A bipolarização do mundo político, comum há muito tempo em diversos países, e que se tornou mais evidente nas últimas décadas no Brasil, é o tema central da sétima temporada de American Horror Story. Um tema “perigoso” até para escrever a respeito, uma vez que, se você deixar algum rastro de posicionamento político, mesmo que argumentado, de qualquer forma será visto como tendencioso, com grande chances de ser “cancelado” ou até sofrer ameaças virtuais. Assim, ao mostrar a obsessão de eleitores por uma ideologia, os criadores, Ryan Murphy e Brad Falchuk, expõem de maneira inteligente um terror palpável e bastante assustador, com a mensagem: independente de suas escolhas, o fanatismo político é o delineador de cultos macabros e tendências homicidas.
O primeiro episódio, “Election Night“, foi ao ar em 5 de setembro de 2017, menos de um ano após as eleições presidenciais que determinaram o destino da América, e antes das que envolveriam o Brasil, entrelaçadas pelas decisões nas urnas. O resultado americano, com a vitória de Donald Trump, já trouxe consequências psicológicas a vários personagens como o obcecado Kai Anderson (Evan Peters em sua melhor performance em todas as temporadas) e Ally Mayfair-Richards (Sarah Paulson, voltando a se destacar), esposa de Ivy (Alison Pill). A derrota nas urnas desperta medos contidos de Ally, que sofre de coulrofobia (medo de palhaços), assim como de buracos e sangue, tendo uma relação direta com os interesses de seu filho Oz (Cooper Dodson) pelos quadrinhos do palhaço Twisty (John Carroll Lynch), um dos melhores acertos de Freak Show.
Enquanto Kai começa a traçar planos políticos, envoltos em insanidade com citações aos “medos” que a sociedade sente, Ally começa a ser aterrorizada por palhaços e pessoas mascaradas, em caracterizações de dar inveja aos que desenvolveram as feições de Os Estranhos. São estes que, aparentemente, invadem a moradia em frente e assassinam a família do vereador Tom Chang (Tim Kang), abrindo uma vaga na Câmara Municipal e deixando um desenho na parede, dando indícios de uma possível loucura de Ally. Estaria realmente acontecendo como ela e o filho andam percebendo? É o que não acredita seu psiquiatra, Dr. Rudy Vincent (Cheyenne Jackson), na indicação de medicamentos para ansiedade e controle. Com a descrença de Ivy, a situação se intensifica com a chegada da babá Winter (Billie Lourd), desvirtuando o pequeno Oz.
Kay provoca um grupo de hispânicos para provar suas convicções sobre o medo. Seus discursos inflamam a sociedade, ao passo que os mascarados continuam aparecendo, seja para trazer transtornos para Ally, seja para confirmar os riscos de ameaça do candidato a vereador. Depois que o restaurante de Ally e Ivy, Butchery on Main, é palco de violência, o reflexo disso conduz a um incidente fatal com o funcionário Pedro Morales (Jorge-Luis Pallo), à medida em que os novos vizinhos, Meadow (Leslie Grossman) e Harrison Wilton (Billy Eichner), parecem ter algum envolvimento com o que anda acontecendo. Com os registros da repórter Beverly Hope (Adina Porter), mais corpos são encontrados, assim como vítimas, tendo uma conexão macabra com o insano Kai.
Depois que o modus operandi de Kai é revelado em flashback, a ideia de culto ganha força, envolvendo conspirações e um plano maior. Kai se aproxima de pessoas frustradas para lhes dar um norte, uma razão para lutar pelos seus propósitos, com promessas vazias de uma evolução espiritual e política. Acertadamente, o enredo traça paralelos explícitos com líderes religiosos que cometeram massacres e suicídios em massa, todos bem caracterizados por Evan Peters para evidenciar pontos em comum. Essa obsessão por um líder traz a raiz do terror, mostrando o quanto a ingenuidade e a falta de controle psicológico podem trazer riscos à sociedade. Não precisava dessa alegoria para ter essa visão assustadora, bastando acompanhar notícias (reais e produzidas) e qualquer fórum – aqui mesmo no Boca do Inferno você encontra vestígios desse posicionamento na configuração de um ódio por alguém que tenha uma escolha política diferente da sua.
American Horror Story: Cult mostra que não há limites para essa obsessão. E realmente não há. Pessoas reservam parte de seu tempo para ofender outras e expor ameaças no ambiente virtual, com citações a polos políticos e presidentes eleitos ou não. Dizer publicamente que você votou em determinada pessoa pode colocar sua vida pessoal em risco, mesmo que não traga pessoas mascaradas a sua casa ou trabalho. Kai representa bem tudo isso, justificando a admiração e consequente obsessão que sentem por ele. É bom quando uma série acrescenta a suas intenções de entretenimento reflexões sobre o mundo atual e o de outras épocas.
Bem realizada, com propostas de cultos diversos, como o Manifesto SCUM, Cult tem um recheio mais interessante que seu começo e fim. Ainda que dialogue menos com outras temporadas, a série soube passar seu recado através de alegorias que traduzem bem o fanatismo. Teve uma audiência menor – como era de se imaginar, com um cancelamento já no episódio inicial – e conquistou apenas três dos 25 prêmios aos quais foi indicada, todos relacionados a aspectos técnicos como efeitos de maquiagem. Foi o ano de destaque de Evan Peters, a partir de suas interpretações assustadoramente realistas e incômodas.