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Atlantique
Original:Atlantique
Ano:2019•País:França, Senegal, Bélgica
Direção:Mati Diop
Roteiro:Mati Diop, Olivier Demangel
Produção:Judith Lou Lévy, Eve Robin
Elenco:Mame Bineta Sane, Amadou Mbow, Traore, Nicole Sougou, Aminata Kane, Coumba Dieng, Ibrahima Mbaye, Diankou Sembene

É inegável que existe uma crise social, política e humanitária nos quatro cantos do mundo onde o elemento humano acaba achatado diante de lutas por direitos básicos como trabalho, saúde, educação e moradia. De um lado existe uma parcela carente de tudo enquanto outra parcela da população só faz acumular riquezas e ignora totalmente os mais necessitados. Este modelo já da sinais claros que precisa ser repensado e o cinema tem servido de importante alerta desta realidade por meio dos produtos audiovisuais mais interessantes lançados em 2019.

Esta lista é formada por sucessos de crítica e bilheteria como o coreano Parasita, o norte-americano Coringa e, claro, nosso orgulho nacional, Bacurau. Além das gritantes críticas sociais, estes filmes, em especial Bacurau e Parasita, possuem em comum uma aproximação com o horror e o suspense. Não se tratam de filmes de terror, mas indiscutivelmente os títulos bebem das fórmulas propostas pelos gêneros.

Menos conhecida do que estes três, a produção senegalesa Atlantique existe no mesmo formato de trazer tons críticos em defesa dos mais pobres ao mesmo tempo em que flerta diretamente com elementos do horror, neste aspecto, com o sobrenatural.

A trama se passa na cidade senegalesa de Dakar. No subúrbio conhecemos Ada (Mama Sane), que é apaixonada por Souleiman (Ibrahima Traoré). Ambos são pobres. Souleiman faz parte de um grupo de homens que trabalha na construção de um moderno e luxuoso edifício, no entanto o salário dos trabalhadores está quatro meses atrasados. Vivendo em situação de bastante pobreza, Souleiman decide se juntar ao grupo em uma viagem clandestina pelas águas do Atlântico na esperança de chegar na Espanha onde poderá lutar por um futuro melhor. Logo chegam as notícias de que o barco naufragou e todos os homens morreram.

Este é o pilar da história que passa a acompanhar Ada em um noivado arrumado com um homem rico enquanto eventos misteriosos começam a acontecer nos arredores. A polícia começa a investigar os estranhos casos, que incluem incêndios misteriosos e invasões domiciliares, mas não consegue encontrar uma explicação lógica para os acontecimentos.

A diretora e roteirista Mati Diop traz de cara uma forte crítica ao modelo de livre negociação entre empregados e patrões. No meio da construção do edifício, os homens, que seguem em condições terríveis de trabalho, estão sem receber salário por quatro meses. Isto segue como ponto inicial dos acontecimentos ao impulsionar a trágica viagem para a Espanha. O mar surge no filme como cenário ameaçador ao mesmo tempo em que representa a possibilidade de uma vida melhor. O mesmo mar é insistentemente mostrado como cemitério destes homens. Aliás, os amigos de Souleiman não possuem nomes. O roteiro não os apresenta direito e aqui temos uma leitura de serem pessoas sem identidade e que no máximo são tratados como números ou dados estatísticos. Mais um barco saiu e mais um barco afundou. Assim como aconteceu semana passada e assim como vai voltar a acontecer.

Os elementos sobrenaturais estão presentes em Atlantique, embora não se trata de um filme de terror. Infelizes com as injustiças que sofreram, as almas dos mortos voltam para cobrarem por um mínimo de justiça. Em meio a tudo, Ada se mostra na esperança do amado ainda estar vivo enquanto evita o noivo rico. No entanto, mesmo esta personagem é representada pelo roteiro muitas vezes como fraca e até apática diante do cenário que a oprime.

Atlantique está disponível na Netflix e em alguns cinemas menos comerciais. Assistir ao filme significa uma boa oportunidade de prestigiar um cinema que tem poucos representantes no mercado nacional ao mesmo tempo em que traz uma história crítica e de valor reflexivo. Vale ser conferido.

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