Reanimator – A Hora dos Mortos-Vivos (1985)

4.8
(17)

Reanimator - A Hora dos Mortos-Vivos
Original:Re-Animator
Ano:1985•País:EUA
Direção:Stuart Gordon
Roteiro:H.P. Lovecraft, Dennis Paoli, William Norris, Stuart Gordon
Produção:Brian Yuzna
Elenco:Jeffrey Combs, Bruce Abbott, Barbara Crampton, David Gale, Robert Sampson, Gerry Black, Carolyn Purdy-Gordon, Peter Kent, Barbara Pieters, Ian Patrick Williams, Bunny Summers

Os experimentos de Herbert West são tão conhecidos quanto a sua inspiração, Victor Frankenstein. E ambos basicamente são cientistas loucos, idealistas, que almejam avanços na medicina para driblar o processo natural, com a diferença que o último quer criar vida e o primeiro evitar a morte. “Herbert West–Reanimator” é um conto escrito por H.P.Lovecraft entre 1921 e 1922, e que teve uma publicação seriada, dividida em seis partes, na revista independente Home Brew, confeccionada por seu amigo George Julian Houtain. Depois seria republicado em março de 1942 na Weird Tales – apesar de trazer uma falsa publicidade de que se tratava de um texto inédito – cinco após a morte do escritor, alcançando finalmente a popularidade e as críticas pesadas que recebeu.

Críticos massacraram o texto de Lovecraft, considerando-o pobre e pouco evolutivo, além de declaradamente racista. O livro Science Fiction: The Early Years, de EF Bleiler e Richard Bleiler, publicado em 1990, chamou o conto de “trabalho miserável“; e o próprio escritor disse algumas vezes que sua obra fora escrita prematuramente e que o fizera apenas para receber 5 dólares por capítulo. Toda agressividade é até justa, pois se trata de uma história simples, com teor evidentemente racista (defensores do autor dizem que fez parte de uma fase ingênua e que sua postura se alterou com a maturidade) e que desperdiça parágrafos em cada capítulo para fazer uma retomada do anterior; mas sua influência foi significativa para o gênero, desenvolvendo um universo de adaptações e referências, que perpassam pelos quadrinhos, jogos e livros, quase numa disputa pessoal com a criação de Mary Shelley.

No enredo do conto, o narrador-personagem demonstra fascínio por seu colega da Universidade Miskatonic, Herbert West, e suas teorias de reanimação do corpo humano. Depois de realizar experiências sem sucesso com animais pequenos, ele acredita que seja o momento de partir para seres humanos, desenvolvendo um laboratório, com instrumentos roubados da instituição, em uma fazenda abandonada. Usam o corpo de um trabalhador, falecido naquele mesmo dia, e injetam o soro em sua veia, somente para ouvi-lo gritar e agir de maneira animalesca, e fugir para a mata, deixando evidências de que teria tentado retornar para sua cova. Novas tentativas são realizadas com vítimas da febre tifóide, como o reitor Dr. Allen Halsey, que era contra a utilização de cadáveres para o experimento. Com ainda mais agressividade, antes de ser preso pela polícia, ele deixa vestígios de canibalismo, o que pode ser uma das inspirações de John Russo e George A. Romero para sua horda de A Noite dos Mortos-Vivos.

West continua sua trajetória de experimentos nos episódios seguintes, ao buscar residência próximo a um cemitério na cidade de Bolton, na Nova Inglaterra, adquirindo o corpo de um boxeador – momento em que Lovecraft expõe seu preconceito na descrição do rapaz – e o destino macabro de uma criança desaparecida. O cientista almeja de toda forma conseguir o que ele chama de um “cadáver fresco“, e a sorte vem à sua porta com o ataque cardíaco de um caixeiro-viajante. Com o soro, acrescido de fluido embalsamador, o cadáver chega a pronunciar algumas palavras desconexas, o que mostra uma possibilidade de evolução. Mas a maior de todas é conquistada cinco anos depois, quando o narrador e West vão trabalhar como médicos na Primeira Guerra Mundial, e fazem uso do corpo do Major Eric Moreland Clapham-Lee, decapitado em um acidente aéreo. Apesar de injetar a droga em seu tronco, a cabeça também revela sinais de vida e mais aparente consciência que os testes anteriores, o que resultará no final aterrorizante em um ambiente de catacumbas.

O conto é realmente simples, mas apresenta características sombrias, como um pesadelo envolto em insanidade, justificando a confusão entre a declaração inicial sobre o destino de West e o que acontece no epílogo. Com a retirada de algumas gorduras e as descrições inadequadas, a obra seria menor em páginas mas com mais consistência em seu conteúdo. De todo modo, serviu como o pontapé de algumas adaptações cinematográficas que Stuart Gordon faria das obras de Lovecraft. O conceito surgiu quando o cineasta conversava com amigos sobre os múltiplos filmes que envolviam Drácula, mas não Frankenstein (talvez desconhecesse a filmografia da Universal Pictures). Foi quando ouviu falar pela primeira vez do conto “Herbert West–Reanimator” e foi até a Biblioteca Pública de Chicago com o propósito de lê-lo. Pensou inicialmente em produzir uma peça de teatro, mas foi convencido a desenvolver o piloto de uma série, em trinta minutos.

Com a ambientação na virada do século XIX, a série aparentava ser muito cara, mesmo Gordon dizendo que usaria um elenco composto pela companhia Organic Theatre. Tentou alterar para episódios de uma hora de duração, até o momento em que o especialista em efeitos especiais Bob Greenberg lhe informou sobre o interesse dos realizadores por longas-metragens, apresentando-lhe o produtor Brian Yuzna, no início de uma vantajosa parceria. Com mudanças constantes no roteiro de Dennis Paoli e William Norris, que não trazia nenhum toque de humor, finalmente o filme foi rodado, com as filmagens começando em novembro de 1984, tendo como ator de destaque Jeffrey Combs para interpretar o “loiro e magroHerbert West.

Sem saber quem era Lovecraft, Combs chegou a criticar o roteiro, considerado um absurdo, e dizer que imaginava que o filme jamais faria sucesso. Esses “absurdos” foram mostrados integralmente em sua estreia nos cinemas, sem que os realizadores enviassem cópias para a censura, o que atrapalhou na publicidade. Uma versão censurada foi disponibilizada posteriormente para o órgão MPAA, com uma classificação R, já não contendo boa parte das sequências violentas, do sangue em profusão e até mesmo da clássica cena do “sexo oral da cabeça“. Apesar de seus excessos e contrariando Jeffrey Combs, ReAnimator foi bem recebido pela crítica e pelos fãs de horror, imortalizando o personagem com a identificação do ator.

Lançado no Brasil em 10 de setembro de 1987 com o apelativo subtítulo de “A Hora dos Mortos-Vivos” (para fazer parte da “espantomania” do gênero: A Hora do Espanto, A Hora do Pesadelo, A Hora das Criaturas…), Re-Animator é bastante diferente de sua inspiração, já no prólogo. Começa em Zurique, na Suíça, onde Herbert West (Gordon) acaba de trazer de volta à vida o falecido Dr. Hans Gruber (Al Berry), exibindo um estado de completamente insanidade e inquietude. Sem o sucesso de seu experimento inicial, West parte para a Universidade Miskatonic em Arkham, Massachusetts, alugando um quarto com o Dr. Dan Cain (Bruce Abbott), personagem que ocupa o papel do narrador do conto.

Re-Animator (1985)

Contrariando os interesses da namorada de Dan, a belíssima Megan Halsey (a scream queen Barbara Crampton), filha do reitor (Robert Sampson), West não somente passa a morar com ele como também faz uso do porão como seu laboratório particular, É ali que ele fará um teste com o gato Rufus a partir de seu reagente, despertando o animal como uma criatura violenta até novamente ser morto. Dizem as trívias que fora utilizado um gato morto real, com a exposição de sua carcaça na geladeira. Decidido a voltar a fazer testes com seres humanos, mesmo depois de expulsos da universidade, West e Dan se infiltram no necrotério em busca de um exemplar fresco. Na primeira tentativa, o morto grandalhão, interpretado pelo dublê de Arnold Schwarzenegger, Peter Kent, faz estragos no local, ocasionando a morte do reitor.

Rapidamente, West injeta seu soro, em um verde fosforescente proporcionado pelo luminol, e o Dr. Halsey passa a ter ações parecidas com sua versão literária, mas sem o canibalismo. O processo chama a atenção do especialista em estudos de cérebro, Dr. Carl Hill (David Gale), que resolve aplicar uma lobotomia no reitor e tenta se intrometer nos experimentos de West, tomando para si a criação do reagente. Hill é um dos destaques de Re-Animator, com uma profundidade pouca explorada no filme, uma vez que dá indícios de que ele possa controlar a mente das pessoas, em um processo hipnótico – há evidências disso em diversas cenas como a do jantar na casa do reitor, quando ele o influencia a não aceitar o relacionamento de sua filha com Dan. Ele representa no conto o Major Eric Moreland Clapham-Lee, o cadáver decapitado e consciente.

Como qualquer fã de horror sabe, o destino de Dr. Carl Hill envolverá a perda da cabeça, o uso de uma de cera na sequência final e a sugestão de um exército de zumbis, tal qual o texto original. Esse aspecto tétrico levou a equipe de efeitos especiais a muitas artimanhas, sendo que muitas delas divertidamente bem feitas. A sequência mais polêmica envolve o momento em que o cadáver coloca sua cabeça em direção as pernas abertas de Megan, nua e imobilizada, com a sugestão de um sexo oral macabro. Além de ser um episódio antológico da produção, uma das marcas registradas da franquia Re-Animator, jamais imaginada por Lovecraft, a cena foi o estopim para o fim do casamento de David Gale. Entre as curiosidades que envolvem o filme, Gale teria dito que a esposa lhe deu um ultimato quando soube que tal cena seria filmada, mas que ele decidira filmar mesmo assim. Entrou para a galeria das cenas imortalizadas do gênero principalmente pelos bastidores!

Com o sucesso inesperado do filme, a mesma equipe envolvida voltaria a trabalhar juntas na continuação A Noiva do Re-Animator e em outros projetos relacionados a Lovecraft como Do Além e Herança Maldita. Mesmo com muita diferença em relação ao conto, o resultado é um filme de horror B muito divertido com muitos dos elementos que agradam quem é fã do gênero como cenas nojentas, cadáveres insanos e um excêntrico cientista louco. Re-Animator é o Frankenstein moderno, como idealizara Stuart Gordon, possuindo personalidade própria, sem deixar de honrar o material original.

Depois de revisto inúmeras vezes, o filme continua despertando o mesmo nível de interesse. Até as atuações caricatas, principalmente a de Jeffrey Combs, a trilha sonora que copia Hitchcock e algumas falas que não fazem sentido contribuem para manter a admiração pelo trabalho original, enaltecendo os esforços em promover um filme de terror com altas doses de sangue e muita criatividade.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

3 thoughts on “Reanimator – A Hora dos Mortos-Vivos (1985)

  • 04/01/2023 em 12:04
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    Alguém por favor tem um link pra baixar esse filme? Não to achando nenhum que funcione :\

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  • 18/09/2022 em 13:48
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    Filme criativo e trama interessante como é de costume de derivados da escrita de H.P.Lovecraft, com certeza um dos meus preferidos. Recomendo assistir a versão mais extensa (entre as variadas disponíveis), tem diálogos extras e cenas que dão uma sensação maior de continuidade, ao invés dos muitos cortes da versão menos extensa. Jeffrey Combs, nossa querida scream queen, Barbara Crampton e Bruce Abbott, dão vida a personagens interessantes, peculiares e envolvidos em uma história até sedutora, por assim dizer. Adquiriu status (merecidamente, ao meu ver) de cult classic. Esbanja gore, momentos grotestos, nudez e trilha sonora sugestiva, além de design de produção e ambientação que me agradam, tudo nesse filme provavelmente vai interessar aos fãs do gênero. Produziu uma boa continuação e um completamente desnecessário terceiro filme. Parabéns, Boca do Inferno! Abraço!

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  • 07/09/2022 em 17:32
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    Hahahahha! Deixei de ver muitos filmes anos 80/90, apesar de assistir Cine Trash praticamente todos os dias. A cena da cabeça do Dr. Call tanto na bacia quanto lambendo a Megan são incríveis!
    Inclusive até hoje tento encontrar um filme que assisti nos anos 90 com uma cena parecida da cabeça do Dr. Carl na bacia, mas era na mesa de jantar. Enfim, adorei o filme!

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