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por Clodoaldo Alves Ferreira

A lua cheia se impõe no céu, e não há esperança, não há oração que me salve. Sinto os ossos se partirem, a pele rasgar, a mente se apagar. Deixo de ser homem, restando apenas a besta.

Não penso. Uivo, caço, mato. Deixo rastros de sangue e perguntas sem respostas. Tanto faz se fui mordido, se fiz um pacto, se herdei a maldição por ser o sétimo filho. O fim é sempre o mesmo: mortes, e a culpa cravada na alma adormecida que sou, entre as transformações.

A maldição me mergulha no horror da transformação, no medo de perder minha própria alma. É um destino trágico, carregar este monstro dentro de mim, um monstro que jamais dorme.

Quando a lua cheia surge, a maldição não afeta apenas aqueles cujas vidas foram ceifadas pelas minhas garras; afeta também a minha alma atormentada. A culpa é um peso insuportável, uma ferida que nunca cicatriza.

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A pior parte da maldição não é a transformação. É o despertar. Acordei mais uma vez numa cama encharcada de suor, a cabeça latejando como um tambor de guerra, a boca seca e um gosto metálico na língua – o gosto do sangue. Não me lembro de nada. Mais uma vez, a noite é um vazio, um buraco negro na minha memória. Só sei que a lua estava cheia.

Lívia dorme ao meu lado, serena e inocente. Seu corpo quente contra o meu, um contraste brutal com o frio que me consome por dentro. Tento me convencer de que estou bem, que foi apenas um pesadelo particularmente vívido, mas o cheiro… o cheiro de sangue impregnado nas minhas roupas, sob minhas unhas, é inegável. E a dor… a dor nos meus ossos, como se tivessem sido quebrados e malemolados.

O Padre João Manuel, com seus olhos cheios de compaixão e sua fé inabalável, tenta me ajudar. Ele reza, asperge água benta, fala de penitências e expiações. Mas a fé dele não consegue apagar a besta que habita em mim. Ele não entende. Ninguém entende.

A transformação é rápida, brutal. Um estrondo interno, ossos se partindo, pele se rasgando, músculos se contraindo e se expandindo numa agonia indescritível. A mente se apaga, a humanidade se esvai, e só resta a fera. A besta não pensa, não sente remorso. Ela uiva, caça, mata. Deixa um rastro de sangue e morte em seu caminho, um rastro que me assombra quando a maldição se quebra e eu volto a ser Jonas.

Não sei como me tornei um lobisomem. Se fui mordido, se fiz um pacto, se herdei a maldição… Não importa a origem. O fim é sempre o mesmo: a culpa. A culpa que me esmaga, que me sufoca, que me transforma num monstro ainda pior do que a besta que sou na noite da lua cheia. A culpa pelas vidas que tirei, pelas famílias que deixei destroçadas, pelas lágrimas que não consigo enxugar. A culpa de ser o monstro que habita em mim. E a angústia de saber que, quando a próxima lua cheia chegar, tudo começará de novo. E eu, mais uma vez, acordarei sem memória, banhado em sangue, carregando o peso da besta e a maldição da minha própria existência.

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