Galeria do Terror: Ar Gelado
Original:Night Gallery: Cool Air
Ano:1971•País:EUA Direção:Jeannot Szwarc Roteiro:Rod Serling, Lovecraft Produção:Jack Laird Elenco:Henry Darrow, Barbara Rush |
Boa noite, e bem vindos à exposição particular de três quadros, expostos aqui pela primeira vez. Cada um deles é um item de colecionador a sua própria maneira, não por causa de alguma qualidade artística especial, mas porque cada um captura, suspenso no tempo e espaço, um momento gelado de um pesadelo – Rod Serling
O escritor Rod Serling (1924 / 1975) é um dos grandes nomes que construíram a história do gênero fantástico, principalmente pela criação de duas das mais expressivas séries de televisão abordando elementos de horror, ficção científica, fantasia e suspense. Uma delas é a clássica e saudosa Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959/65), para a qual também escreveu 92 episódios. A outra série também relevante é Galeria do Terror (Night Gallery, 1970/73), onde escreveu roteiros para 35 episódios, e que teve um filme piloto chamado Retrato de Um Pesadelo (69), de onde veio a introdução narrada que está reproduzida no topo desta análise. O piloto é dividido em três episódios independentes e onde curiosamente um deles, Eyes (estrelado por Joan Crawford), foi dirigido por Steven Spielberg em sua estreia profissional.
Galeria do Terror tem o formato similar à anterior e bem mais famosa Além da Imaginação, com a exibição de 44 programas (incluindo o piloto) semanais de 60 minutos, que variavam entre dois até quatro episódios cada um, ou de 30 minutos com um único episódio, como no caso da terceira temporada.
Porém, enquanto The Twilight Zone abordava com mais intensidade histórias de FC e fantasia, os contos de Galeria do Terror, apresentados por Rod Serling através de representações de pesadelos em quadros de um museu antigo (daí o nome original de Night Gallery ou numa tradução literal, Galeria da Noite), estavam mais voltados para o horror e o sobrenatural, com temas predominantemente sombrios e mórbidos, apesar de existirem alguns episódios super curtos em forma de vinhetas com humor negro (aliás, bem sem graça), numa exigência infeliz do produtor Jack Laird e contra a vontade de Rod Serling.
Na verdade, Galeria do Terror não obteve o sucesso esperado e a resposta dos fãs foi bem inferior e insatisfatória, mas mesmo assim a série é muito boa e apresentou algumas histórias excelentes, inspiradas em escritores como H. P. Lovecraft, Robert Bloch, Algernon Blackwood, Richard Matheson, George Langelaan, A. E. Van Vogt e August Derleth, dirigidas por nomes como Steven Spielberg, Boris Sagal, Don Taylor e Jeannot Szwarc.
Os episódios são estrelados por uma infinidade de rostos conhecidos da telinha e dos cinemas, vistos em outras séries de TV como Jornada nas Estrelas, A Feiticeira, Jeannie é um Gênio, Perdidos no Espaço, S.W.A.T., O Homem Invisível, O Incrível Hulk, Batman, Viagem Fantástica, James West, Cimarron, Bonanza, A Família Robinson, e outras. Gente como Leonard Nimoy, Ross Martin, Burgess Meredith, Bradford Dillman, Victor Buono, Larry Hagman, Jonathan Harris, Adam West, Stuart Whitman, Steve Forrest, Bill Bixby, John Saxon, Jared Martin, David McCallum, David Carradine, Roddy McDowall, Dean Stockwell, Henry Silva, Chuck Connors, Fritz Weaver, Pernell Roberts, John Astin, Edward G. Robinson, Cameron Mitchell, Ray Milland, Leslie Nielsen, Sandra Dee, Susan Oliver, Kim Hunter, Diane Keaton e Agnes Moorehead. Tem até a participação do grande mestre do horror Vincent Price em dois episódios, A Classe de 99 e A Volta do Feiticeiro, além de John Carradine, que esteve em A Grande Surpresa, e a musa do horror Barbara Steele, em The Sins of the Fathers.
O cultuado escritor Howard Phillips Lovecraft (1890 / 1937) tem dois de seus fantásticos contos adaptados em episódios da série. O autor é consagrado por suas histórias macabras e pela criação de um complexo universo ficcional, os Mitos de Cthulhu, envolvendo a existência de antigas criaturas monstruosas e indizíveis, seres alienígenas que habitavam nosso planeta em tempos imemoriais e que estão apenas aguardando ocultos o retorno de seu poder.
Adaptar os contos de Lovecraft em forma de filmes foi um fato bem significativo na época, pois o autor começou a ser adaptado para as telas apenas em 1963 com O Castelo Assombrado (The Haunted Palace), ou seja, apesar dele ser bem conhecido e respeitado pelo público, tinham sido poucas até então as adaptações em filmes de sua obra literária. Atualmente, Lovecraft pode ser considerado um escritor com muitos filmes baseados em suas histórias (cerca de 30 adaptações, entre contos originais e utilização de seus personagens), figurando ao lado de Stephen King, Edgar Allan Poe e Clive Barker como os mais filmados pelo cinema de horror.
As histórias são O Modelo de Pickman (Pickman’s Model) e Vento Frio (Cool Air), ambas escritas em 1926, que aliás são excelentes ideias e que foram muito bem adaptadas para o formato da televisão. O objetivo desta análise é abordar o episódio Ar Gelado (recebeu esse nome na TV brasileira), que foi exibido uma vez em 1989, através da Rede Bandeirantes, nas madrugadas perdidas de dias de semana, numa tarefa super difícil para os colecionadores acompanharem e conseguirem gravar cópias em vídeo VHS. Aliás, como Galeria do Terror era a última atração a ser exibida pela emissora, o horário nunca era o mesmo, e girava em torno de 3 horas da madrugada, logo após um programa chato de entrevistas com personalidades da noite e frequentadores das colunas sociais de revistas, apresentado pelo conhecido Amaury Junior. Ou seja, todo dia era necessário ficar aguardando o programa acabar para poder gravar os episódios narrados por Rod Serling, numa tortura desgastante, e valorizando ainda mais a coleção.
É muito difícil enfocar esse episódio sem revelar importantes spoilers, portanto para quem não viu ainda e não quer saber os detalhes reveladores, a sugestão é não ler as informações que seguem abaixo. Mas se você já teve o prazer de assistir ou não viu ainda mas está curioso e tem dificuldade em conseguir uma forma de ver esse episódio em particular, prepara-se então para visitar a Galeria da Noite e sentir um Ar Gelado percorrer por sua espinha…
O episódio é do programa número 18, pertencente à segunda temporada, exibido pela primeira vez nos EUA em 08/12/71. Mostra um cientista espanhol, Dr. Juan Muñoz (Henry Darrow), envolvido em experiências de vida artificial. Ele vivia isolado numa pensão em New York e em seu quarto a temperatura sempre estava em torno de treze graus célsius, mantida regular através de máquinas de refrigeração. Porém, certa vez ele recebe a visita inesperada da filha de um antigo colega (interpretada por Barbara Rush) que se apaixona por ele, enquanto uma pane em um dos motores impossibilitou manter a temperatura baixa, trazendo graves consequências para o cientista, que começou literalmente a derreter de forma gradual.
Na verdade, ele já havia morrido há 10 anos (no filme), ou 18 anos (no livro), e se mantinha vivo graças somente à baixa temperatura de seu apartamento. Os órgãos internos já haviam cessado de funcionar mas a carne exterior ainda se mantinha firme. No filme, ele morre definitivamente ao se trancar no banheiro com vários quilos de gelo, na esperança de manter a temperatura nos moldes mínimos, o que ainda assim tornou-se insuficiente e ele se transformou num cadáver esquelético.
Curiosamente, no livro o cientista derrete literalmente aos poucos, formando uma trilha de carne derretida do banheiro até um sofá, num destino muito parecido com o que aconteceu ao astronauta Steve West (Alex Rebar) em O Incrível Homem Que Derreteu (The Incredible Melting Man, 77), quando ao retornar de uma viagem espacial à Saturno ele contraiu um vírus que causava a degeneração dos tecidos humanos, transformando o homem vagarosamente numa massa disforme e pútrida de carne e sangue.
Um detalhe interessante foi a inscrição na lápide da sepultura do Dr. Muñoz, na cena final passada no interior de um cemitério: Nasceu: 1877, Morreu: 1913 e (1923). O cientista conseguiu o incrível feito de morrer duas vezes…
Ar Gelado explora aquele velho e conhecido argumento básico do cinema fantástico onde um homem da ciência torna-se vítima de suas próprias descobertas, transformando-se geralmente num monstro ameaçador para a humanidade. Nesse caso, o cientista teve que enfrentar as graves consequências de suas experiências pagando um alto preço pela ousadia em tentar prolongar sua existência artificialmente fugindo da inevitável morte, ao se tornar de forma dolorosa um aglomerado de fluídos em decomposição. Mas, por outro lado, e defendendo a iniciativa desses homens intrépidos, fica uma interessante questão: o que seria dos divertidos filmes de FC & Horror sem esses cientistas loucos?
Curiosamente, o conto Vento Frio também foi adaptado num filme em formato de antologia produzido em 1994, sendo uma das três histórias de Necronomicon, o Livro Proibido dos Mortos (Necronomicon). Com direção de Shusuke Kaneko, roteiro de Kazunori Ito e Brent V. Friedman, e com o nome original de The Cold, a história de Lovecraft teve alterações recebendo elementos novos, mostrando um cientista em meio a experiências de prolongamento da vida. O Dr. Richard Madden (David Warner), auxiliado pela assistente Lena (Millie Perkins), descobriu uma forma de enganar a morte, utilizando-se de um soro composto pelo líquido espinhal das pessoas. Mas para manter-se eterno, precisa viver enclausurado num apartamento com temperatura baixíssima, e coletando espécimes à força para a extração do líquido espinhal. Os problemas começaram a surgir quando uma jovem garota (Bess Meyer) conhece o cientista e inicia um relacionamento, chegando a engravidar. Após a morte (verdadeira) do Dr. Madden, numa cena de derretimento fantástica, a garota continua as experiências de seu amante. O episódio tem grandes diferenças em relação ao da série Galeria do Terror, principalmente pela apresentação de violência explícita e ótimos efeitos especiais, coordenados pela dupla de especialistas Tom Savini e o japonês Screaming Mad George.
O fim chegou… Fica cada vez mais quente e os tecidos não poderão durar mais… Houve uma deterioração gradual que eu não previra… E os órgãos jamais voltariam a funcionar novamente. Tinha de ser feito a minha maneira (preservação artificial), pois vês: eu morri naquela época, há 18 anos. – depoimento do cientista Dr. Juan Muñoz, extraído do conto Vento Frio
(Cool Air), de H. P. Lovecraft
Série incrivel e com uma qualidade de som e imagem muito boa.