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Assassinato no Expresso do Oriente
Original:Murder on the Orient Express
Ano:2017•País:EUA, UK, Malta, França, Canadá, Nova Zelândia
Direção:Kenneth Branagh
Roteiro:Michael Green, inspirado em obra de Agatha Christie
Produção:Azzopard, Kenneth Branagh, Jérémie Chevret, Pip Gillings, Mark Gordon, Judy Hofflund, Matthew Jenkins, Simon Kinberg, William Moseley, James Prichard, Michael Schaefer, Ridley Scott, Aditya Sood, Hilary Strong
Elenco:Kenneth Branagh, Tom Bateman, Lucy Boynton, Olivia Colman, Penélope Cruz, Willem Dafoe, Judi Dench, Johnny Depp, Josh Gad, Manuel Garcia-Rulfo, Derek Jacobi, Marwan Kenzari, Leslie Odom Jr., Michelle Pfeiffer, Sergei Polunin, Daisy Ridley.

Kenneth Branagh é um artista no mínimo curioso. Nascido em 1960, na Irlanda do Norte, oriundo da classe pobre e protestante, se notabilizou nos palcos ingleses na década de 1980 com suas adaptações de William Shakespeare, como diretor, ator e produtor. Não demorou em levar seu trabalho às telas; sua estreia foi justamente Henrique V (1989). Depois, entre uma e outra adaptação do bardo inglês, o ator e diretor irlandês trabalhou em roteiros originais, como o thriller sobrenatural Voltar a Morrer (1991) e a comédia dramática Para o Resto de Nossas Vidas (1992).

Branagh logo começou a expandir-se além do universo shakespeariano, adaptando outros autores, como sua desastrada versão de Frankenstein de Mary Shelley (1994). Kenneth ainda adaptou uma peça de um mestre do suspense Anthony Shaffer (Um Jogo de Vida e Morte, 2007), encarou o universo Marvel (Thor, 2011) e penetrou no universo de Tom Clancy (Operação Sombra: Jack Ryan, 2014). Sua nova cartada é mais uma adaptação de Assassinato no Expresso do Oriente (2017), um dos livros mais famosos de Agatha Christie, aqui atuando mais uma vez nas funções de diretor, produtor e ator principal. Nem sempre Branagh se deu bem em suas empreitadas, mas não dá para negar que o rapaz é ousado.

Este é a segunda versão para o cinema da clássica obra da Dama do Crime, que teve outras três versões para a TV, incluindo uma minissérie japonesa de 2015. Com roteiro de Michael Green, que tem em seu currículo: Logan, Blade Runner 2049, Alien Covenant e… a cerimônia do Oscar 2015!

Estamos no ano de 1934. O famoso e excêntrico detetive belga Hercule Poirot (o próprio Branagh em carne, osso e bigode extravagante), depois de resolver um caso em Jerusalém, resolve viajar no folclórico trem Expresso do Oriente, que parte da Turquia até a Inglaterra, passando por diversos países (Romênia, Hungria, Bulgária, Áustria, Alemanha, França…), em meio a uma tripulação de nacionalidades e etnias diversas. Entre os passageiros temos o misterioso e mal-humorado viajante norte-americano, Sr. Hatchett (Johnny Depp maquiado, numa caracterização cartunesca que mais parece um gangster saído de um gibi do Dick Tracy).

Hatchett tenta contratar os serviços de Poirot para a sua proteção, mas o detetive declina do convite por não simpatizar com o norte-americano.

Depois de uma noite cheia de barulhos e pessoas caminhando pelo corredor do trem, o que atrapalha a leitura na cama de nosso detetive, o trem acaba descarrilhando (diferente do livro onde ele ficava trancado em decorrência do excesso de neve de uma forte nevasca). Como se não bastasse, se descobre outra inconveniência: o Sr. Hatchett foi brutalmente assassinado, com inúmeras facadas. Com o trem isolado, e com a óbvia constatação de que o assassino está entre os presentes, monsieur Poirot terá que arregaçar as mangas e colocar suas células cinzentas a funcionar para descobrir o assassino.

Logo nosso herói descobre que o Sr. Hatchett não é o Sr. Hatchett, mas um criminoso norte-americano que sequestrou uma criança de uma família milionária dos Estados Unidos, os Armstrongs, e depois que botou a mão no resgate, assassinou seu refém, a menininha Daisy Armostrong, e fugiu. Para complicar, Poirot descobre que nem todos ali são o que aparentam ser e que, de alguma forma, estão ligados ao caso do sequestro da criança. Ao descascar esse abacaxi, Poirot chegará a uma das soluções mais inesperadas e bizarras da literatura de mistério!

O prólogo em Jerusalém tem um tom aventuresco, ajudado pela ambientação e cenários, que lhe dá um ar de Indiana Jones, ajudado pela trilha de Patrick Doyle, com ares de John Williams, e que podem desagradar os leitores mais ortodoxos da escritora. Além de contar até com um personagem soltando golpes de artes marciais e dando tiros, algo muito deselegante que poderia escandalizar Miss Christie. Sem contar que Poirot está mais jovial e físico que nos livros, que nos remota ao que Guy Ritchie fez com Sherlock Holmes.

Filmado em estúdio, com montanhas nevadas de CGI, que parecem mais um desenho animado no estilo O Expresso Polar. O visual diluído acaba sendo outro ponto fraco.

No entanto, à medida em que o filme avança, principalmente depois do assassinato, o tom vai ficando mais sóbrio e o filme mais escuro. Até chegarmos à conclusão final, em que Poirot reúne todos os personagens da tragédia para a revelação final, cena muito comum nos livros de Christie. Aqui Branagh conduz a cena na entrada de uma caverna. Quando a câmera mostra Poirot, vemos ele em meio à neve, com o trem de fundo, numa clara alusão ao cartaz de versão dessa mesma história, realizada em 1974 e dirigida por um mestre do cinema policial, Sidney Lumet; quando a câmera mostra os suspeitos, estes estão na frente da caverna, sentados numa mesa na disposição que lembra o quadro da Última ceia de da Vinci. Uma citação dupla bem interessante. Num dos bons achados visuais. Outra sequência interessante é quando a câmera mostra os passageiros do vagão através de um vidro, onde vemos as pessoas duplicadas, indicando que são mentirosas e não aquilo que dizem serem.

Quando as primeiras imagens deste Assassinato no Expresso do Oriente foram divulgadas, logo se instalou a polêmica em volta do bigode de Poirot, longe daquele modelo fino e levantado, como se popularizou, temos aqui uma pelugem espessa, que parece ter sido retirado de uma marmota. Polêmicas à parte.

Numa comparação, a versão de 1974 contava com um elenco luxuosíssimo, além de Finney, tínhamos ainda Lauren Bacall, Ingrid Bergman, Sean Connery, John Gielgud, Jacqueline Bisset, Vanessa Redgrave, Anthony Perkins, entre outros, na verdade houve, entre a década de 1970 e 1980, uma pequena leva de filmes inspirados em Agatha Christie com elenco estelar (Morte no Nilo, 1978, A Maldição do Espelho, 1980, Assassinato num Dia de Sol, 1982)). Obviamente que hoje em dia Branagh não poderia contar com astros da grandeza supracitada, pelo simples fato de não haverem mais atores desse quilate, e que era o grande charme dessas produções. Porém, nosso discípulo de Shakespeare se esforçou: além de Johnny Depp, temos ainda Judi Dench, Williem DaFoe, Daisy Ridley, Penélope Cruz, Derek Jacobi, enfim, uma turma nada desprezível. Sem falar em Michelle Pfeffeir (em um papel que fora oferecida à Angelina Jolie e Charlize Theron), que, sem esconder as marcas da idade, se mostra a substituta ideal para a Lauren Bacall da versão de 1974.

Na comparação com o livro, devemos destacar a inclusão de Branagh de um personagem negro (interpretado por Leslie Odom Jr) como um médico, ex-militar. Na verdade foram fundidos dois personagens do livro num único, e outra que no original era sueca, aqui é uma latina, interpretada por Penélope Cruz.

Assassinato no Expresso do Oriente”, o livro, é considerado por muitos um triunfo da escritora Agatha Christie; outros chegaram à conclusão de que é uma das maiores trapaças que um escritor pode fazer com o leitor. “Este é o tipo de história com garantia de dar nó nos neurônios das mentes mais atiladas. Só um imbecil poderia ter adivinhado”, palavras de um dos críticos ferrenhos desse livro, o escritor Raymond Chandler. Goste ou não da conclusão, uma coisa deve ser dita, ela é realmente inesperada e ousada. Ponto para Agatha Christie.

A inspiração para o livro veio do fato de que em 1929: o Expresso do Oriente ficou seis dias parado, devido a uma nevasca na Turquia. Dois anos depois a própria escritora, quando viajava no trem, experimentou alguns dias de reclusão, graças a fortes chuvas e inundações na pista. A subtrama da família Armstrong foi inspirada no Caso Lindbergh. Quando o filho pequeno do aviador Charles Lindbergh e Anne Morrow Lindbergh foi sequestrado e posteriormente encontrado morto após o pagamento do resgate, em New Jersey. Caso que causou polvorosa nos Estados Unidos. Curiosamente os Armstrongs, do livro de Agatha, eram judeus, enquanto os Lindberghs, da vida real, não só eram antissemitas, como acabaram se envolvendo, no final da década de 30 com o braço norte-americano do nazismo.

Mais curiosidades: até o lançamento do livro, nunca tinha acontecido um assassinato no Expresso do Oriente; esse tipo de crime só veio há ocorrer em 1936, dois anos depois do lançamento da obra, quando uma passageira foi assassinada e teve a bolsa roubada por outro passageiro. Na década de 50, um passageiro simplesmente desapareceu sem deixar rastro, a hipótese mais aceita é de que tenha sido morto e seu corpo jogado para fora do trem, e de que o caso envolvesse espionagem, o que teria inspirado o escritor Ian Fleming em seu livro “From Russia with Love”, que resultou na antológica cena de luta de James Bond (Sean Connery) com o agente da SPECTRE interpretado por Robert Shaw no clássico Moscou Contra 007 (1963).

No computo final, a versão de Branagh perde para a classe e elegância da versão de Lumet, e ambos perdem de lavada para o livro.

E ao contrário de vários casos, em que se espera uma obra-prima que termina em decepções, a versão 2017 de Assassinato no Expresso do Oriente no fim das contas, não foi a bomba esperada, e é um divertido passatempo, sem maiores compromissos. A repercussão foi tão boa que Branagh já anunciou sua volta ao papel do detetive belga em seu projeto futuro; desta vez adaptar “Morte no Nilo”, que inclusive é citado no final deste filme. Aguardamos.

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