![]() H.P. Lovecraft - Medo Clássico vol. 2
Original: Ano:2021•País:EUA, Brasil Autor:H.P. Lovecraft •Editora: Darkside Books |
“A emoção mais antiga e mais intensa da humanidade é o medo, e o tipo mais antigo e mais intenso de medo é o medo do desconhecido.”
Essa clássica frase de H.P. Lovecraft resume perfeitamente seu estilo de escrita e suas obras. Mestre do horror cósmico, o autor criou toda uma mitologia com entidades ancestrais que causam um horror indescritível quando vistas, com uma aparência tão aterradora que chega a ser incompreensível pela mente humana. Quem avista uma dessas criaturas terrivelmente magnânimas nunca mais será o mesmo. Estará fadado eternamente ao abismo da loucura. Nos limites da realidade habitam Cthulhu, Dagon, Hastur, Yog-Sothoth entre outras entidades criadas pela macabra imaginação de Lovecraft. No segundo volume de H.P. Lovecraft – Medo Clássico, a Darkside Books fez uma mescla de alguns contos do início da carreira do autor, sendo um pouco mais desconhecidos, e outros mais famosos.
Após a introdução escrita por W. Scott Poole, temos o primeiro conto do volume, e um dos mais famosos. O Horror de Dunwich foi escrito em 1929 e centra na decadente família Whateley, que reside na opressiva cidade de Dunwich, um local isolado e evitado por forasteiros a séculos. Wilbur Whateley, o caçula da família, tem singular crescimento físico e mental, sendo super acelerado. Com apenas 11 meses de idade tinha a aparência e eloquência de uma criança de 4 anos, além de fisicamente ter traços um tanto animalescos e ter um vivaz interesse por criaturas cósmicas. Vivendo de forma reclusa, Wilbur era educado e tutorado exclusivamente por seu avô, que muitos de Dunwich diziam ser um ocultista. Tudo muda quando o velho Whateley morre e Wilbur decide ir até a universidade de Arkham procurar uma cópia do famigerado Necromomicon. O resultado da busca de Wilbur e o que a família guardava em sua fazenda estão diretamente ligados ao horror que recai sobre Dunwich. Com uma construção mais lenta, Lovecraft trabalha bem o mistério em torno da família Whateley e a temática do culto a forças antigas, apesar do final do conto ser um tanto comum para quem já leu histórias que envolvem feitiços e magias.
Celephaïs, escrita em 1922, é uma narrativa mais curta e a premissa é simples: Kuranes, um cidadão comum de Londres e último membro vivo de sua família, cada vez mais se descola da realidade e passa a viver em seus sonhos. Em sua imaginação, navega em uma cidade chamada Celephaïs, uma fantástica e belíssima terra prometida que o protagonista idealiza desde sua infância. Toda a descrição da cidade e do que Kuranes encontra é feita com uma enorme riqueza de detalhes, além de ser uma crítica do autor sobre a sociedade moderna valorizar riquezas materiais acima de tudo.
Também de 1922, A Música de Erich Zann nos relata o fascínio do narrador com as melodias de seu vizinho mudo, Erich Zann, que toda noite toca canções estranhas, porém belíssimas e aparentemente autorais. Após um abalo na amizade pelas excentricidades de Zann, nosso narrador percebe algo estranho quando em uma noite vê o vizinho, com uma aparência desesperada e trêmula, tocando melodias horríveis e caóticas. A razão da cacofonia, mostrada ao final do conto, está diretamente ligada aos horrores hediondos que tornaram a escrita de Lovecraft famosa, sendo essa uma das histórias mais divertidas do volume.
Um clássico lovecraftiano e um dos contos mais famosos do autor, A Cor Que Caiu Do Espaço, publicada em 1927, se faz presente no volume. Tudo começa na fazendo da família Gardner, quando em uma noite um estranho meteorito colorido cai no local. Inicialmente aparentando ser nada demais, aos poucos tudo – vegetação, animais, moradores – na fazenda vai sendo alterado, sendo visível pelas estranhas cores e formatos estranhos que passam a adquirir. Aqui a imaginação e a capacidade de inovar de Lovecraft brilham, principalmente na descrição de cores que não fazem parte do espectro conhecido por humanos, tornando algo que pode parecer banal para muitos em algo extremamente bizarro e assustador, tornando a leitura uma experiência única. O autor mistura terror e ficção científica, e o horror vem do incompreensível, com uma crescente sensação de desespero por presenciar algo que destrói silenciosamente, que não pode ser combatido. Essa temática é presente na maioria das narrativas do autor. Se você tem dúvidas de por onde começar a ler Lovecraft, ou qual conto resume bem seu estilo geral, A Cor que Caiu do Espaço é um belo exemplo.
Os Gatos De Ulthar, de 1920, é uma história bem curta e direta ao ponto que narra porque os magistrados da cidade de Ulthar proibiram o assassinato de gatos. O autor amava gatos, e decidiu declarar essa paixão em forma de um conto cheio de misticismo.
Em Do Além, de 1934, o narrador não identificado é um cientista que conta a sua relação com Crawford Tillinghast, um cientista que afirma ter criado uma máquina que desperta sentidos humanos ocultos, fazendo o usuário perceber uma nova realidade a seu redor. Com vários elementos de ficção científica, essa também curta história tem como ponto alto trabalhar a loucura que se abate sobre Crawford após usar sua criação.
Voltando a histórias um pouco maiores, O Que Assombra Nas Trevas, de 1936, foi um dos últimos contos escritos pelo autor antes de sua morte. Robert Blake, um jovem escritor interessado no oculto, fica curioso com relação a uma igreja abandonada na cidade de Providence, em Rhode Island. Após descobrir que a igreja no passado foi sede de um estranho culto, Robert decide entrar no local e, após muito fuçar, acha sem querer um trapezoedro brilhante dentro de uma caixa cujo ornamento tem gravuras de figuras estranhas e bizarras. O destino de Robert é selado pois, ao mexer no objeto, ele percebe que sem querer invocou uma presença maligna e assustadora. Tudo piora quando uma forte tempestade assola a cidade e sons terríveis vindos da igreja começam a ser ouvidos. Lovecraft consegue mostrar muito bem toda paranoia e pavor sentidos por Blake em sua narrativa, ao mesmo tempo que intercala com os vestígios deixados pela invisível entidade que assola o local.
Em Nyarlathotep, de 1921, o nome que dá o título ao conto é de uma criatura presente em outros contos, e é mais uma história breve, resultado de um sonho febril de Lovecraft. Nela, o narrador relata sobre a chegada em sua cidade de um ser chamado Nyarlathotep, que projeta imagens e profecias horríveis e ao mesmo tempo impressionantes aos olhos dos homens. Curtinha, a história parece uma espécie de introdução a uma figura que seria utilizada pelo autor outras vezes, e se tornaria uma de suas criações mais conhecidas.
De 1926, O Modelo de Pickman é narrado por Thurber, que conta ao interlocutor seu último encontro com o pintor Richard Upton Pickman. Fascinado com o trabalho do artista, Thurber é convidado por Pickman para conhecer seu processo criativo, e as bizarras e excêntricas imagens mostradas são o ponto principal da trama. Com um tom que evoca o gótico, o conto possui uma narrativa em primeira pessoa que lembra uma carta pessoal, semelhante ao estilo que Poe utilizava em algumas de suas histórias.
A seguir, também de 1926, temos O Proscrito, onde um solitário e sem memória narrador nos conta a sua jornada para fugir do porão de um castelo com aparência medieval. Novamente com uma atmosfera gótica e com fortes influências de Poe – que, vale lembrar, era uma das inspirações de Lovecraft – o conto não é muito longo e pode ser inicialmente um pouco confuso para quem está lendo, pois o próprio narrador da história está confuso com sua situação e aos poucos vai se encontrando.
Mais um trabalho dos primeiros anos da carreira de Lovecraft, A Danação Que Acometeu Sarnath, de 1920, é sobre uma portentosa e orgulhosa sociedade que floresceu após destruir a cidade de Ib, que era povoado por criaturas de estranha aparência. No auge de sua glória, a vingança de Ib recai sobre Sarnath. Apesar de ser mais um conto curto, a narrativa fantástica apresenta alguns elementos de futuras histórias lovecraftianas.
Encerrando o volume temos o conto mais longo e um dos melhores do livro, A Sombra Sobre Innsmouth, de 1936. Nele, um jovem viajante com destino à Arkham investiga a cidade portuária de Innsmouth, localidade mal falada pelos habitantes das cidades vizinhas seja por sua decadência estrutural, seja pelo comportamento estranho e isolado de seus moradores. Após conversar com um habitante que lhe conta as mais estranhas razões do porquê de Innsmouth ser bizarra como é, nosso narrador se vê obrigado a fugir do local o mais rápido possível. Lovecraft trabalha muito bem o senso de estranho constante, passando um ar pesado e profano que permeia constantemente o local. O desespero do protagonista é palpável, e o desfecho perturbador flerta com o conceito de body horror. Essa história é uma das mais celebradas de Lovecraft, e não é à toa.
A parte ficcional terminou, mas ainda temos mais material neste volume. No final, temos um ensaio de Lovecraft chamado O Horror Sobrenatural Na Literatura, onde o autor discursa sobre o surgimento e a evolução do horror na literatura, comentando sobre os principais trabalhos do gênero até aquela época com citações e explicações, por exemplo, da importância de Edgar Allan Poe.
Lovecraft não ficou conhecido em vida, apesar de ter vivido da escrita. Sua fama veio apenas alguns anos após a morte graças aos esforços de alguns amigos que publicaram suas histórias, até elas serem mundialmente conhecidas como nos dias de hoje. Diversos autores renomados têm Lovecraft como referência, e sua visão do macabro e fantástico serviu de inspiração para inúmeras obras e produções, fazendo com que sua contribuição para o mundo do horror seja inegável. Porém, não podemos esquecer que autor tinha crenças problemáticas, sutilmente (ou às vezes nem tanto) retratadas em algumas de suas obras. É fundamental ter consciência disso, mesmo entendendo sua importância na história do horror.
Horror, medo, desespero, estranheza e paranoia são temas recorrentes nas histórias deste volume, bem como das obras de Lovecraft de forma geral. Com um bom equilíbrio de contos rápidos e narrativas mais longas e densas, H.P. Lovecraft – Medo Clássico Volume 2 se aprofunda ainda mais no estilo do autor, mergulhando nas raízes do horror cósmico e passeando por diversos períodos de vida de Lovecraft, mostrando como sua escrita foi evoluindo ao longo dos anos. Uma boa porta de entrada rumo ao desconhecido para curiosos e uma boa imersão para aqueles que querem conhecer mais da família da famosa e profana entidade cheia de tentáculos e que traz horrores inomináveis chamada Cthulhu.