A Primeira Noite de Crime (2018)

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A Primeira Noite de Crime
Original:The First Purge
Ano:2018•País:EUA
Direção:Gerard McMurray
Roteiro:James DeMonaco
Produção:Michael Bay, Jason Blum, Andrew Form, Brad Fuller, Sébastien K. Lemercier
Elenco:Y'lan Noel, Lex Scott Davis, Joivan Wade, Mugga, Patch Darragh, Marisa Tomei, Luna Lauren Velez, Kristen Solis, Rotimi Paul, Mo McRae, Jermel Howard

O crescimento populacional e a violência sempre estiveram em pauta nos programas políticos, desde o século passado. O medo recorrente de uma possível escassez de alimentos disputa com o acesso cada vez mais facilitado de armas, com uma perspectiva sombria para os próximos cinquenta anos. Consciente de sua liberdade criativa, o Cinema tem se beneficiado desses debates para promover distopias assustadoras, mostrando que algumas soluções imaginadas poderiam trazer novos e maiores problemas. Dentro dessa perspectiva, a franquia “The Purge” representa uma possibilidade que vai além, por exemplo, da Pena de Morte para aliviar o sistema carcerário: uma vassoura social, gerando a exclusão de pessoas que não contribuem para a evolução da nação, mesmo que, para isso, seja preciso facilitar o crime. É claro que o programa proposto irá envolver outros temas mais delicados como o racismo, o preconceito e a divisão social.

Lançado em 2013, Uma Noite de Crime partiu de um conceito curioso desenvolvido por James DeMonaco, que assumiria as rédeas também das continuações, Uma Noite de Crime: Anarquia (2014) e 12 Horas para Sobreviver: O Ano da Eleição (2016). Depois que o partido New Founding Fathers of America (NFFA) assumiu o poder da América, criou-se o programa The Purge, permitindo que, durante 12 horas, qualquer crime, não importando o grau de violência, possa ser cometido. Iniciando sob uma perspectiva claustrofóbica, com as sequências, o terror foi se expandindo pelas ruas mostrando a transformação de pessoas comuns em assassinos, dispostos a se vingar das diferenças ocorridas durante o ano. Juntamente com uma série produzida pela HBO, em 2018, foi lançado o prelúdio A Primeira Noite de Crime (The First Purge), que chegou aos cinemas brasileiros no dia 27 de setembro.

No enredo, também de DeMonaco mas desta vez dirigido por Gerard McMurray, a divisão entre os democratas e republicanos fez surgir uma terceira ideologia política, a tal NFFA. Um dos membros, Arlo Sabian (Patch Darragh), gosta da ideia desenvolvida pela Dra. Updale (Marisa Tomei) e leva ao Presidente, que sugere um experimento em Staten Island, em Nova Iorque. Os que possuem melhores rendas fogem da ilha, deixando para trás os mais necessitados, que ainda são instigados a participar do projeto através de um incentivo financeiro e uma entrevista prévia: se ficar no local, leva U$5 mil; se sair e realmente “participar”, os valores podem aumentar. Poucos dias antes do evento, as ruas são tomadas por manifestações contrárias e a favor, enquanto os não adeptos à violência já buscam refúgios como uma igreja ou o próprio apartamento; e outros, como o jovem Isaiah (Joivan Wade), querem aproveitar o momento para se vingar.

Irmão de Nya (Lex Scott Davis), uma das que lideravam o movimento contrário ao Expurgo, o garoto quer apenas matar o psicótico Skeletor (Rotimi Paul), ao passo que este pensa no lucro financeiro com a quantidade de crimes cometidos. Destaca-se também o traficante Dmitri (Y’lan Noel), que, pela paixão por Nya, está indeciso sobre abandonar os negócios ilegais ou buscar ainda mais o poder, não concordando com o evento político. É claro que para uma primeira vez pode ser que as pessoas não se sintam tão à vontade para sair eliminando rivais, o que faz com que Arlo busque uma estratégia militar para promover a violência e fazer o projeto vingar.

Uma das melhores ideias da franquia sempre foi a caracterização dos cidadãos violentos – como não se lembrar dos invasores da casa de Ethan Hawke no primeiro filme? Usando máscaras e visuais criativos, além de armas incendiárias, bombas ou metralhadoras e facões, tudo fica ainda mais impressionante na realização das ações violentas. Em A Primeira Noite de Crime, com a proposta de registrar a experiência, o governo fornece aos cidadãos lentes de contato fluorescentes com câmeras, o que traz um aspecto ainda mais sombrio aos criminosos, destacando, claro, o terrível Skeletor. A cena do olhar curioso dos cidadãos pelas janelas é bem macabra também, remetendo a um horror sobrenatural. Assim como traz arrepios uma dupla que se esconde em um bueiro, usando máscaras com bonecas e sons de bebês, para atacar as mulheres, para estuprá-las.

No último ato, na invasão do condomínio – em uma leve referência a The Raid -, o clima de claustrofobia se intensifica na tentativa de sobrevivência de um grupo. O governo ainda amplia a violência, com drones que não apenas filmam a experiência como também estão equipados com armas de fogo para impedir contragolpes de gangues da região. E outros portos seguros como a própria igreja vão sendo atacados pela milícia, ignorando a idade ou o gênero da vítima. Não imagino como um número excessivo de mortos poderia servir de boa estatística para o programa do governo, uma vez que a ideia principal seria a limpeza da sociedade e não o massacre.

Causa estranhamento alguns diálogos artificiais do roteiro como o do rapaz que diz algo como “Estão transformando a nossa ilha na Roma Antiga, nosso bairro no Coliseu. Precisa saber se somos os cristãos ou os leões; os gladiadores ou os escravos.” E a falta de surpresas e ousadia faz com que o espectador já imagine como tudo irá se desenvolver, ainda que torça pela morte do anti-herói, um guerreiro imortal e improvável diante das circunstâncias.

Com um orçamento estimado em U$13 milhões, A Primeira Noite de Crime arrecadou pelo mundo mais de U$130 milhões de dólares, o que mostra o quanto a franquia realmente interessa ao público. Divertido, ágil, e bem violento como os anteriores, The Purge continuará trazendo para os cinemas cenas de tensão e luta pela sobrevivência com o já anunciado The Purge: Survival, previsto para chegar aos cinemas em março de 2019. Resta saber se o espectador não se enjoará das doze horas de crime para buscar outras ideias para resolver os problemas da sociedade.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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