Seja através de livros ou de adaptações para outras mídias, desde pequenos conhecemos os contos dos irmãos Grimm. Escritos no século XIX por Jacob e Wilhelm, histórias como Branca de Neve e João e Maria foram baseadas em contos de camponeses, e publicadas em coletâneas a partir de 1812.
Os contos que conhecemos quando crianças, porém, são bem diferentes dos originais escritos pelos irmãos Grimm. Rapunzel engravida de seu príncipe, a rainha má da Branca de Neve é sua mãe biológica, planejando a morte de sua própria filha, e, em um conto menos conhecido, uma mãe está tão enlouquecida e desesperada que diz às filhas que terá de matá-las para ter o que comer. São essas versões macabras que estão reunidas no livro The Original Folk and Fairy Tales of the Brothers Grimm, por enquanto sem previsão de lançamento no Brasil.
Os irmãos Grimm publicaram a primeira edição de seus contos em dezembro de 1812, e uma segunda edição foi publicada em 1815. Outras seis edições foram publicadas, com os irmãos transformando os contos em histórias mais amigáveis, incluindo referências cristãs e removendo menções a fadas. A sétima edição, lançada em 1857, é a mais conhecida atualmente.
Notando que a primeira edição dos contos nunca havia sido traduzida para o inglês, Jack Zipes, professor emérito de Alemão e Literatura Comparativa da Universidade de Minnesota, decidiu fazer ele mesmo a tradução. A versão de Zipes das 156 histórias originais foi lançada pela Princeton University Press, com ilustrações de Andrea Dezsö, e mostra um lado bem diferente dos contos mundialmente conhecidos, além de contar com novas adições.
How the Children Played at Slaughtering (Como as Crianças Brincavam de Abate, em tradução livre), por exemplo, mostra duas crianças brincando de ser açougueiro e porco. Assim, um dos meninos corta a garganta de seu irmão mais novo, apenas para ser apunhalado no coração por sua mãe enraivecida. Infelizmente, ao atacar o menino, a mãe havia deixado seu outro filho sozinho na banheira, onde ele se afogou. Incapaz de ser animada pelos vizinhos, a mãe se enforca. Quando seu marido chega em casa, fica tão desesperançado que acaba morrendo pouco tempo depois.
Já em The Children of Famine (Os Filhos da Fome, em tradução livre), uma mãe ameaça matar suas filhas porque não há mais nada para comer. As meninas oferecem fatias de pão, mas não conseguem enganar a fome. “Vocês devem morrer, ou então nós vamos morrer aos poucos”, ela diz às filhas. Sua solução: “Nós vamos nos deitar e dormir, e não vamos acordar até que chegue o Dia do Julgamento”. Assim elas fazem, “e ninguém conseguiria acordá-las. Enquanto isso, sua mãe partiu, e ninguém sabe para onde ela foi”.
Enquanto isso, Rapunzel se entrega a seu captor quando, depois de se divertir na torre com seu príncipe, pergunta: “Me diga, Mãe Grothel, por que minhas roupas estão ficando apertadas? Elas não me servem mais”. As madrastas da Branca de Neve e de João e Maria eram, originalmente, suas mães, afirmou Zipes, acreditando que os Grimm fizeram a mudança em edições posteriores porque “consideravam a maternidade sagrada”. Assim, e a própria mãe da Branca de Neve quem ordena que o caçador “a apunhale até a morte e traga de volta seus pulmões e seu fígado como prova de seu feito. Depois, eu vou cozinhá-los com sal e comê-los”, e é a mãe de João e Maria quem os abandona na floresta. Zipes especula que estas mudanças aconteceram como “reflexo de uma condição sociológica que existiu naquela época: inveja entre uma madrasta jovem e sua enteada”.
No conto de Cinderella, suas meias-irmãs foram longe ao tentar conquistar o coração do príncipe, cortando partes de seus pés para conseguirem calçar o sapato de cristal. Não adiantou, já que o príncipe percebeu o sangue escorrendo pelo sapato. “Aqui está uma faca”, a mãe delas instiga, “Se o sapato ainda for muito apertado, corte um pedaço do seu pé. Vai doer um pouco, mas o que importa?”.
De acordo com Zipes, entre 40 e 50 contos da primeira edição foram excluídos ou drasticamente alterados até a sétima edição. “A edição original não foi publicada para crianças ou para leitores em geral. Foi apenas depois de publicarem duas edições para adultos que os Grimm mudaram de atitude e decidiram produzir uma edição mais curta para famílias da classe média, excluindo todas as que poderiam ofender sua sensibilidade religiosa”.
De acordo com o professor, as histórias originais estão mais próximas da tradição oral, e são mais “bruscas, dinâmicas e radiantes”. Ele acredita, porém, que os contos ainda são histórias próprias para se contar antes de dormir. “É hora dos pais e editores pararem de estupidificar os contos dos Grimm para as crianças”, Zipes falou ao The Guardian. “Os Grimm acreditavam que os contos emanavam naturalmente das pessoas e podiam ser apreciadas por adultos e crianças. Se há algo ofensivo, os leitores podem decidir o que ler ou não. Nós não precisamos de críticos puritanos para nos dizer o que é bom ou ruim para nós”.
Lucas, o livro que você citou não é igual ao da matéria.
Essa edição brasileira realmente é linda, mas as histórias estão em sua versão refeita PARA CRIANÇAS.
Ambos os livros (o seu e o da matéria) têm um conteúdo original e integral, escrito pelos próprios Grimm – e isso é muito bom.
Mas são diferentes pois os Grimm fizeram versões diferentes das mesmas histórias.
Bacana sua entrevista com o tradutor.
Deve ter sido difícil pra caramba conseguir conversar com ele, né?
Bem, já existe uma versão igual a esta no Brasil, lançada pela CosacNaify.
Chama-se CONTOS MARAVILHOSOS INFANTIS E DOMÉSTICOS , é uma edição linda de capa dura.
^^