 Em Rota de Colisão
Original:Stuck
Ano:2007•País:Canadá, EUA, Alemanha Direção:Stuart Gordon Roteiro:Stuart Gordon, John Strysik Produção:Jay Firestone, Ken Gord, Stuart Gordon, Robert Katz Elenco:Mena Suvari, Stephen Rea, Russell Hornsby, Rukiya Bernard, Carolyn Purdy-Gordon, Lionel Mark Smith, Bunthivy Nou, Suzanne Short, Shuko Akune, John Dunsworth |
Stuart Gordon (1947-2020) sempre foi muito bem sucedido em sua filmografia lovecraftiana. Em 1985, comandou ReAnimator – A Hora dos Mortos Vivos, um cartão de visitas que já mostrava ousadia e gosto por sangue, sabendo como dar um bom trato à escrita de um dos maiores nomes do horror. No ano seguinte, acertou o alvo novamente com Do Além e o bizarro Bonecas Macabras (Dolls), para depois trabalhar em projetos que envolviam ficção científica e horror atmosférico, destacando Herança Maldita (Castle Freak, 1995) e Dagon (2001). Mesmo com as boas escolhas, ainda que assumidamente Filmes B sangrentos e divertidos, Gordon injustamente nunca ficou na mesma prateleira de John Carpenter, George A. Romero, Wes Craven, Dario Argento…o que é, de certa forma, estranho pelo fato de todos esses mencionados terem dado algumas grosseiras escorregadas na carreira, enquanto ele, até nos trabalhos para a TV, foi bem mais eficiente. Em Rota De Colisão (Stuck, 2007), seu último longa, mesmo distante de trabalhos mais ousados, também figura entre seus acertos.
O argumento é simples e diferente, com inspiração em um caso real (mais detalhes abaixo). Ambientado em Providence, Rhode Island, ele apresenta duas pessoas em rotas distintas até um acidente colocá-las em uma situação bastante desconfortável, quase que realizada em ambiente único. A jovem Brandi Boski (Mena Suvari) trabalha como cuidadora em uma casa de repouso, aspirando uma promoção que poderá dar a ela o cargo de enfermeira-chefe – isso se ela acreditar nas palavras de sua superior, parecendo intencionar que a garota aceite trabalhar mais do que o previsto. Do outro lado do ringue, está o desempregado Thomas “Tom” Bardo (Stephen Rea) no pior dia de sua vida, após ser despejado e ter o seguro-desemprego mais uma vez negado, sendo obrigado a dormir numa praça, somente para ser expulso por um guarda local.
Após mais um dia de trabalho de uma sexta-feira e consciente que trabalhará também no dia seguinte, Brandi curte uma noite de bebedeira e uso de drogas, a partir de seu relacionamento com o traficante Rashid (Russell Hornsby, de A Mulher no Jardim). No caminho para casa, ela atropela Tom, que tem a perna quebrada e fica preso ao para-brisa. Brandi até tenta deixar o sem-teto à porta de um hospital, mas a necessidade de fugir para evitar uma prisão a faz ir para casa, deixando a vítima, bastante ferida, presa ao veículo, na garagem. Como acontece em muitas situações parecidas da vida real, do estilo “hit-and-run“, a jovem tenta esconder o que aconteceu, acreditando realmente que a culpa não é dela e não terá como provar, optando por tentar se livrar desse incômodo.
A ingenuidade, associada a um caráter problemático, transforma o que seria um acidente, sob ação irresponsável, em um processo de homicídio. Ao mesmo tempo em que ela tenta continuar sua rotina, tendo relações sexuais com Rashid e tentando retornar no emprego, Tom tenta encontrar meios de pedir ajuda, em boas cenas de tensão e suspense. O roteiro, co-escrito por John Strysik e Gordon, propõe facilidades que se tornam ironicamente complicadas: um garoto vizinho escuta o som da buzina do veículo e, ao ver o homem preso ao carro na garagem, pede ajuda a mãe, que também se convence que precisa ajudar o ferido. Contudo, eles são de uma família de imigrantes ilegais e temem que o envolvimento da polícia possa trazer consequência a eles. E outros momentos se acumulam, como o cãozinho que adentra a garagem para se alimentar da perna machucada de Tom; o celular que está prestes a perder a bateria, e a dificuldade de Rashid em finalizá-lo, mesmo dizendo à namorada que já resolveu outras situações parecidas.
Como se trata de um filme de Stuart Gordon, essa comédia de humor ácido traz cenas sangrentas e episódios violentos, provocando riso e repulsa nas mesmas proporções. É claro que não entraria entre os destaques da filmografia do diretor, ainda que seja bem divertido pelas gags e sequências de confrontos entre a vilã de ocasião, numa belíssima interpretação de Mena Suvari, e o azarado Tom. Conquistou o prêmio Silver Raven no Festival Internacional de Cinema de Fantasia de Bruxelas, e teve boas críticas em sua estreia limitada no cinema. Mesmo com a boa atuação de Suvari, na época, o longa atravessou polêmicas pela escolha da atriz, uma garota branca com aspectos de uma afrodescendente, para tentar se aproximar da verdadeira Chante Jawan Mallard.
O Caso Real de Gregory Glenn Biggs
Em 26 de outubro de 2001, a auxiliar de enfermagem Chante Jawan Mallard, de 25 anos, atingiu Gregory Glenn Biggs, um sem-teto, de 37 anos, com seu automóvel, em Fort Worth, Texas, Estados Unidos. Em vez de procurar ajuda ou mesmo fazer uso de suas habilidades profissionais, ela o deixou alojado em seu para-brisa, na garagem de casa, por três dias. Ela ocasionalmente ia ao local verificar se ele ainda estava vivo, enquanto a vítima agonizava pedindo ajuda. Após a morte, Mallard entrou em contato com Clete Jackson, que, com a ajuda do primo Herbert Tyrone Cleveland, levou o corpo a um parque, abandonando-o por lá.
Quatro meses depois, numa festa, Mallard comentou com a amiga Maranda Daniel sobre o acidente, entre risadas, dizendo que atropelou um homem branco. Foi o início da denúncia e julgamento, ocorrido em junho de 2003. A assassina foi condenada a 50 anos de prisão, enquanto os que ajudaram na ocultação do cadáver, tiveram penas consequentemente menores. Está previsto que Mallard possa alcançar a liberdade condicional em 2027.
O crime de Mallard inspirou o episódio “Darwinian“, de Lei & Ordem, e também eventos ocorridos na segunda temporada da série Fargo, e o longa Midnighters, de Julius Ramsay, lançado em 2017. Em Rota de Colisão também serviu de inspiração para a refilmagem indiana Accident on Hill Road, de 2009.
