Mãe! (2017)

4.3
(8)

Mãe!
Original:Mother!
Ano:2017•País:EUA
Direção:Darren Aronofsky
Roteiro:Darren Aronofsky
Produção:Darren Aronofsky
Elenco:Jennifer Lawrence, Javier Barden, Ed Harris, Michelle Pfeiffer

Mãe é o filme mais falado do momento, seja pelos elogios ou duras críticas. Darren Aronofsky, depois do blockbuster Noé, volta ao seu ‘estilo’ nesta produção cheia de simbolismos e metáforas. Quem conhece a carreira do diretor não vai estranhar Mãe, desde o estranho π, passando por Réquiem, Fonte da Vida e Cisne Negro – estes que são filmes que mais traduzem o ‘estilo’ do diretor. Mãe é ao mesmo tempo o filme mais simples e o mais pretensioso.

Esta crítica está dividida em duas partes: a em uma análise geral, e a mais aprofundada na proposta do filme, com detalhes relevantes (spoilers), sendo recomendada apenas para quem viu o filme.

1ª Parte

Uma bela casa isolada, cercada por uma natureza que parece uma muralha que impede de vermos além – sensação essa causada pelos planos mais fechados do diretor acerca dos personagens; são poucos, aliás, os planos abertos, e quando usados, mostram apenas a casa. Nela vive um casal, identificado por ELE (Javier Barden) e a Mãe que dá título ao filme (Jennifer Lawrence). ELE é um poeta que passa por um bloqueio criativo e não consegue escrever uma palavra. Sua companheira preocupada com esse bloqueio tenta de certa forma o incentivar, e também cuida da reforma da casa, deixando o ambiente agradável aos dois. A rotina do casal muda com a chegada de um personagem, que se identifica com um médico (Ed Harris), que precisa de um lugar para passar alguns dias,  e logo depois sua esposa também chega à casa (Michelle Pfeiffer). A presença do casal agrada a ELE, que logo faz amizade com o homem, porém, Mãe não se sente nada confortável com a situação, lhe causando um mal estar, mas é persuadida por ELE a ajudar o casal que acaba de chegar.

Passando a estranheza inicial pela não identificação dos nomes dos personagens, o que acaba por não fazer falta, pois logo nos habituamos aos mesmos pelas suas características, fica fácil referenciar o filme com o Bebê de Rosemary, de Roman Polansky, artifício usado pela própria divulgação, em um belo cartaz que fazia uma referência direta ao clássico. A chegada do casal que logo parece se intrometer na intimidade dos anfitriões, a aceitação do personagem de Javier, que quer utilizar daquela companhia como inspiração para sua obra, e o desconforto de Jennifer acerca da língua venenosa da mulher, e do tempo em que ELE passado ao lado homem, nos leva a crer que existe ali uma intenção daqueles estranhos para com os dois. Porém essa referência logo se perde, e o filme toma um rumo de proporções gigantescas, ali dentro apenas daquela casa. Ações e reações desencadeiam uma série de acontecimentos que vão abalar o ambiente até então tranquilo.

Aronofsky utiliza bem do recurso de planos fechados principalmente na personagem de Jennifer Lawrence, refletindo sua angústia e incômodo com o rumo em que os acontecimentos tomam; sua atuação está no ponto certo, sem exageros, reflexo do bom trabalho do diretor em conduzir a personagem. Javier Barden está excelente como sempre, confortador e assustador na mesma proporção. Já Ed Harris, não precisa nem tecer comentários, sua expressividade e feições ditam sua atuação de acordo com as situações em que se encontra; Michelle Pfieffer constrói uma personagem venenosa, com um olhar ameaçador e julgador, intrometida, utilizando de sua experiência para manipular a jovem Mãe.

A direção ágil de Aronofsky dá um rítimo alucinado às sequências mais estranhas que ocorrem na casa, ganhando força com os incômodos efeitos sonoros – o design de som explora o ambiente claustrofóbico proporcionado pelos já citados planos fechados que o diretor utiliza. A fotografia que trabalha com tons mais frios nos momentos mais passivos do filme se torna quente quando a projeção vai tomando um tom mais sombrio e sufocante, ambientando o cenário para uma clima de tensão crescente até a conclusão aterradora.

2ª Parte

Para entrar no desenvolvimento dos simbolismos e metáforas presentes no filme será necessário revelar detalhes que podem estragar a experiência de quem ainda não viu o filme. Então aconselho a seguir da aqui, somente quem já assistiu.

Eu sou o que sou”, trecho de um passagem bíblica no livro Êxodo 3:14, citado pelo personagem ELE em determinado momento; frase originalmente dita por Deus a Moisés.

Já foi citado por algumas críticas e até mesmo pelo diretor em uma entrevista a respeito das referências bíblicas existentes no filme. O personagem de Javier Barden é creditado como ELE, em letras maiúsculas pelo fato de ser a representação de Deus, um Deus egoísta e vaidoso, retratado na pele de um Poeta. A personagem de Jennifer Lawrence é citada como se fosse uma espécie de musa inspiradora e creditada como Mãe. Uma Mãe também para ELE, afinal ela cuida do lar, além dos afazeres domésticos, cuida de transformar a casa em uma espécie de paraíso; há também a possibilidade de ela ser uma representação de Lúcifer, porém essa teoria não se sustenta quando a narrativa é desenvolvida. Os personagens de Ed Harris e Michelle Pfeiffer seriam Adão e Eva, que vão logo tomando conta do local e ficam tão a vontade como se fossem donos casa. A pedra mostrada por ELE ao homem é citada como uma motivo de reconstrução de tudo que perdeu após um incêndio. Esta funciona como fruto proibido desejado e ‘quebrado’ por Adão e Eva, no escritório, um lugar onde ninguém podia entrar sem a permissão d’Ele; que expulsa os dois dali. Os filhos do casal entram em cena, brigam entre si. e em uma referência clara a Caim e Abel, um é morto pelo outro.

Essa é apenas o primeiro ato do filme que funciona como uma representação do início de tudo, após o tumultuado encontro de amigos do homem e da mulher para referenciar ao luto da perda do filho, gerando um pequeno e incômodo caos na casa. ELE não se importa mas a Mãe está ali a todo tempo tentando proteger o ambiente, até ser necessário mandar todos embora.

A partir do segundo ato, temos um momento mais singelo, a paz do lar, a gravidez da mãe e a volta da inspiração do poeta. Que constrói sua obra dia a dia, palavra a palavra, enquanto a Mãe continua em sua missão de reformar a casa, o lar, e transformá-la em um paraíso.

O poema é finalizado, e a Mãe lê em lágrimas o mesmo, e pergunta se ELE irá largá-la, “Nunca” responde. Porém logo depois ao descobrir que o poema havia sido mostrado à agente antes dela, reconhece novamente que nunca foi a prioridade d’Ele. Mesmo sempre estando ali ao seu  lado, a presença dela nunca foi o suficiente, ELE queria mais e mais. O momento da chegada de fãs a porta inicia o último ato. Enquanto a Mãe está prestes a ganhar o bebê; ELE fica ali dando atenção a todos, e ignora seus chamados, está feliz com aquele reconhecimento a cerca de sua obra, de como ela tocou em cada um. Seus adoradores vão chegando cada vez mais e mais, e adentrando ao ambiente, na casa, no lar, no mundo dos dois (alguém mais se lembrou de A Noite dos Mortos Vivos, do Romero, ou seria viagem minha?). A situação vai fugindo do controle, a adoração fica cada vez mais forte, cada vez mais assustadora para a Mãe, e cada vez mais satisfatória para ELE, que desde o primeiro momento se mostrou egoísta acerca do relacionamento dos dois. ELE estava sempre pensando em si o tempo todo, ignorando os pedidos da Mãe pela sua companhia. Sua ausência gerava sempre uma aflição, mas sua volta sempre trazia alívio e conforto, tanto na personagem quanto no espectador.

O caos se instaura, a casa vira um campo de batalha e culto a ELE e vai sendo destruída quando os fãs e adoradores querem levar algo d’ELE, um bibelô, um enfeite um pedaço de madeira da casa. ELE mesmo reconhecendo que a situação está fora de controle, e protegendo a Mãe dos riscos iminentes, ainda sim não quer que seus adoradores se vão, quer que eles o cultuem mais e mais, e quer usar o seu filho para isso. E na cena mais chocante e polêmica no filme, vemos uma representação pra lá de literal do rito católico “Tomais, todos, e comei: isto é o meu Corpo, que será entregue por vós, tomai, todos e bebei: este é o cálice do meu Sangue”. Situação que desencadeia em uma revolta da Mãe acerca dos ali presentes e acerca d’ELE.

Aronofsky constrói uma alegoria apocalíptica e que pode gerar várias interpretações, sobre como os seres humanos podem (e estão) destruir(ndo) o planeta. Em uma leitura, podemos dizer que ELE tem compaixão dos seres humanos, citando uma cena onde após um ato imperdoável de seus seguidores ele diz a Mãe que os mesmos devem ser perdoados, mostrando assim que ele ama os humanos mais que a terra. Porém em uma leitura mais pessimista, podemos entender que o Deus se importa apenas apenas em ser idolatrado, adorado, de forma a satisfazer o seu ego. O diretor trás toda essa representação para o lado humano – relacionamentos vazios, egoístas, culto da fama, de uma forma minimalista, mas com uma analogia pessimista para o futuro, não só daquele casal, mas de toda a humanidade.

Nota: Gostaria de agradecer aos amigos Caetano Drumond e Brina DeFur pelos ótimos debates que contribuíram para a construção desse texto.

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Ivo Costa

Cineasta formado pela Escola Livre de Cinema, dirigiu os curtas “Sexta-feira da Paixão”, “O Presente de Camila”, “Influência” e “Com Teu Sangue Pagará. Produziu o curta ‘Vem Brincar Comigo’. Atualmente é crítico no site Boca do Inferno e professor do Curso Cinema de Horror, da Escola Livre de Cinema. Fez parte do Júri Popular do Festival Cinefantasy em 2011, Júri Oficial do Festival  Boca do Inferno 2017, Juri Oficial da Mostra Espanha Fantástica no Cinefantasy 2020.  Realizou a curadoria da Mostra Amador do Cinefantasy 2019 e do Festival Boca do Inferno 2019.

10 thoughts on “Mãe! (2017)

  • 07/03/2018 em 21:04
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    Olha, eu duvido de que alguém neste mundo que não leu nada sobre o filme tenha gostado e entendido a metáfora. A maioria que gostou leu sobre o filme e ficou analisando cada cena e pensando…. nossa! que demais…..
    Na minha opinião, este diretor fez filmes ótimos aclamados pela crítica e está naquela fase de Miguel Falabela que está cercado de puxa sacos que ficam bajulando e achando tudo um espetáculo o que ele faz… ninguém do seu círculo de amizade ou profissional tem coragem de contrariá-lo. Achei um filme de extremo mal gosto, e que só quem leu as “explicações” previamente acha uma obra de arte… Eu sei que vão me chamar de burro… que não entendi a profundidade do filme… que é lindo o Adão e Eva… costela Genesis… Vamos colocar a mão no chifre e admitir que o filme é um lixo feito por um cara que se acha o máximo e que é um pecado discordar da sua obra prima…. Quem não gostou não é inteligente… Pelas barbas do profeta…. será mesmo que teve alguém neste planeta que assistiu este filme sem ser influenciado anteriormente por críticas realmente “entendeu” e gostou? Eu já ví vários vídeos no youtube explicando o filme e falando que é claríssima a referência ao novo/velho testamento…. genesis etc…. PURA BALELA DE PSEUDO INTELECTUAIS!!!! As criaturas de Deus assistem estas porcarias e vão assistir o filme já emocionados…. falando…. olha que lindo a referência da costela de Adão…. Olha podem me xingar… eu entendo… mas pelo menos eu sei que muita gente vai concordar comigo e não vai admitir… Para finalizar, se eu tivesse o poder, eu decretaria a prisão imediata do Darren Aronofsky e a proibição eterna de tocar em uma câmera de vídeo. Amém.

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    • 12/06/2020 em 04:11
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      Cara, ri demais lendo seu comentário! Hahahahahaha
      Mas concordo você em gênero, número e grau. A palavra da vez é “alegoria”, vejo muita gente repetindo que nem papagaio: “ain, por que o filme é uma alegoria a isso, uma alegoria a aquilo”, sinceramente, dá uma certa preguiça ouvir nego deslumbrado com um filme que não é nada mais do que extremamente pretensioso, só pra pagar de floquinho de neve especial na internet.
      Enfim, eu também achei um lixo.

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    • 06/06/2021 em 21:54
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      Realmente, assisti o filme sem ter lido as supostas explicações e achei simplesmente o pior filme que já assisti na minha vida. Nunca tinha comentado antes sobre filme algum, mas esse foi de uma qualidade incrivelmente ruim. Acho que o comentário do Fabio resume tudo oq estou sentindo, após perceber que tive 120 minutos ceifados da minha vida. 120 minutos que nunca mais voltarão… Uma tristeza.

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  • 24/02/2018 em 10:18
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    Eu adorei o filme embora não entendesse nada, posteriormente ao ler criticas como essa a gente vai entendendo, mas não me importo deixo a intelectualidade de lado e curto o filme apenas como um excelente filme de terror e é sempre ver o grande ator juan bardem em ação ao lada da jovem atriz jennifer lawrence.
    PS. michele pffeifer era tão linda mas a plastica e o botox destruiram seu rosto não tem mais expressão facial .
    Por ultimo sou fã so site boca do inferno todo filme que assis depois venho aqui ler a critica para tirar duvidas.

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  • 29/09/2017 em 06:35
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    Obrigado Lu, sua percepção acerca sobre a a questão do arquétipo masculino e feminino é ótima.

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  • 27/09/2017 em 16:19
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    Agora a pergunta magica, como o diretor conseguiu por metaforas esquisiticimas ter mais relação biblica NESSA historia do que em NOÉ????

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  • 27/09/2017 em 15:08
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    Adorei sua crítica, Ivo. Concordo totalmente e, pra mim, também é 5 caveirinhas 🙂

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    • 02/10/2017 em 17:14
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      Obrigado Lu, sua percepção acerca sobre a a questão do arquétipo masculino e feminino é ótima.

      Resposta

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