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por Hedjan Costa

Quando o termo “baseado em fatos reais” (uso aqui conscientemente uma nomenclatura da minha época condenada hoje em dia) é usado para falar de uma história sobrenatural, a vontade de saber mais sobre ela só aumenta. Ou não. Pra cada amante de causos assustadores existem mais duas ou três pessoas que não querem nem ouvir falar em histórias reais de terror. Mas, como você está nesse site, duvido que eu precise mudar de assunto nas próximas linhas.

Mas, pulando o blábláblá, hoje vamos falar sobre casas mal assombradas. Pra ser mais específico, duas casas assombradas.

O mais antigo conhecido

Sabia que o relato mais antigo sobre uma casa mal assombrada é uma carta escrita por Plínio, o Jovem?  Não vou dizer que foi o primeiro relato, porque não podemos cair no erro de ignorar as histórias transmitidas pela tradição oral. Nem vou dizer que foi o primeiro relato escrito. Sempre existiram e sempre vão existir as coisas perdidas, as tais lost medias. Pra ser o mais justo possível, esse é a história mais antiga conhecida de uma casa mal assombrada.

Plínio (61 d.C. – 114 d.C.), foi orador, jurista, político e governador da Bitínia, uma parte do que hoje é a Turquia. E também foi o autor de várias cartas que resistiram ao tempo e servem como uma interessante janela para o passado. Nessas 247 cartas, Plínio falava sobre assuntos variados como política, atualidades e a vida cotidiana da sua época.

E, no meio disso tudo, temos o relato de uma autêntica casa mal assombrada localizada em Atenas, atual capital da Grécia e, na época do relato, cidade-estado da Grécia.

A tal carta, que foi escrita para Linicius Sura, cônsul e depois senador do Império Romano, não chega a ser um relato extenso. Ela tem praticamente uma página e meia, mas temos a estrutura de uma narrativa com começo, meio e fim. E também possui alguns elementos presentes em outras histórias de fantasmas.

A carta

(spoilers de uma história de mais de 2 mil anos)

Havia uma casa em Atenas evitada por todos e que ninguém queria comprar, mesmo com o valor sendo diminuído cada vez mais. Diziam que a figura de um homem idoso, magro e com grilhões nos braços aparecia quando a noite chegava e vagava pela casa. Sons de correntes, gritos e lamentos eram ouvidos por quem passasse perto dela. E, os que ousavam ficar por lá depois do pôr do sol se arrependiam amargamente.

O protagonista da história não é Plínio, mas sim Atenodoro, filósofo estóico, historiador e “caçador de fantasmas”. Atenodoro, já sabendo das histórias que contavam sobre a casa, resolve passar a noite por lá e descobre que o fantasma queria que seus restos mortais, abandonados em um ponto do terreno da casa, tivessem o rito fúnebre apropriado.

E, com isso, a casa deixou de ser assombrada.

Mas…

Depois de te contar isso tudo, preciso mencionar uma coisa: apesar de escrever cartas que serviam de registro do seu tempo, falando sobre os hábitos, costumes, práticas e políticas de sua época, não podemos incluir a carta sobre a casa assombrada entre os “relatos de fatos”.

Pra começar, não há consenso sobre quem seria exatamente o Atenodoro da história. Existem registros sobre dois filósofos estóicos chamados “Atenodoro” que nasceram na mesma região. Além disso, a história contada na carta já circulava oralmente quando o calendário marcava “antes de Cristo”.

Os romanos gostavam muito de histórias de fantasmas. Muitas narrativas eram passadas oralmente, registradas em correspondências ou outras formas de narrativas. Algumas eram apropriadas de outras culturas, outras eram de outras épocas. Longe de serem relatos fidedignos ou baseados em fatos reais (viu só? Eu fiz de novo!), o objetivo principal era o de entretenimento. Sendo assim, haviam histórias que falavam sobre outras casas assombradas em outros locais e com desenvolvimento e desfechos similares.

Até agora, pelo menos, não apareceu nenhum registro de que alguém tenha aparecido para afirmar que foi tudo verdade. E, por se tratar de uma história, também não houve a preocupação de desmentir o relato. Em resumo, apenas mais uma história de fantasmas.

Um caso bem diferente da segunda casa assombrada que vamos visitar hoje. E, não espere que eu vá afirmar no final se a história é verdade ou se é mentira. Só vou apresentar o que eu encontrei por aí.

A mais conhecida

Provavelmente a casa de Amityville seja o lugar assombrado mais famoso entre os fãs de terror. Inclusive, a casa já foi conhecida como “o lugar mais assombrado da América”. A história já gerou livros, documentários, filmes, jogos de computador, jogos de tabuleiro, e teve um impacto danado na cultura popular. E um dos principais motivos para toda a atenção que a história e as produções baseadas nela receberam é a de que tudo teria realmente acontecido. Sendo assim, ler os livros ou ver os filmes era ter contato, de alguma forma, com a prova da existência de fenômenos sobrenaturais.

Mas vamos focar no livro original, que conta o básico que você precisa saber dessa história toda.

O Horror em Amityville (no original, The Amityville Horror – A True Story) conta a história da Família Lutz e dos 28 dias em que ela morou no número 112 da Ocean Avenue em Amityville, Nova York, e sobre as coisas estranhas que aconteceram por lá.

Quando estava conhecendo a casa, o casal Lutz ficou impressionado com o valor muito baixo que estava sendo pedido pela casa. Existem locais onde a empresa de corretagem é obrigada por lei a informar sobre crimes que aconteceram no lugar. Nova York não tem uma lei sobre isso, mas, mesmo assim, a corretora responsável contou sobre os assassinatos.

Vamos fazer um pequeno intermezzo para falar sobre o crime.

O crime

Madrugada do dia 13 de novembro de 1974, entre 2h30m e 3h15m.

Ronald “Butch” DeFeo, na época com 23 anos, usou uma espingarda Marlin 336C, calibre .35, uma das inúmeras armas que os DeFeo mantinham em casa, para executar os membros de sua família. Ele matou o pai (Ronald DeFeo, 43 anos), a mãe (Louise DeFeo, 42 anos), suas duas irmãs (Dawn 18 anos; Allison, 13 anos) e seus dois irmãos (Marc, 12 anos; John, 9 anos). Os irmãos foram mortos com um único tiro enquanto os pais receberam dois. Todos os corpos foram encontrados deitados em suas camas de bruços.

O fato de que os tiros iniciais não acordaram os outros moradores da casa e nem os vizinhos sempre foi tema de controvérsia. Alguns acreditaram que ele teria utilizado algum tipo de silenciador na arma, mas essa hipótese foi descartada pela perícia. Também cogitou-se que outra pessoa teria participado ou que a família teria sido drogada antes das mortes, mas a investigação também não encontrou indícios dessas hipóteses. Muitos viram nessa falta de explicação uma evidência de que algo sobrenatural atuou colaborando nas mortes.

DeFeo Jr. tentou enganar as autoridades, alegando ter encontrado os corpos no dia seguinte, quando voltou do trabalho. Depois de correr até um bar e pedir ajuda, ele contou aos policiais que chegaram à cena do crime que os assassinatos podiam ter sido cometidos pela máfia. Ronald foi levado ao distrito por segurança, mas, depois de algum tempo de conversa, os investigadores começaram a perceber que a história que ele contava tinha muitos furos.  No dia seguinte, quando retornou ao distrito, ele foi interrogado como principal suspeito e acabou confessando os crimes.

Ronald DeFeo Jr. foi a julgamento e seu advogado, William Weber, apresentou uma defesa baseada em insanidade, alegando que seu cliente não se lembrava de nada do que aconteceu naquela noite. É importante mencionar que essa história mudaria. Depois, DeFeo Jr. diria que, na noite do crime, ele estava “chapado de maconha” no porão da casa e não viu nem escutou nada. Também alegou que os assassinatos teriam sido cometidos por Dawn, sua irmã, e que ele a teria matado ao tentar desarmá-la. E também alegou que o crime teria sido arquitetado por amigos dele e que ele teria apenas participado.

E, talvez a versão mais conhecida de todas: DeFeo Jr. disse que, durante várias noites, por volta de 3h, ele acordava em seu quarto ouvindo vozes vindas da escuridão que diziam que ele deveria matar seus pais e seus irmãos.

Ronald DeFeo Jr. foi condenado a seis penas consecutivas de 25 anos de prisão. Ele morreu em 12 de março de 2021, aos 69 anos.

Os Lutz

A família Lutz não deu tanta importância aos crimes que haviam acontecido na casa. Afinal, estavam diante de uma verdadeira “pechincha”: uma casa em uma vizinhança segura, com cinco dormitórios, piscina, um abrigo para barcos e totalmente mobiliada Resolveram mandar às favas qualquer caveat emptor e compraram a propriedade.

Só que, em pouco tempo, a família se arrependeria da mudança. Tanto os moradores quanto as pessoas que conviviam com a família e que os visitaram na nova casa foram testemunhas (e até vítimas) de ataques de uma força sobrenatural. Presenças eram sentidas, sombras eram vistas caminhando pelo quintal. Odores, vozes, gritos, sons eram ouvidos em quartos onde não havia ninguém.  Uma gosma verde saía das paredes. Fazia muito frio em alguns locais da casa e o pai, George Lutz, passava horas cortando lenha. George Lutz também afirmou que acordava sempre às 3:15, horário aproximado dos assassinatos cometidos na casa. Em resumo, o pacote completo. Por fim a família abandonou a casa às pressas e depois procurou alguém para relatar os tais acontecimentos.

O livro foi escrito por Jay Anson em 1977 e é baseado nos relatos da própria família Lutz. O material para o livro veio a partir de horas de gravações das lembranças da família na casa.

As acusações

Várias acusações de fraude foram dirigidas ao autor e aos Lutz por conta desse livro. A história teria surgido unicamente graças a William Weber (lembra dele?), ninguém menos do que o advogado de Ronald DeFeo Jr., que convenceu os Lutz a encenarem a farsa, para lucrar com a repercussão paranormal em torno do caso (o filme O Exorcista havia estreado no ano anterior e ainda estava fresco na mente do público norte-americano). Weber já queria contratar um escritor para um livro que falasse sobre o caso de DeFeo Jr. Ele e George Lutz acabaram entrando em contato e, conversa vai, conversa vem, a história para o livro foi surgindo. E quem contou essa versão da história foi o próprio advogado.

Inclusive, Weber processaria os Lutz um pouco depois, já que o casal resolveu optar por um escritor diferente do que ele havia escolhido e não o incluíram na divisão dos lucros do livro e, posteriormente, do filme. Weber acabou desistindo do processo.

Em defesa dos Lutz, até mesmos o casal Warren se pronunciou. Isso mesmo, Edward Warren (1926-2006) e Lorraine Rita Warren (1927), aqueles dos filmes Invocação do Mal, da boneca Annabelle, etc. O casal de investigadores paranormais afirmou que os acontecimentos estranhos na casa em Amityville não eram parte de uma bem elaborada farsa, chegando até a passar uma noite na casa acompanhado de repórteres, uma espécie de Festa do Pijama Assombrada.

Inclusive, foi nesse encontro noturno que a foto que mostraria uma criança dentro da casa foi tirada. A criança seria o espírito de John DeFeo, o caçula da família. A foto foi retirada por câmeras com infravermelho, que disparavam automaticamente em intervalos de tempo.

Em resumo, os Warrens afirmaram que todas as alegações de que a casa seria assombrada eram verdadeiras. Só que os Warren também enfrentaram, e tecnicamente ainda enfrentam, algumas acusações de charlatanismo e de serem meros farsantes que se aproveitam da boa fé das pessoas. Ou seja…

Coisas do outro lado

Oficialmente, nenhum dos moradores que ocuparam a casa depois dos Lutz relatou qualquer acontecimento sobrenatural, fantasmagórico ou inexplicável. Extraoficialmente… Bom, a internet é terra de informações que carecem de mais fontes, então vamos ficar no oficialmente. E olha que a casa teve vários outros moradores. Pelo menos cinco famílias ocuparam a casa desde que os Lutz a abandonaram. Isso poderia servir para indicar que tudo não passou de uma história inventada.

Só que, três declarações devem ser mencionadas. Uma de George Lutz, o pai da família. E as outras de Cristopher e Daniel, duas das três crianças dos Lutz, e que tinham respectivamente 7 e 10 anos na época.

Em uma das inúmeras entrevistas que forneceu, quando mencionaram que os moradores seguintes da casa nunca tinham presenciado nada de paranormal, George Lutz disse que “o que estava naquela casa me seguiu quando eu saí de lá”.

Cristopher e Daniel, afirmam até hoje que realmente havia algo paranormal na casa. Daniel diz que todas as coisas mencionadas no livro realmente aconteceram. Cristopher conta uma versão da história mais bizarra. Segundo ele, não era a casa que era assombrada, mas sim George Lutz. Cristopher conta que o padrasto fazia sessões de invocação de espíritos, pesquisava bastante sobre ocultismo e era muito interessado em “chamar coisas do outro lado”. Talvez, ele tenha conseguido. E, se essa hipótese foi levada em consideração, a coisa que veio não se agarrou à casa, mas sim ao pai da família.

O casal Lutz se divorciou no final da década de 1980 mas, pelo que consta, continuaram a ter uma relação cordial. O mesmo não se aplica aos filhos. Daniel saiu de casa aos 16 anos por causa de sua relação conflituosa com George. E Missy, a única menina, se recusa a comentar publicamente qualquer coisa relacionada sobre Amityville.

Kathy morreu em 2004 e George em 2006. Até o fim, eles afirmaram que a casa realmente era assombrada.

Atualmente

Para tentar despistar a romaria de curiosos e aficionados pelo terror que rotineiramente visitavam o local, foram feitas reformas que alteraram a fachada da casa. As famosas janelas que pareciam olhos maldosos foram substituídas por janelas comuns. O endereço também foi alterado. Mas mesmo disfarçada, a casa continua recebendo visitantes curiosos que ficam olhando do lado de fora e imaginando que forças malignas podem estar lá dentro.

E só pra terminar, a casa está à venda de novo. Use essa informação da maneira que desejar.

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