Neste mês, a Darkside Books lança no Brasil HEX, livro do holandês Thomas Olde Heuvelt ambientado em uma cidadezinha na qual os moradores devem conviver com a presença de uma bruxa, que eles tentam esconder de forasteiros e que rastreiam através de um aplicativo de celular.
O Boca o Inferno bateu um papo com o autor, que falou sobre o que o inspirou para escrever HEX, a inserção de elementos modernos em sua história, o crescimento do terror na literatura e uma visita ao Brasil muito em breve. Confira!
Tendo conhecimento da sua inspiração em autores como Stephen King e Neil Gaiman, especificamente sobre HEX, o que o inspirou nessa história macabra de bruxaria?
Outras bruxas! Principalmente o livro As Bruxas de Roald Dahl e A Bruxa de Blair. O primeiro me traumatizou quando criança, o segundo mexeu comigo quando adolescente. Desde então, eu quis escrever minha própria história de bruxa má. Uns anos atrás, criei o conceito para uma cidade holandesa assombrada por uma mulher do século XVII, que foi condenada por bruxaria. Ela tem os olhos costurados, porque as pessoas acreditavam que ela lançava mau olhado. Mas ela está lá ainda hoje. Mostrei o conceito pra um amigo e ele me esculhambou. Com razão. Era entediante, sem graça e nada original. A gente começou a brincar com ele então. E se a bruxa não fosse essa aparição assustadora e sobrenatural, mas o bobo da cidade? E se os habitantes estão tão acostumados com a presença dela, que ao invés de sentirem medo, eles penduram uma toalha na sua cabeça quando ela aparece no meio da sala pela milionésima vez? Foi isso. Esse foi o toque que fez a história vibrar. Quando comecei a escrever, queria incluir esse elemento de humor combinado com um conto muito, muito macabro. O primeiro livro de terror adulto que li foi O Cemitério de Stephen King, eu tinha 12 anos na época. E é, de longe, o livro mais macabro e assustador. Eu queria esse mesmo tom e medo no meu trabalho.
Enredos ambientados em cidades pequenas, circundadas por uma densa floresta sinistra, possibilitam a criação de uma atmosfera claustrofóbica e perturbadora. Como você define a Black Spring de HEX?
É uma cidade americana normal, com pessoas americanas normais. Mas eles têm que manter esse segredo terrível. É o seguinte: eles morrem de medo dela. Portanto, eles têm regras sobre não judiar dela, não se meter com a bruxa, e prevenir forasteiros de a verem a qualquer custo. O que faz com que você, é claro, se torne realista. Imagine se isso acontecesse na sua cidade nos dias atuais, como vocês lidariam com isso? Todo mundo teria um aplicativo de celular, é claro – o HEXApp – para relatar aparições e rastreá-la. E eles fariam de tudo para impedir que forasteiros a vissem. Eles a cobririam com as coisas mais loucas, como um galpão de ferramentas e arbustos, ou um coral de senhorinhas quando ela aparece em público. Eu amei a ideia de uma cidade moderna com pessoas tendo que lidar com o sobrenatural da forma mais mundana, realista e prática possível. Só que, ao mesmo tempo – e é aí que voltamos para o arquétipo clássico de terror – no fundo, eles ainda têm muito medo. Eles têm medo do desconhecido que ela representa. Eles têm medo do dia que ela pode abrir os olhos. E eles têm medo do que pode acontecer com a cidade caso não obedeçam às regras…
Ao mesmo tempo em que há toques medievais pela presença de uma terrível bruxa num vilarejo amaldiçoado, HEX também traz a modernidade dos aparelhos celulares através de um aplicativo e um site. Como essa contraposição de conceitos antigos e modernos serviu para a construção de seu enredo?
É o que guia a história. Muitos elementos do livro são inspirados pela febre das bruxas medievais, principalmente pelas superstições que as cercavam. Mas, francamente, não acho que a sociedade seja muito diferente nos dias de hoje. Claro, temos nossas tecnologias modernas e a ciência já descartou várias das superstições que costumávamos temer, mas introduziu um elemento de afastamento ou uma carga na população ou até mesmo na sociedade como um todo, e as pessoas tendem a retornar aos seus instintos primordiais e instintivos. Você só precisa disso para a sociedade desmoronar. Essa é a parte verdadeiramente assustadora de HEX, penso eu: o espelho que ergue para o leitor, que faz com que ele se pergunte como agiria nessa situação. Todos gostamos de pensar que agiríamos de maneira diferente, que seríamos racionais… mas a conclusão ameaçadora é a de que não podemos ter certeza.
HEX ganhou o reconhecimento de grandes autores, incluindo o próprio Stephen King, e chegou ao Brasil numa caprichada edição da Darkside Books. Como você enxerga esse crescimento do horror literário e o reconhecimento cada vez maior de que há pessoas que se alimentam do medo?
Pra mim, particularmente, tem sido uma jornada excepcional. Tenho trabalhado desde muito jovem para conquistar o que conquistei hoje. E ver tudo isso acontecendo é muito recompensador. Significa muito pra mim quando um herói da minha infância, como o Stephen King, tweeta sobre meu livro, dizendo que ele é “brilhantemente original”. Além disso, receber mensagens de tantos leitores ao redor do mundo pelo Facebook, Instagram, e-mail, é a melhor parte. A Holanda é um país bem pequeno e não são muitas as pessoas que falam nossa língua. Agora, de repente, pessoas da Índia, da Argentina, da Ucrânia e da China estão lendo meu livro, me enviando mensagens contando que tiveram que dormir com as luzes acesas. O que mais você pode querer sendo um escritor de terror?
No geral, cada vez mais e mais grandes autores têm surgido nos últimos anos dentro do gênero. Paul Tremblay, Nathan Ballingrud, Dathan Auerbach – todos autores que escrevem histórias formidáveis. Vocês deveriam dar uma olhada neles!
O que mudou no seu estilo e visão de autor desde o lançamento de seu primeiro romance, em 2002, até HEX?
Eu diria que amadureci bastante. Escrevi meu primeiro livro aos dezesseis. Olhar para trás, para essa época, é um pouco como olhar para fotos da sua adolescência. Você diz: “Eca, é assim que eu me parecia e me vestia? Meio vergonhoso…” É a mesma coisa com o que você escreveu quando era mais novo. Hoje, tenho muito mais consciência do que estou fazendo. Eu li mais. Escrevi mais. Isso rendeu bons resultados – a narrativa e a escrita são muito mais meticulosas e estruturadas – mas também teve um lado ruim: naquela época, eu costumava mergulhar numa história com um tipo de bravura inocente que só as crianças possuem. Eu escrevia seis páginas por dia quando era criança, sem medos ou dúvidas. Hoje, fico feliz se conseguir duas ou três. Principalmente quando você faz sucesso – como no caso de HEX – as dúvidas ficam ainda maiores. É incrível quando Stephen King ou The Guardian colocam seu livro num pedestal, mas também faz você se perguntar a cada parágrafo “o que será que o King ou The Guardian vão dizer sobre isso?”, o que é, claro, uma maneira muito eficaz e estúpida de bloquear sua criatividade. Você precisa de um pouco daquela bravura inocente.
Alguns escritores relatam experiências sobrenaturais e alguns tipos de medo, mesmo quando estão acostumados a lidar com o fantástico. Você acredita em assombrações, fantasmas e possessões demoníacas? Você tem algum medo?
Eu não, necessariamente, acredito no que escrevo. Pelo menos, não nas coisas sobrenaturais. Fico sempre um pouco relutante quando as pessoas contam histórias de fantasmas reais. São sempre relatos indiretos. Eu não estava lá, então não tenho como provar a experiência, o que naturalmente transforma esses relatos em histórias. Talvez ele tenha visto uma sombra, ou tenha sido só imaginação, algo que não estava lá, ou algo que estava realmente morto. Sério, eu adoraria ver um fantasma algum dia. Mas até hoje, nunca aconteceu.
Ou… talvez uma vez. Mas esse seria um relato indireto no seu caso, né?
Medos: sim, tenho vários. Você precisa deles para expressá-los no papel. Tenho medo de perder um ente querido. Envelhecer. Doenças. Morte. Do escuro. De altura. De assistir filmes de terror sozinho. Ah, tubarões. Eu conheço as estatísticas, é estúpido e infundado, mas eu ainda olho pra eles e acho que são o mais próximo de monstros que temos no mundo. Faço muitos saltos de penhasco. Meu maior pesadelo é pular de um penhasco e cair em cima de um tubarão gigante.
O que virá depois de HEX? Podemos esperar mais histórias criativas que impressionem em futuras publicações?
Definitivamente. Estou no momento terminando meu novo romance. Assim como HEX foi a minha versão moderna para o arquétipo da bruxa, essa é a minha versão moderna para o romance de possessão. O que já está batido nos livros de possessão é o aspecto religioso – sempre tem um demônio ou espírito maligno que possui uma pessoa e um padre que vem exorcizá-lo. Todos já conhecemos essa história. No meu tempo livre, sou alpinista. E sempre que estou nas montanhas sinto como se elas fossem seres vivos elevados. Como se tivessem uma alma. Não sou uma pessoa muito espiritual, mas outros alpinistas já me contaram histórias parecidas. E cada montanha tem uma alma específica e diferente, única daquela montanha. São lugares de poder. Daí eu pensei, não seria legal se tivesse esse cara, um alpinista que sofreu um acidente terrível e desceu, possuído pelo espírito da montanha? Ter essa força da natureza-malvada revoltada dentro dele? Essa é a premissa do novo livro. Vai ser empolgante e vai ser aterrorizante, isso eu prometo.
Aliás, uma série de TV de HEX está em desenvolvimento! Gary Dauberman, o cara que escreveu o roteiro para a adaptação mais recente de IT, a Coisa do Stephen King, está trabalhando na primeira temporada. Isso vai ser emocionante…
Gostaria de deixar algum recado para os fãs de horror do Brasil, aos que leem a Darkside e acessam o Boca do Inferno?
Estou muito animado que a maldição da Katherine agora se espalha também pelo Brasil. Mal posso esperar para saber se vocês aí gostaram do livro, se ficaram arrepiados ou tiveram pesadelos. E o melhor de tudo: estou indo visitar e assinar livros em junho! Estarei em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Então venham me dar um oi e ter sua edição de HEX autografada. Enquanto isso, me procurem no Facebook ou Instagram e me mandem um recado. Eu adoraria saber de vocês!
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Parabéns pelo trabalho, Boca!
Excelente entrevista!