Screamers – Assassinos Cibernéticos (1995)

4.7
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Screamers (1995) (4)

Screamers - Assassinos Cibernéticos
Original:Screamers
Ano:1995•País:Canadá, EUA, Japão
Direção:Christian Duguay
Roteiro:Philip K. Dick, Dan O'Bannon, Miguel Tejada-Flores
Produção:Franco Battista, Tom Berry
Elenco:Peter Weller, Roy Dupuis, Jennifer Rubin, Andrew Lauer, Charles Edwin Powell, Ron White, Michael Caloz, Liliana Komorowska, Jason Cavalier

Screamers – Assassinos Cibernéticos (Screamers, 1995) é outra adaptação baseada num dos trabalhos curtos de Philip K.Dick: “Segunda Variedade” (“Second Variety”), publicado originalmente em maio de 1953 na revista “Space Science Fiction” e posteriormente incluído nas principais coletâneas de histórias do autor, tornando-se um de seus contos antigos mais conhecidos e apreciados.

A história poderia ser resumida como um pesadelo darwiniano cibernético: a ação se passa numa França em ruínas (daí o título original do conto), depois de toda a Europa devastada pela Terceira Guerra Mundial, quando os grandes países envolvidos na Guerra Fria chegaram definitivamente às vias de fato e se exterminaram mutuamente. No meio da total devastação, americanos e russos ainda se esbofeteavam miseravelmente, mas os russos estavam ganhando – haviam praticamente devastado a América do Norte com seus poderosos mísseis nucleares. Os americanos, é claro, reagiram ferozmente, alimentando a ideia de que os russos é que haviam começado, mas pouco puderam fazer para remediar a situação, exceto emigrar para a Lua e ali estabelecer uma base estratégica. Mas a coisa começou a mudar de figura quando eles – os ianques – inventaram as garras-robôs, pequenas esferas de metal dotadas de lâminas mortais, auto-suficientes. Eram produzidas na Terra, nas antigas fábricas de mísseis, agora praticamente esquecidos.

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No início as garras eram toscas, facilmente detectáveis e eliminadas, mas com o tempo seu desenvolvimento foi ficando cada vez mais sofisticado e complexo, acabando por se tornarem uma arma decisiva para os americanos, baseados na Lua. Acontece que mesmo os americanos, depois de seis longos anos de disputas sangrentas, começaram a perceber a ameaça cada vez maior representada pelas garras-robôs, pois acabaram se tornando completamente independentes e auto-suficientes, fabricando-se a si mesmas aos milhares nas imensas fabricas subterrâneas, longe da desnecessária supervisão humana; passaram, por iniciativa própria – Deus sabe quando e por que – a se auto-aperfeiçoarem.

A única coisa que protegia o ser humano das garras era uma pulseira emissora de radiação, capaz de bloquear temporariamente e a uma certa distância o seu mecanismo: sem essa pulseira, era indiferente para as garras o uniforme utilizado pelo humano. Foi quando os seres humanos – russos, americanos e de qualquer outra nação – perceberam que a guerra já estava praticamente ganha – pelas malditas máquinas, quem diria!

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No entretempo, uma das frentes de comando russas pede tréguas para os americanos através de um soldado que, desafortunadamente, vira picadinhos miúdos num oceano brilhante de lâminas afiadas – mas consegue fazer chegar seu recado: os vermelhos pedem um representante político de alta patente para a discussão de um possível armistício. O major Hendricks decide ir. No caminho ele encontra um garotinho solitário, David, que o acompanha. Mas, chegando a casamata russa, David é impiedosamente destruído pelos soldados vermelhos. Descobre-se, então, que o pirralho não passava de um androide ultra-sofisticado, só esperando uma oportunidade de entrar em locais de grande concentração humana para iniciar uma carnificina sangrenta e rápida. Os soldados contam a um estupefato Hendricks que David era um dos novos modelos de exterminadores, fabricado às centenas e completamente idênticos, classificados como “variedade três”. A “variedade um” é representada por uma espécie de “soldado ferido”, também fabricado às centenas para enganar e penetrar em possíveis postos de comando humanos. Esses novos modelos aperfeiçoados não são afetados pelas pulseiras de radiação. O socialismo perfeito – e terrível – na visão xenofóbica de Philip Dick.

A pulga atrás da orelha surge quando, entre os humanos, todos desconhecidos entre si, cogita-se quem, diabos, poderia ser a misteriosa “variedade dois”. Essa mesma variedade dois que, uma vez chegando a base lunar, o único local teoricamente livre dos assassinos cibernéticos, poria um fim definitivo na esperança humana de remediar a situação e fazer frente à máquina, numa batalha pela posse do planeta. A partir daí é que Dick entra em seu elemento preferido, explorando a paranoia e o pavor de uma situação bem característica de sua ficção, até culminar num final que, se não chega as ser inteiramente imprevisível, surpreende pelo tom amargo com que imprime a frágil condição humana tanto do ponto de vista individual quanto coletivo; o homem insistindo em sua própria destruição mesmo em frente a perigos maiores com os quais voltar sua energia. E ele não se restringe ao homem: cria androides que, uma vez dado o passo crucial para a evolução, passam a destruírem-se a si próprios, como verdadeiros seguidores de uma seleção natural impiedosa.

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Rodado no Canadá e ali recebendo o sofisticado título de Screamers – Larmée Souterraine, Assassinos Cibernéticos é uma capitulação quase literal desse famoso conto apocalíptico, chegando às telas numa colaboração Canadá/Estados Unidos/Japão e numa produção modestíssima dirigida por Christian Dugway, a partir do roteiro de Dan O‘Bannon e Miguel Tejada Flores. É um filme pouco conhecido e bastante criticado, embora tenha virtudes suficientes para dar ainda mais consistência à teoria de que Dick, até agora, está sendo incrivelmente bem aproveitado pelo cinema. Uma de suas virtudes, por exemplo, é o fato de ser bastante fiel ao conto, embora transfira a ação da Terra devastada em decorrência de uma Guerra Mundial para um planeta distante envolvido em disputas político-comerciais. Outra virtude é proveniente de uma fraqueza: a boa qualidade de seu rendimento cênico em vista de seu orçamento vergonhoso.

Agora estamos no ano de 2078, numa gigantesca colônia de mineração no planeta Sirius 6B, outrora dominado pela mega corporação do Novo Bloco Econômico (NBE), que controla a mineração de todos os sistemas solares. No planeta foi descoberto o berínio, a solução para a crise mundial de energia; o problema é que a substância emitia doses letais de radiação e poluição, obrigando a Aliança, uma importante federação de mineiros e cientistas, a exigir o término imediato das operações no planeta. A reação do NBE foi declarar guerra total à Aliança, fazendo ressurgir, na Terra, uma nova espécie de Guerra Fria entre os poderosos, mas por enquanto limitada somente a Sirius 6B. É desnecessário dizer que, nesse caso, os vilões antiecológicos do NBE representam os russos, enquanto a Aliança, misteriosamente desprezando as riquezas infinitas propiciadas pelo berínio em favor do bem estar do planeta e de seus colonos, se faz passar pelos americanos, os mocinhos da história. Mas não demora muito e descobrimos que essa visão, é óbvio, não passa de uma ilusão completamente ridícula em sua falta de precedentes: a guerra estava simplesmente sendo transferida de Sirius 6B para Triton 4, sem que os colonos do primeiro planeta soubessem de nada. Abandonados e descartados numa jogada política de interesses comerciais, agora a única coisa que têm a fazer é lutar com a ameaça mortal que eles mesmos criaram para ganhar a guerra contra o NBE: os assassinos cibernéticos “screamers”, mortíferas garras-robôs que se auto-aperfeiçoaram nas gigantescas fábricas abandonadas do planeta. São chamados de “screamers” porque, quando descobertos, eles literalmente gritam, para assustar aos humanos e chamar a atenção de outros androides.

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Fora esse expediente absolutamente normal de atualização temática, o filme segue bastante fiel ao extraordinário conto de Philip Dick, reproduzindo até mesmo passagens inteiras de diálogos e situações, com um inspirado Peter Weller (Robocop – O Policial do Futuro) encabeçando e conduzindo firmemente um elenco formado exclusivamente por desconhecidos. Se no conto vemos um exercício habilidoso de neurose e paranoia (elementos que se tornariam cada vez mais constantes na obra do autor), tendo como pano de fundo uma crítica costumeira à Guerra Fria – então no auge de sua postura como fonte inspiradora aos escritores, principalmente, de ficção científica – na transição do roteiro para a tela essas ideias se tornam menos declarações que ecos, num pano de fundo ecológico que, se não chega a convencer como autêntico, ao menos se esforça para não parecer demagógico – como seria de se esperar numa produção barata feita com seriedade: centra-se apenas naquilo que no próprio conto era a matéria principal, ou seja, as máquinas assassinas. Quanto aos aspectos técnicos, o filme se equilibra modestamente entre o bom e o regular, tendo até mesmo alguns momentos inspirados, dada a sua precariedade de grana; as imagens externas do planeta Sirius 6B são muito boas, e os técnicos não se furtam em utilizar à vontade a nostálgica e hoje obsoleta técnica “stop-motion” (quadro a quadro) para dar vida a seus pequenos robôs, numa era onde os recursos de computação gráfica já haviam revelado coisas como O Exterminador do Futuro II – O Julgamento Final (Terminator 2: Judgment Day, 1991) e O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993), ambos considerados divisores de água no que se refere a efeitos especiais.

De verdadeiramente negativo mesmo nessa produção, encontra-se seu final medíocre, diferente daquele imaginado por Dick e completamente deslocado do resto da ação; é verdade que o ursinho de pelúcia do garoto-robô David sugere um final pessimista, depois de, na última sequência, se revelar como um outro tipo de variedade, agora em direção a Terra (embora seja difícil de engolir que um pequeno ursinho, mesmo dotado de garras mortíferas e más intenções, possa fazer algum estrago realmente significativo), mas aquela história da androide Jéssica (Jennifer Rubin) se apaixonando pelo herói da história e até mesmo ajudando-o na fuga soa como algo forçado demais, não condizente com a atmosfera da história e muito menos com o universo do autor. Um triste detalhe que impediu esse filme de se tornar mais conhecido e, talvez, um pequeno clássico da produção B. Parece que são poucos os que entendem Dick verdadeiramente – e ainda menos os que entendem os figuras envolvidos com o cinema.

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E R Corrêa

"No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!" (Cioran)

2 thoughts on “Screamers – Assassinos Cibernéticos (1995)

  • 07/07/2015 em 22:00
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    Um dos meus filmes favoritos das madrugadas. não sabia que ra um conta de L Dick. E sim, o final com “Androide in love” foi o fim, mas adorei a cena do ursinho..hehe

    Qual era o final do conto, alias?

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    • 19/11/2021 em 00:35
      Permalink

      No final do conto original, a androide “Jessica” (não me lembro o nome no livro) convence o major a deixá-la entrar na cápsula de resgate e partir para a base lunar para pedir ajuda. Ele deixa e, assim que ela parte, ele é cercado por androides da “Segunda Variedade”: todos com a aparência dela. Foi assim que ele percebeu que era uma armadilha. Porém, antes disso, ela mata um androide da “Quarta Variedade” supostamente para proteger ele. Essa é a ligação da resenha com o conto: os androides ficam cada vez mais humanos quando começam a se matar…

      Resposta

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