Assassinato no Expresso do Oriente (1974)

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Assassinato no Expresso do Oriente
Original:Murder on the Orient Express
Ano:1974•País:UK
Direção:Sidney Lumet
Roteiro:Paul Dehn
Produção:John Brabourne, Richard B. Goodwin
Elenco:Albert Finney, Lauren Bacall, Ingrid Bergman, Martin Balsam, Jacqueline Bisset, Jean-Pierre Cassel, Sean Connery, John Gielgud, Wendy Hiller, Anthony Perkins, Vanessa Redgrave, Michael York

Um biscoito fino, essa adaptação de uma das principais obras da escritora Agatha Christie foi muito bem recebida, inclusive pela própria autora, que não não havia visto com bons olhos outras versões de seus trabalhos. Ela até elogiou a excentricidade característica na construção de seu principal personagem, Hercule Poirot, interpretado por Albert Finney. Com as costas levemente curvada, pele branca e gel capilar, além de seu famoso e pontiagudo bigode, o detetive belga é convidado a participar de um mistério envolvendo o assassinato de um dos treze passageiros do Expresso do Oriente, enquanto retornava para Londres. Seu processo de investigação, através do testemunho dos presentes, constrói o ambiente enigmático, associado aos problemas de locomoção do veículo, preso na neve.

Publicada em janeiro de 1934, no mesmo ano de ambientação do longa, a obra teve a inspiração em dois acontecimentos reais: um expresso que ficou preso por cinco dias na neve, durante a passagem por Istambul em 1929; e o sequestro e assassinato do bebê do aviador Charles A. Lindbergh, marido de Anne Morrow Lindbergh, ocorrido dois anos antes. Ambos os ocorridos levaram a autora a imaginar as consequências de uma tragédia, que sempre atrai outras, e a presença de um competente investigador. A claustrofobia e a tensão diante da impossibilidade de escapatória são as principais forças narrativas, tanto da literatura quanto da adaptação de Sidney Lumet. E ainda a versão cinematográfica pode contar com um elenco de nomes de peso…

Após um encontro com seu amigo Bianchi (Martin Balsam), Poirot adentra a locomotiva, com outros inusitados passageiros, em um congelante dezembro de 1934. Apesar de seu perfil extravagante, os demais ocupantes apresentam as características que irão definir seu caráter e envolvimento com o episódio fatal, incluindo a futura vítima, o empresário Samuel Ratchett (Richard Widmark), encontrado algum tempo depois com 12 perfurações pelo corpo. Na mesma noite em que foi assassinado, ele chegou a pedir uma segurança extra a Poirot, devido a bilhetes ameaçadores que andava recebendo. Quem parece não saber muito a respeito, aparentemente, é seu secretário, Hector McQueen (Anthony Perkins), o primeiro a ser questionado sobre os negócios escusos de seu patrão. Ele viaja em companhia do serviçal Beddoes (John Gielgud), que tinha a função habitual de medicar o empresário com remédios para dormir e acordar.

Além do trio, há a falante e constantemente viúva americana Harriet Hubbard (Lauren Bacall); a princesa russa Natalia Dragomiroff (Wendy Hiller) e sua empregada alemã Hildegarde Schmidt (Rachel Roberts) – uma das primeiras a cometer uma visível gafe durante seu testemunho -; o diplomata húngaro Conde Rudolf Andrenyi (Michael York) e sua esposa Elena (Jacqueline Bisset); o oficial do exército Coronel John Arbuthnott (Sean Connery), que possui um relacionamento intrigante no passeio; a professora de inglês, residente em Bagdá, Mary Debenham (Vanessa Redgrave); a religiosa missionária Greta Ohlsson (Ingrid Bergman, no papel que lhe daria o Oscar de Atriz Coadjuvante), com sua preocupação com as crianças africanas; o italiano vendedor de carro Antonio Foscarelli (Denis Quilley); e o agente teatral Cyrus B. Hardman (Colin Blakely).

A relação entre os trezes participantes da jornada é o fio condutor dos mistérios. Quando o corpo é encontrado e Poirot acionado para a investigação, ele pede o auxílio do médico a bordo (George Coulouris), que não demora para identificar a causa da morte e tentar prever o horário do crime. O detetive também encontra evidências na cabine da vítima como um lenço bordado com a letra H, um utensílio de fumo, além de um bilhete recém-queimado, exigindo uma atenção especial para o resgate da informação destruída. Quando o trem fica preso na neve, necessitando de apoio externo, o jogo de inteligência e superação do ego dos presentes tem início de maneira interessante, enquanto o espectador/leitor acompanha as pistas com a visão de um auxiliar do detetive.

A motivação do assassinato tem uma conexão curiosa com uma tragédia ocorrida nos EUA. Assim que começa a caçar as evidências, Poirot percebe a grandiosidade do crime, e busca relacionar cada passageiro com uma possível passagem na América. Mentiras são contadas, histórias inventadas, mas nada que o experiente investigador não consiga decifrar. A solução é uma gema dentro da literatura de investigação, umas ideias mais absolutamente incríveis e ousadas que Agatha Christie concebeu durante toda a sua contribuição para o gênero.

Se o enredo é muito bem desenvolvido por Paul Dehn, tendo até recebido uma indicação ao Oscar (foram seis no total), o grande triunfo do trabalho de Lumet é, sem dúvida, o elenco. Há tantos nomes e rostos conhecidos, donos de vastas carreiras cinematográficas, que qualquer informação de filmografia acabaria sendo injusta ou transformaria a análise num compêndio. No entanto, vale ressaltar a presença bem-humorada de Anthony Perkins, que anos antes havia feito o clássico Psicose, de Alfred Hitchcock. Ele traz um momento divertido do longa quando é questionado sobre a relação com a mãe, devido ao fato dele tê-la chamado durante o sono.

Com mais de duas horas de duração, sem nunca incomodar, Assassinato no Expresso do Oriente é um clássico de mistério e interpretação. Teve uma refilmagem no final de 2017, com rostos modernos e alguns agitos típicos do cinema atual: a sequência de investigação inicial, suspeitos que reagem com arma de fogo e a sugestão de que Poirot pudesse ser assassinado para livrar determinadas responsabilidades. Embora igualmente divertido, nada se compara ao gosto de um velho biscoito fino…

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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