O Homem dos Olhos de Raio-X
Original:“X” – The Man With the X-Ray Eyes
Ano:1963•País:EUA Direção:Roger Corman Roteiro:Robert Dillon e Ray Russell Produção:Roger Corman Elenco:Ray Milland, Diana Van der Vlis, Harold J. Stone, John Hoyt, Don Rickles, John Dierkes, Dick Miller, Jonathan Haze, Morris Ankrum, Lorrie Summers, Kathryn Hart, Vicki Lee, Barboura Morris |
Um dos sub-gêneros mais interessantes e que exerceram um imenso fascínio no cinema fantástico do passado certamente foi o dos filmes abordando “homens transformados em monstros“, ou seja, os famosos “cientistas loucos” em meio as suas misteriosas experiências ameaçadoras para a humanidade.
Dentro de uma infinidade de divertidos e significativos filmes enfocando argumentos dentro desse estilo do horror e ficção científica, podemos citar apenas para exemplificar algumas preciosidades raras como O Raio Invisível (The Invisible Ray, 1936), com a dupla Boris Karloff e Bela Lugosi, onde Karloff é um cientista envolvido numa experiência com um elemento químico altamente radioativo trazido do espaço por um meteoro, e que em contato com essa substância letal adquiriu o poder de um “raio invisível” e mortal, influenciando sua mente e transformando-o em assassino; ou A Mosca da Cabeça Branca (The Fly, 1958), com David Hedison e Vincent Price, com o primeiro sendo um cientista determinado a conseguir transportar matéria viva pelo tempo e espaço e que ao usar a si mesmo como cobaia numa experiência, acidentalmente mistura suas moléculas com a de uma mosca doméstica, transformando-se num monstro; ou ainda Alta Voltagem (The Projected Man, 1966), com Bryant Haliday interpretando também um cientista trabalhando no teletransporte de matéria e que num acidente de uma experiência mal sucedida transforma-se num assassino elétrico disforme, capaz de matar apenas com um toque de sua mão.
De forma similar a essas tragédias pessoais de cientistas obcecados por conhecimento científico e que cujas experiências fatais os transformaram em ameaças monstruosas, vale citar uma pequena obra prima de baixo orçamento de 1963, produzida e dirigida por Roger Corman, famoso cineasta multifuncional conhecido como “O Rei dos Filmes B“, responsável pela direção de mais de 50 filmes e principalmente pela produção de mais de 330 películas.
Trata-se de O Homem dos Olhos de Raio-X (“X” – The Man With the X-Ray Eyes), um thriller de FC com o talentoso ator Ray Milland (falecido em 1986) fazendo o papel do cientista Dr. James Xavier, que está trabalhando num projeto científico desenvolvendo um colírio especial, uma solução formada por hormônios e enzimas alterados batizada de “X“, capaz de aumentar a capacidade de visão humana. Segundo ele, o olho humano apenas tem um alcance de percepção de 10% do universo e uma vez inconformado com isso, o cientista concentra seus esforços num meio de aumentar o potencial da visão, utilizando primeiramente como cobaia um macaco. Porém, a experiência, apesar de bem sucedida num primeiro instante, causa a morte do animal em um ataque cardíaco, devido ao fato dele não estar preparado para o que viu. O Dr. Xavier acredita que o colírio é capaz de estimular a visão para além dos objetos sólidos e decide testar a fórmula em si mesmo, antes de testes mais definitivos, por sentir-se fortemente pressionado por um corte de verbas através da bela Dra. Diane Fairfax (Diana Van der Vlis), representante da Fundação de Pesquisas que financia seu projeto.
Solicitando a ajuda de um colega oftalmologista, o Dr. Samuel Brant (Harold J. Stone), o cientista recebe o soro em gotas em seus olhos aumentando o alcance dos comprimentos de onda além do que se pode ver, ganhando inicialmente uma visão fragmentada, com muita luz brilhante, e passando depois a enxergar através de objetos sólidos e superfícies, transformando-se num “homem com olhos de raio-x“. Acostumando-se aos poucos com sua nova condição sobre-humana, ele continua a utilizar o colírio e sua visão adquire cada vez mais poderes de percepção únicos. (Destaque para uma engraçada cena onde o cientista se diverte numa festa, dançando desajeitado e observando as mulheres através de seus vestidos). Sua visão apurada acaba permitindo também ver problemas de difícil diagnóstico em pacientes submetidos à cirurgias delicadas, com melhores resultados que as próprias máquinas de raio-x, “vendo o que nenhum homem jamais viu“. Porém, após sua interferência indesejada numa operação de coração de uma menina, ele foi acusado de falta de ética pelo cirurgião responsável, Dr. Willard Benson (John Hoyt), apesar do sucesso da operação.
Sentindo-se isolado e não compreendido, com suas pesquisas canceladas pela Fundação patrocinadora, e após seu envolvimento num acidente que causou a morte do amigo Dr. Brant, o cientista foi obrigado a fugir e refugiou-se num circo utilizando o nome artístico de “Mentallo – O homem que vê tudo“, trabalhando como adivinhador e posteriormente até como curandeiro, sendo chantageado por um vigarista, Crane (Don Rickles), que descobriu posteriormente sua real identidade. Aproveitando a oportunidade de ganhar algum dinheiro, o Dr. Xavier consegue novamente montar um laboratório improvisado e continuar suas experiências científicas com o colírio especial, tentando encontrar uma cura para seu mal. Sua situação piorava a cada momento, chegando ao ponto de sentir-se como se seus olhos estivessem eternamente abertos, sendo necessário usar enormes óculos escuros para aliviar o desconforto.
Inevitavelmente o cientista acabou sendo descoberto pelos policiais e obrigado a fugir, auxiliado agora pela Dra. Fairfax, que acabou se aproximando dele como amiga e ensaiando até um pequeno romance entre eles. E num momento de total confusão mental devido ao incrível poder de visão que possuía, eles travaram um diálogo a bordo de um carro que transitava pela cidade, transmitindo de forma dramática o horror vivido pelo protagonista principal:
“O que estava olhando?”, perguntou a Dra. Fairfax.
“A cidade. Como antes de nascer, subindo para o céu como um dedo de metal. Membro sem carne. Viga sem pedras. Anúncios pendurados sem apoio. Fios esticados e balançando sem postes. Uma cidade não nascida. Carne dissolvida num ácido de luz. Uma cidade de mortos”, respondeu de forma amargurada o cientista.
Eles viajam então até Las Vegas (conhecida como “a cidade de luz eterna“, numa referência proposital de Corman ao drama do cientista que não conseguia dormir e nem parar de ver tudo ao seu redor), e onde o Dr. Xavier pretende ganhar dinheiro para suas experiências utilizando seu poder de visão, enxergando além das cartas e máquinas de jogos nos cassinos, até que desperta a atenção da polícia e é obrigado novamente a fugir, dessa vez sozinho. Ele dirige um carro por uma estrada sendo perseguido por um helicóptero da polícia – e aqui ocorre um grande furo no roteiro pois como seria possível para o cientista dirigir um carro se ele vê através de todas as coisas, não reconhecendo a presença de cruzamentos, sinais e outros carros…?
Após uma série de perseguições, e totalmente desorientado, muito próximo de um colapso físico, o Dr. Xavier sofre um acidente na estrada, e passa a caminhar sem destino pelo deserto de Nevada até encontrar uma tenda de evangélicos itinerantes, onde um pastor (John Dierkes) estava celebrando um culto. Foi a última coisa que viu, para o fim de seu martírio, num final definitivamente antológico, digno das mais memoráveis sequências da história do cinema fantástico.
“É um pecador? Deseja ser salvo?”, questionou o padre ao ver o cientista totalmente abalado.
“Salvo? Não… Vim para lhes dizer o que eu vejo. Há grande escuridão, mais longe que o próprio tempo… E além da escuridão, uma luz que brilha e muda… E no centro do universo, o olho, que nos vê a todos.”, respondeu o Dr. Xavier, no limite de sua sanidade.
“Você vê o pecado e o diabo. Mas o senhor nos diz o que temos que fazer. Diz Mateus no Capítulo 5: Se teu olho te ofende, irmão, arranca-o!”, ordenou finalmente o pastor.
O Homem dos Olhos de Raio-X é um típico exemplo que um ótimo filme de horror e ficção científica não precisa necessariamente apresentar apenas roteiros destacando sangue em profusão, atrocidades diversas, modernos efeitos especiais, violência gratuita ou psicopatas mascarados sobrenaturais e assassinos. Podendo ser muito mais profundo e aterrador do que tudo isso, basta para um filme explorar uma história inteligente que evidencia o drama interior do próprio Homem em sua incansável e muitas vezes inconsequente busca pelo conhecimento científico. Principalmente quando este homem transforma-se numa vítima de suas próprias experiências ainda em desenvolvimento. Nesse caso específico, um cientista envolvido num projeto pressionado pelos patrocinadores em busca de resultados, e cujas consequências fatais o levaram gradativamente a um estado desesperador de compreensão de uma nova realidade, confundindo razão e insanidade, através de um poder de visão incomensurável, e para o qual a humanidade não estaria preparada.
O filme possui efeitos especiais modestos, mostrando as visões distorcidas e manchadas do Dr. Xavier, investindo muito mais no horror sugerido pelo drama incomum de um homem da ciência à beira da loucura. Tendo somente 79 minutos de duração e um orçamento avaliado em apenas US$ 300 mil em 15 dias de filmagens, foi dirigido pelo especialista Roger Corman, que construiu toda sua carreira através de filmes super divertidos com custos pequenos como A Pequena Loja dos Horrores (1960), filmada em poucos dias e aproveitando cenários já usados (este filme inspirou uma refilmagem musical homônima em 1986), além de dezenas de outras significativas produções que traziam histórias baseadas em Edgar Allan Poe e interpretadas por astros consagrados do horror como Vincent Price, Boris Karloff, Peter Lorre e Basil Rathbone.
A principal virtude de sua obra está na força de roteiros inteligentes, sendo nesse caso do O Homem dos Olhos de Raio-X um de seus melhores trabalhos de baixo orçamento entre os saudosos anos 1950 e 60, escrito a partir de uma história de Ray Russell (responsável por Mr. Sardonicus, 1961 e The Premature Burial, 1962, também com Ray Milland). Apresentando um horror verdadeiro através do drama de um homem transformado em monstro, sua trajetória de sucesso inicial com breve triunfo e depois um mergulho num pesadelo por possuir o poder de enxergar através das barreiras dos espaços físicos, além dos corpos, construções e matérias
terrestres, indo em direção ao centro do universo, muito além do que é permitido pela compreensão humana.
Foi escrito “… o olho humano apenas tem um alcance de percepção de 90% do universo…”. É o contrário, enxergamos apenas 10% do espectro.
Obrigado pela observação.
Ajudado pelo roteiro acima da média da dupla Robert Dillon e Ray Russell – hoje em dia faltam bons roteiros como este -, a ótima atuação de Ray Milland e o final antológico, esse filme dirigido por Corman, para mim, é um dos melhores filmes do diretor.
Uma preciosidade do cinema fantástico!
filmaço,este é um dos poucos filmes que eu assisti quando era pequeno e acabei de assisti-lo novamente e posso dizer que é otimo.