Eles Voltaram (2004)

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Eles Voltaram
Original:Les revenants
Ano:2004•País:França
Direção:Robin Campillo
Roteiro:Robin Campillo, Brigitte Tijou
Produção:Caroline Benjo, Carole Scotta
Elenco:Géraldine Pailhas, Jonathan Zaccaï, Frédéric Pierrot, Victor Garrivier, Catherine Samie, Djemel Barek, Marie Matheron, Saady Delas, Guy Herbert


Antes de Camille e Simon retornarem para suas antigas vidas na série Les Revenants, um incidente inusitado já havia despertado os mortos em 2004. Não se trata de Madrugada dos Mortos, refilmagem de Despertar dos Mortos, de George A.Romero, ou qualquer outra produção com zumbis comedores de carne humana lançada no mesmo ano; mas, um longa francês, dirigido por Robin Campillo e que resgata uma velha roupagem dos mortos, quando ainda não havia a voracidade que transformou o subgênero. Eles Voltaram (Les Revenants) é um drama fantástico, com poucos e sutis elementos de horror, com mais preocupação em trazer reflexões sociais, políticas e econômicas que envolveriam um verdadeiro retorno dos mortos.

Ora, a perda de uma pessoa desperta o nosso egocentrismo, nossa vontade desesperada de que ela jamais partisse. A simples possibilidade de não conviver mais com aquele ente querido é traumática e assustadora, mas será que, depois de um tempo ausente, a pessoa que se foi teria espaço para um retorno? Além dos problemas particulares que a volta daquele morto pode trazer – você pode estar em um novo relacionamento, ter vendido coisas que lembram a pessoa… – é preciso pensar no social e econômico: se todos os mortos retornassem, como o Planeta poderia suprir suas necessidades básicas como alimentação e segurança? Teria emprego para todos?

Na primeira cena do filme, uma multidão atravessa os portões do cemitério em direção à cidade. Vestindo roupas claras e mantendo o olhar fixo, os mortos marcham para a sociedade em busca de uma reintegração. Não envolve apenas uma cidade como Antares, de Érico Veríssimo, ou o vilarejo francês de Les Revenants; trata-se de um fenômeno mundial. Pessoas que morreram nos últimos dez anos – grande parte com a idade acima dos 60 – estão voltando para casa, sem aspecto putrefato, sem sinais dos acidentes que o levaram à morte; estão bem de saúde, embora a temperatura do corpo indique 5 graus abaixo do normal, o que facilita a distinção dos vivos através de câmeras térmicas. Apáticos, confusos e perdidos, eles demoram um tempo para voltar a falar e muito mais para relembrar de suas antigas vidas.

Apesar desses detalhes globais, o enredo se passa numa cidade francesa que acaba de receber 13 mil mortos, para desespero do prefeito (Victor Garrivier), que decide colocá-los em hospitais, até que seus conhecidos apareçam para reclamá-los. Mas, ele também tem algo a mais a se preocupar: sua esposa Martha (Catherine Samie) está de volta, mais desorientada do que nunca. Além dela, um garoto de seis anos, Sylvain (Saady Delas), que divide a opinião dos pais, Isham (Djemel Barek) e Véronique (Marie Matheron); e o jovem Mathieu (Jonathan Zaccaï), inicialmente rejeitado pela esposa Rachel (Géraldine Pailhas).

Enquanto a sociedade tenta adaptá-los – mas é notadamente impossível pelo modo como agem e mantém uma constante serenidade -, o Dr. Gardet (Frédéric Pierrot, que participou da série Les Revenants) começa a perceber certos movimentos suspeitos dos mortos. Eles fingem que estão dormindo, e se encontram em locais secretos durante à noite para conversar. O médico descobre que nesses encontros, eles estão mais espertos, discutindo ações a serem tomadas, como se o tempo todo estivessem se escondendo em sua frieza e inexpressividade. E há um plano sendo elaborado, mas os militares já estão dispostos a agir para levá-los a um estado de dormência constante.

Mesmo que a narrativa seja dramática e não traga cenas sangrentas e violentas, Eles Voltaram causa um certo desconforto no espectador. Seja no modo como eles observam os vivos ou no caminhar lento durante a madrugada, a sensação transmitida é que alguma coisa está errada. Há momentos ali que remetem ao longa Invasores de Corpos, uma vez que eles possuem um modo de comunicação próprio e parecem conspirar contra os vivos o tempo todo. Cada reunião dos políticos traz novidades sobre o comportamento dos mortos e mostra a preocupação em relação ao bem estar dos que sempre estiveram vivos.

O roteiro, de Robin Campillo e Brigitte Tijou, deixará algumas dúvidas no ar, como é de costume no cinema francês. Mas, a boa direção e atuações, além das discussões levantadas, trouxeram aplausos do público durante as exibições nos festivais de Hamburgo, Veneza e Toronto. Essa boa receptividade inspiraria a realização da série Les Revenants, mas com uma visão diferente da original, mostrando que o assunto é interessante e promove boas reflexões. Vale a pena conhecer o filme e a série, deixando de lado a refilmagem americana incompleta.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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