Dissecando o Medo #8: As Lágrimas da Chorona

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Vem do México os principais pesadelos infantis. Se você pensa na Bloody Mary ou na Loira do Banheiro quando está com os amigos na iluminação de uma fogueira, é porque nunca parou para pensar no Cuco ou na Chorona antes de dormir. Diferente de outras lendas conhecidas, estas são mais relacionadas ao medo infantil, aquele temor que os pequenos têm que a “Cuca vem pegar” ou que uma mulher irá roubá-lo de sua mãe. A primeira é a mais conhecida principalmente pelo desenvolvimento de variações como “o homem do saco“; já a segunda voltou aos holofotes com o lançamento do filme A Maldição da Chorona, como parte da franquia Invocação do Mal. O que é esta assombração e o que temos como referência? É o que você saberá hoje novo episódio de Dissecando o Medo: As Lágrimas da Chorona.

As Primeiras Lamúrias

Pouco se sabe sobre sua origem. Como as lendas costumam se misturar ou se dividir em relatos menores, fica até difícil identificar um começo, um ponto de partida. O que se sabe é que se trata de uma mulher, outrora bela e feliz, de longos cabelos negros caídos sobre um vestido branco, que caminha à beira de rios e riachos em busca de crianças para afogar, enquanto chora diante das sepulturas úmidas. Esse é o detalhe em comum em todas as histórias contadas para os pequenos. Talvez, possa ser uma forma usada pelos pais para impedir que seus filhos façam duas coisas: deem atenção para estranhos e cheguem próximos a rios sozinhos. Muitas das lendas tem esse propósito de servir de alerta, a partir do medo, o que – já discutimos anteriormente – demonstra ser um caminho covarde para a educação, restando traumas e terrores noturnos.

Em um relato mais completo – e usado no filme de Michael Chaves -, essa assombração um dia foi a camponesa Maria. Moradora de um vilarejo humilde, sua beleza sempre atraiu a atenção dos homens, sejam eles ricos ou pobres. Sempre usando vestidos longos e com um sorriso natural, ela teria se relacionado com um homem rico por quem se apaixonou profundamente, recebendo constantemente os mais variados mimos. Dele, ela teve dois filhos, bastante amados por ambos, ainda mais pelo rapaz. Algumas variações da história dizem que ninguém sabia quem era o pai da criança, e a mãe gostava de se exibir para os homens da região, o que causou uma distração com a morte de um deles afogado. É incrível como esta versão tem uma relação direta com o surgimento de Jason Voorhees, da série Sexta-Feira 13!

Mas, voltando ao relato mais conhecido: após a oficialização do casamento, o marido de Maria passaria a ter um outro comportamento. Voltando à bebida e às mulheres, ele passava dias fora de casa, sem se importar com a esposa, apenas retornando de vez em quando para ver os filhos. Por conta dessa atitude – muito comum em muitos casamentos hoje em dia -, Maria passou a culpar os pequenos pelas atitudes do pai, imaginando que, se eles morressem, de certa forma, ela conseguiria se vingar do marido. Eram apenas pensamentos. É claro que ela não seria capaz de fazer algo contra seus amados filhos.

No entanto, certa noite, enquanto passeava com os filhos por um caminho sombrio ao lado de um rio, seu marido surgiu em uma carruagem ao lado de uma bela dama. Ele parou para conversar com os garotos, mas ignorou completamente Maria até mesmo na hora de partir. Profundamente ferida pela atitude e tomada pelo ódio, Maria pegou os filhos e os jogou nas correntezas do rio. Quando percebeu a bobagem que fez, ela correu atrás para salvá-los, mas já era muito tarde. Destruída pela tragédia, naquela mesma noite triste, Maria foi vista na região gritando e lamentando pelo que havia feito.

Não se alimentava mais. Saía dia e noite rondando o rio, chorando pelos filhos com a esperança de reencontrá-los. Seu vestido branco, agora sujo e rasgado, já não a tornava mais bonita, devido a um semblante de tristeza imensa, uma magreza esquelética, com marcas das lágrimas, descendo pelo rosto. Foi assim que Maria foi encontrada morta, com os olhos abertos e lacrimosos. Há versões que dizem que ela teria também se jogado no rio, mas a mais comum envolve a sua morte causada por uma tristeza inconsolável. Assim, com o seu falecimento, nasce a lenda da Chorona (llorona)!

Um período curto após a sua morte, ela continuou sendo vista às margens do rio Santa Fé. Quando não aparecia como um vulto lento e observador, era possível ouvir seu choro. A maldição da Chorona fazia as pessoas evitarem regiões próximas ao rio e até mesmo sair de casa à noite. Muitas vezes, ela era vista flutuando sobre as árvores ou sobre o rio, com o vestido tocando as águas. Devido à quantidade de avistamentos na região, ninguém mais se lembrava de Maria, mas daquela que estava sempre chorando em busca de seus filhos. A Llorona assombrava as crianças do vilarejo e das cidades próximas. Começaram a surgir relatos de outras crianças que foram encontradas mortas na região, vítimas da Chorona, que, raptava-as até perceber que não eram seus filhos e, então, afogava-as.

Entre as variações da lenda, há aquelas que dizem que ela mata qualquer pessoa que se aproxima dela, seja criança, homem ou mulher. Também existem versões que dizem que ela mata simplesmente a pessoa que ouvir seu choro, mesmo que não a veja; e há algumas mais sangrentas, falando até sobre seu interesse em beber o sangue de suas vítimas. Como se pode notar, com o tempo a lenda acaba se misturando com outras como o próprio vampirismo, dando á assombração até mesmo a capacidade de visitar famílias e marcá-las com suas lágrimas de fogo.

Choro verdadeiro?

Uma das histórias “reais” envolvendo a Chorona aconteceu com uma família que morava numa cidade entre Mora e Guadalupita, no Novo México. Patricio Lugan era garoto quando ele e seus pais viram a entidade, enquanto estavam sentados conversando do lado de fora sua casa rural. Eles viram uma mulher alta e magra, caminhando ao lado do riacho até que começou a flutuar sobre as águas, subiu a colina e desapareceu. Estranhando o ocorrido, a família Lugan ainda a veria mais próximo deles até desaparecer novamente. Não havia pegadas, rastros. Eles não tinha dúvidas de que aquela era a tal Llorona do folclore, passando o restante da noite em oração até se afastar definitivamente do local.

A Chorona continuou sendo vista em outras regiões, ampliando sua força assombrosa. Diziam que ela costumava visitar famílias que não se davam bem, com o propósito de lhes dar uma lição. Para exemplificar essa Chorona moralista, há um outro caso conhecido envolvendo o pequeno Epifânio Garcia. O menino costumava brigar muito com os pais, sendo considerado “respondão” e mal educado. Após uma nova discussão acalorada, Epifânio uniu-se aos irmãos Carlos e Agostinho e fugiram do rancho Ojo de La Vaca em direção a Villa Real em Santa Fé. No caminho, avistaram uma mulher alta com uma rede preta sobre o rosto. Dois deles, à frente da carroça, viram o momento repentino em que ela apareceu e se sentou ao lado de Epifânio em silêncio. Aterrorizados, eles resolveram retornar para casa, lembrando das palavras daquela estranha: “Vou voltar a visitá-los um dia, quando discutirem com sua mãe.

E há também testemunhas de um choro estridente sendo ouvido nos corredores do edifício PERA (Associação Pública de Empregados Aposentados), construído sobre o que antes havia sido um cemitério espanhol-indiano em Santa Fé. Muitos dos residentes dizem ter ouvido o choro assustador da Llorona, assim como suas mãos frias, empurrando-os do alto de escadas. Com o tempo, ela passou a assombrar outras regiões pelo sudoeste e até o norte de Montana, às margens do rio Yellowstone. Sua popularidade cresceu com as histórias contadas pelos pais para manter seus filhos nos eixos, sem discutir por bobagens, sem buscar uma independência antes da hora.

Mais Mimimi

A busca incessante por seus filhos se espalhou pelo mundo e traçou novas maldições e lendas, mostrando o quanto a tristeza pode ser bastante perigosa. A lenda também é associada a La Malinche, a mulher Nahua que serviu como intérprete e amante de Hernán Cortés e lhe deu um filho, para depois ser abandonada para que ele pudesse se casar com uma espanhola. Não há evidências de que ela tenha matado seus filhos, mas ela se vingaria nos mesmos moldes que Maria. Também há conexão com o Chumash do sul da Califórnia; e até mesmo o conto grego da semideusa Lâmia além de Medeia, que matara os dois filhos que tivera com o argonauta Jason, depois que ele a deixou por outra mulher.

O que se encontra de similar em todas essas outras versões é a questão da traição afetando diretamente os filhos. A mulher traída encontra uma maneira de afetar o adúltero, tirando dele aquilo que mantém a conexão do casal. Pode-se dizer que essa situação de violência doméstica é bastante comum, mas não pode ser apenas associado a uma ação das mulheres. Uma simples pesquisa na internet e você encontra diversos casos de homens que cometeram a mesma atrocidade ao descobrir que a mulher tinha um amante. Nada justifica uma ação de traição levar a uma de violência, ainda mais quando a vítima é a criança que não tem culpa das infidelidades de seus pais.

Lágrimas nas telas

A lenda da Chorona ganhou força em publicações e adaptações. Uma das mais conhecidas é do Chapolin Colorado em sua primeira temporada, episódio 12. Vestindo roupas pretas, ela aparece clamando pelos filhos em um cemitério, exigindo as astúcias do atrapalhado e medroso Chapolin, até a revelação de que se tratava de uma maneira de testar a coragem do herói.

Já a primeira versão para as telas veio exatamente do México, em seu primeiro filme de terror. La Llhorona, de 1933, trazia a morte de um homem após ouvir o choro da assombração, sendo examinado pelos médicos com a crença de que a vítima apenas sofrera um enfarte. Na mesma noite, uma reunião familiar para a festa de uma criança termina um desaparecimento, e assim, o longa, em preto e branco e som estourado, traz a origem do fantasma, servindo como um belo exemplar do cinema histórico. O filme pode ser encontrado completo no youtube:

Em 1963, A Maldição da Chorona veio com mais um curioso exemplar mexicano. Desta vez, não há relação com crianças desaparecidas; ela é uma bruxa, morta com uma lança. Uma descendente planeja uma maneira de trazê-la de volta com o intuito de adquirir poderes e a vida eterna. Trata-se de uma história gótica, com bastante similaridade com outras produções como Frankenstein, mas com muitas limitações técnicas.

Em 2007, o péssimo thriller mexicano J-ok’el traria novamente a Chorona em ação. No enredo, um americano viaja até uma cidade de Chiapas, México, chamada San Cristobal de las Casas, para ajudar sua mãe após o sumiço de sua meia-irmã. Parece que o mistério envolve a lenda de uma mulher que rouba crianças e é reconhecida pelo choro.

A Chorona também apareceu no nono episódio da segunda temporada da série Grimm, como uma entidade que rapta três crianças em lugares distintos durante o Halloween com a intenção de sacrificá-las num ponto em que há o encontro de três rios. Já no episódio piloto de Supernatural, em 2005, Sarah Shahi interpreta a mulher de branco Constance Welch, que afogou os filhos na banheira depois de descobrir a infidelidade do marido. Depois ela se suicidaria, atirando-se de uma ponte sobre um rio.

Há referências de a Chorona no filme mexicano de 1973 Leyendas macabras de la colonia. E também na animação La Leyenda de la Llorona, com um teor mais infantil e menos assustador.

Como se pode perceber, a lenda já foi bastante explorada nas telas. Mas, realmente faltava uma versão que pudesse torná-la mais conhecida e permitir a sua fácil inclusão entre os monstros do cinema. E a estreia de A Maldição da Chorona talvez possa suprir essa falta e despertar outras assombrações e lendas menos conhecidas, mas não menos assustadoras.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

4 thoughts on “Dissecando o Medo #8: As Lágrimas da Chorona

  • 20/04/2019 em 13:25
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    É curioso como a mídia em geral ignora solenemente o ótimo Kilometro 31, de 2006

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    • Avatar photo
      20/04/2019 em 18:28
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      Oi, Aldo! Esse filme não será ignorado, pelo contrário. Terá uma review própria, em breve.

      Aliás, você viu a parte 2?

      Abs

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  • 19/04/2019 em 23:43
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    Sempre achei curiosa essa lenda da Chorona, sempre quis saber mais a fundo a origem da lenda, por isso, achei bem explicativa a matéria. Ao ler a parte que fala sobre as menções dessa lenda na mídia televisiva, lembrei que a Chorona também foi citada em um episódio duplo do Chaves onde vários personagens tem ataques de sonambulismo. Há um momento que o Chaves é questionado se tem medo de fantasmas, ele nega, e só afirma que tem medo da Chorona. Quando ele termina de falar, aparece a Bruxa do 71 sonâmbula no pátio e é confundida com a lenda, causando grande confusão!

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  • 19/04/2019 em 21:00
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    Ainda bem que só a vi no cinema rsrs. Acho que fizeram até que uma boa versão sobre essa lenda, mas fica a dica: na dúvida não traía e não deixe seus filhos perto de algum rio sozinhos rsrs.
    Ps.: bons tempos da série Supernatural.

    Resposta

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