Dark - 1ª Temporada
Original:Dark - Season One
Ano:2017•País:Alemanha Direção:Baran bo Odar Roteiro:Baran bo Odar, Jantje Friese, Martin Behnke, Ronny Schalk, Marc O. Seng Produção: Elenco:Oliver Masucci, Karoline Eichhorn, Jördis Triebel, Louis Hofmann, Maja Schöne, Stephan Kampwirth, Brad Painter, Daan Lennard Liebrenz, Andreas Pietschmann, Deborah Kaufmann, Tatja Seibt, Walter Kreye, Lisa Vicari, Paul Lux, Hermann Beyer, Moritz Jahn |
“Parece Stranger Things.” Comparar a série alemã Dark, que despontou de maneira surpreendente na Netflix no final de 2017, com um grupo de crianças divertidas em busca do amigo desaparecido nos anos 80 é um erro grotesco. A única relação que existe entre os dois programas é o desaparecimento de jovens e algumas sequências que ocorrem na década de 80, pois a criação de Baran bo Odar e Jantje Friese é muito mais sublime, inteligente e profunda. E foi exatamente esse elo entre as séries que fez com que eu visse o produto alemão com uma certa demora, temendo ver algo oportunista ou uma tradução alemã do sucesso dos Duffers. Felizmente, Dark vai muito além das expectativas.
Aliás, se existe alguma comparação coerente com outra produção existente, mesmo que seja apenas uma leve inspiração, não teria problema algum em dizer que corre nas veias de Dark uma conexão charmosa com meu filme preferido, Donnie Darko, de Richard Kelly. Pensei até que a obra escrita pela Vovó Morte Roberta Sparrow (Patience Cleveland) fosse ser encontrada por algum personagem em dado momento, como se suas teorias de viagem no tempo e a relação entre passado, presente e futuro tivessem influenciado Helge Doppler na concepção de suas ideologias. Provavelmente, sim, tanto que existe uma sutil homenagem ao longa de 2001 num episódio que poucos irão notar a citação.
Para falar de Dark, é preciso tomar alguns cuidados especiais. Explanar exageradamente o roteiro pode estragar as surpresas reservadas em cada episódio, mas também não ir um pouco além da sinopse pode frustrar os curiosos. Tentarei um meio termo, já deixando um anúncio para aqueles que ainda não assistiram à série: deixe de lado qualquer outra coisa que esteja acompanhando e vá testemunhar o melhor produto lançado pela Netflix em 2017. Se no decorrer dos capítulos você não se vir intrigado com as reflexões propostas, é porque você não é muito fã de viagens no tempo, destinos pré-traçados, ficção científica e a importância de todos os acontecimentos na vida de uma pessoa. Nada é por acaso em Dark; não há situações que enrolam o espectador pela metragem da série ou personagens desnecessários.
A acizentada cidade alemã de Winden está assustada com o desaparecimento do adolescente Erik Obendorf (Paul Radom) há duas semanas. A ausência de pistas levemente incomoda o policial Ulrich Nielsen (Oliver Masucci), que, na cena inicial, está tendo mais um encontro adúltero com Hannah Kahnwald (Maja Schöne), esposa do suicida Michael (Sebastian Rudolph). Este, antes de se enforcar pela pressão sofrida, deixa uma nota que deve ser lida por sua mãe Ines (Angela Winkler) no horário e data específicos. Sua morte traumatizou o jovem Jonas (Louis Hofmann), deixando-o depressivo e afastado dos amigos por dois meses, o que ocasionou a perda da namorada Martha (Lisa Vicari) para seu amigo Bartosz (Paul Lux). Todos esses personagens, na conexão de quatro famílias, convivem no ano de 2019, época em que acontecem os momentos iniciais da série.
Na floresta de Winden, bastante visitada pelos adolescentes da região, existe uma caverna escura que atiça a imaginação de todos. Sons estranhos e a pouca exploração do espaço permitem que os moradores criem lendas urbanas sobre monstros e avisem sobre os perigos de tentar entrar ali. Jonas, Martha, Bartosz, o pequeno Mikkel (Daan Lennard Liebrenz) – irmão de Martha e Magnus (Moritz Jahn) também presente – decidem se aventurar pela noite em busca de informações sobre o desaparecido nas proximidades da entrada sinistra. Um som estranho é ouvido no local, com influência na energia elétrica da cidade, fornecida pela Usina Nuclear, e, na correria dos jovens, Mikkel desaparece.
O novo sumiço abala ainda mais os moradores, e desperta as ações de Ulrich, pai do pequeno. Ele já vive uma união conturbada com a esposa Katharina (Jördis Triebel), e resolve, com a ajuda da colega Charlotte (Karoline Eichhorn), investigar a fundo. Na exploração da caverna, ele encontra uma porta de acesso à usina, e começa a fazer de tudo para conseguir permissão para entrar no local, tendo que enfrentar a negação do dono da empresa, Aleksander (Peter Benedict), casado com Regina (Deborah Kaufmann) e pai de Bartosz. E, para intrigar ainda mais os envolvidos, o corpo de uma criança é encontrado na floresta, com os olhos e ouvidos estourados e trajando roupas dos anos 80. Quem seria essa vítima? Quem o matou? Onde está Mikkel? Na verdade, a pergunta é “quando está Mikkel?“.
Ele reaparece numa Winden dos anos 80, mais precisamente em 86, encontrando os adultos de sua época como adolescentes – e isso inclui o próprio pai, a mãe e outros conhecidos. A partir daí a narrativa se desenvolve nas duas épocas, mostrando o passado e o presente, numa conexão espantosa entre os acontecimentos como se tudo fosse uma coisa só. Talvez você se sinta ainda mais confuso quando descobrir que o presente mostrado, na verdade, é o futuro e haverá mais uma época a ser explorada, o ano de 1953, antes da construção da usina.
Com tantos personagens em épocas distintas, o infernauta talvez pense que irá se confundir entre os nomes, mas o trabalho genial dos criadores faz com que em muitos momentos a tela seja dividida com o rosto da mesma pessoa em 2019 e 1986, ou 1986 e 1953, tudo combinando de maneira assombrosa com as músicas, com a dramaticidade de seus conflitos pessoais e com a narração fantástica. O cuidado técnico em cada episódio é, sem dúvida alguma, o que mais chama a atenção em Dark: cada sequência, música e ação tem uma influência na construção desse quebra-cabeça de muitas peças.
A série ainda atiça o público pela existência de alguns personagens misteriosos como um estranho (Andreas Pietschmann), que parece saber muito do que acontece, e o eterno Noah (Mark Waschke), presente em todos os períodos. E há, é claro, a máquina do tempo, bem diferente do que se imagina pelo que o cinema fantástico já apresentou. “Não é uma Delorean“, como diz certo personagem, mas é tão funcional quanto. Ela só permite que a viagem seja feita para 33 anos a frente ou no passado, e deixa a dúvida: é possível influenciar nos acontecimentos e evitar tragédias futuras ou tudo está conectado de maneira já prevista?
Há muito mais mistérios em Dark do que está exposto nesta análise. Mas, a proposta é apenas levá-lo ao interesse pela série, deixando claro que se trata de um produto fino, de bom trato e que merece muito mais reconhecimento. O sucesso alcançado pelo programa foi tão grande que se espalhou pelo mundo – até mesmo por aquele que não curte muito ler legendas – sem conflito cultural, e fez a Netflix anunciar a realização de uma inevitável segunda temporada. Se eu pudesse prever o futuro, eu diria que a única certeza que tenho, entre as estreias de 2018, e que estarei ansioso para voltar a Winden por todas as épocas para tentar desvendar os mistérios que a série alemã propõe. Não será uma perda de tempo!
Sim, é facilmente a melhor série de 2017 (que teve tantas outras também excelentes). Dark me resgatou um pouco aquele feeling de Lost, de intrigar, mas com a diferença de não prolongar demais até entregar algumas respostas, ainda que siga num ritmo cadenciado nos episódios em si. Está tudo na medida. Esta primeira temporada foi uma introdução para o grande mistério e para definir quem é quem e qual é o seu papel dentro da trama. Imagino que agora a série entrará de cabeça nos mistérios propriamente ditos. Excelente.