conteúdo pouco eloquente até em sua proposta histórica.

Contudo, O Castelo de Otranto tem a sua importância. Provocou outros autores do período a se arriscarem em suas narrativas de castelo, explorarem os cantos mais sombrios de moradas em arquitetura gótica. Walpole pode não ser genioso em sua confecção, mas foi o primeiro esforço na condução de um estilo que depois seria ampliado e elogiado em literaturas mais bem expressivas. Vale o esforço para adentrar os muros protegidos para saber como tudo começou.

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