![]() O Senhor dos Mortos
Original:The Shrouds
Ano:2024•País:Canadá Direção:David Cronenberg Roteiro:David Cronenberg Produção:Saïd Ben Saïd, Martin Katz, Anthony Vaccarello Elenco:Vincent Cassel, Diane Kruger, Guy Pearce, Sandrine Holt, Elizabeth Saunders, Jennifer Dale, Eric Weinthal, Jeff Yung, Ingvar Sigurdsson, Vieslav Krystyan, Matt Willis, Steve Switzman |
A decomposição dos corpos estabelece um diálogo mórbido com a degradação psicológica sentida pela perda no mais recente trabalho de David Cronenberg. O longa, com passagem em Cannes e sem qualquer atrativo comercial, parte de uma curiosa ideia que mescla tecnologia e drama, e traz enxertos envolvendo conspiração política e traição, sem completamente abraçar um de seus conceitos, o que leva a um enredo metaforicamente enfadonho. A base narrativa permitia diversas vias, algumas aterrorizantes se passasse pelas mãos do tafofóbico Edgar Allan Poe, quando a insanidade de seu protagonista é apresentada em um primeiro encontro. Infelizmente, a escolhida foi a menos interessante.
Becca (Diane Kruger), a esposa do rico empresário Karsh Relikh (Vincent Cassel), faleceu de câncer, em um processo de perda lenta e dolorosa, relacionada à mutilação e fragilidade óssea. Quatro anos depois, ele criou a tecnologia “GraveTech“, uma mortalha que permite que, através de um aplicativo e de um monitor na lápide, se possa acompanhar a decomposição de um parente falecido em produção 3D – e futuramente em 4k. Só esse argumento básico já coloca o espectador como um verme no interior de um caixão, ávido pelas possibilidades que serão apresentadas, consciente do portfólio do cineasta por trás dele.
Atormentado por pesadelos com a esposa – que podem ser ou não recordações -, e com perspectivas nunca comprovadas de uma relação dela com o oncologista Dr. Jerry Eckler (Steve Switzman), ele tem como pessoas próximas a irmã gêmea dela, Terry (Kruger), e seu marido Maury (Guy Pearce), o expert em tecnologia e que ajudou na confecção do GraveTech e da assistente virtual Hunny (na voz de Kruger). Depois que lápides de seu cemitério semi-virtual são destruídas e a empresa é hackeada, surgem teorias de que as invasões possam ter vindo da Islândia, um local para onde Karsh pretendia expandir seus negócios. Ao mesmo tempo, ele se envolve com Soo-Min (Sandrine Holt), a esposa cega de um CEO de Budapeste, interessado em patrocinar a mortalha digital.
O enredo de Cronenberg permeia esse argumento, teorizando conspirações chinesas ou russas, possíveis traições de Maury e Terry, enquanto dispõe seu protagonista em momentos eróticos e em doses de loucura. E, por alguma razão, Cronenberg achou que essa trama de espionagem diante de um fundo mórbido fosse suficiente para apresentar algo interessante. Contudo são duas horas em que o lado body horror de amostras de esqueletos, em efeitos digitais de aplicativo de escola, com protuberâncias que ampliam a neurose do protagonista, buscam remeter fragilmente à tecnologia outrora trabalhada no perturbador Videodrome – A Síndrome do Vídeo.
O bom elenco não é autossuficiente para garantir o sucesso de O Senhor dos Mortos – e traz dúvidas sobre a razão de sua apresentação em Cannes. Cronenberg vez ou outra esbarra em Lynch com simbologias e finais abertos em trabalhos muito mais profundos como Mistério e Paixões e Spider – Desafie sua Mente. Em The Shrouds, ele partiu de uma premissa curiosa para uma narrativa irritante e, ironicamente, desconectada de seus trabalhos anteriores.