4.7
(9)

O Vício
Original:The Addiction
Ano:1995•País:EUA
Direção:Abel Ferrara
Roteiro:Nicholas St. John
Produção:Denis Hann, Fernando Sulichin
Elenco:Lili Taylor, Christopher Walken, Annabella Sciorra, Paul Calderon, Edie Falco, Kathryn Erbe, Fredro Starr, Michael Imperioli

Kathleen: O que vai acontecer comigo?
Peina: Leia os livros. Sartre, Beckett, Burroughs. Sobre o que você acha que eles estão falando? Você pensa que são trabalhos de ficção?

O mito do vampirismo é uma temática constante no gênero fantástico, com a criatura da noite, oriunda com vigor no Romantismo gótico, sendo vista nas mais variadas representações, do Conde Drácula ao sugadores adolescentes, das gangues aos monstros sanguinários. É um tema fascinante e passível de simbolismo, principalmente na metáfora da transformação, das mudanças de personalidade e das enfermidades. Abel Ferrara deu sua contribuição ao subgênero de maneira inteligente (melhor do que dizer sóbria), ao trata do assunto com paralelismo aos vícios, sem se esquivar do horror sangrento, numa festa no último ato. O Vício (The Addiction, 1995) representa em sua conclusão a redenção católica de Ferrara para o seu passado de viciado em heroína, como o próprio afirmou em entrevista em 2018.

Para tanto, a própria iniciação de Kathleen (Lili Taylor numa performance extraordinária) se deve a um episódio inusitado. Ao caminhar solitariamente pelas ruas, no aguardo para atravessar uma avenida, ela é puxada pela sinistra Casanova (Annabella Sciorra) para um beco. Antes de mordê-la, a vampira pede que seja interrompida, que ela diga para não fazer o que pretende, justificando que a experimentação acontece como uma escolha. Mordida, a jovem é levada ao hospital com o ferimento no pescoço, e aos poucos começa a entender sua nova condição: ela precisa de sangue. Para chegar às primeiras vítimas, como o Professor (Paul Calderon), não demorará muito – e Ferrara mostra de maneira explícita seu recado quanto ao uso e consequências disso.

Kathleen passa a mudar seu comportamento, perde o interesse pelos estudos, e continuará ampliando seu repertório de vítimas até conhecer um tal de Peina (Christopher Walken, em papel pequeno mas fundamental), um experiente vampiro que traz alguns importantes ensinamentos para a jovem, como o de saber aproveitar o lado humano, dominando seu vício. Mas talvez seja tarde: a garota atrai a amiga para a condição, pessoas nas ruas são mordidas, até ela cair em si para tentar finalizar sua dissertação para concluir os estudos. E ela organiza uma festa, que promete violência, pescoços rasgados e muitos corpos espalhados – na metáfora da formação acadêmica, como pessoas que devoram e são devoradas pelo sistema.

Dentro do que se imagina que se conduz o vício, há um pouco em cada personagem no roteiro de Nicholas St. John. Há os novos viciados, os que negam sua vontade e sofrem por isso e os que se destroem pela corrupção de seu equilíbrio. Como estudante de antropologia, Kathleen e os demais enxertam citações diversas, de filósofos a escritores como William S. Burroughs e seu clássico lisérgico Naked Lunch. Assim, o longa ganha em referências, em diálogos inteligentes e discussões de auto-conhecimento, servindo para o próprio espectador notar a evolução da protagonista, do entendimento de seu vício à compreensão do que seria o pecado.

Kathleen: Finalmente entendo o que é tudo isso, como tudo foi possível. Agora vejo, bom senhor, como devemos olhar lá de fora. Nosso vício é mau. A propensão para esse mal está em nossa fraqueza diante dele. Kierkegaard estava certo – há um precipício terrível diante de nós. Mas ele estava errado sobre o salto. Há uma diferença entre pular e ser empurrado. Você chega a um ponto em que é forçado a enfrentar suas próprias necessidades, e o fato de não poder terminar a situação se instala com força total.

Com uma bela fotografia em preto e branco, O Vício, lançado pela Versátil no box Vampiros no Cinema 3, ao lado de A Noiva Ensanguentada, As Filhas de Drácula e A Maldição de Lemora, é um filme que aborda o vampirismo de maneira diferente, mas que não se esquiva de seus elementos de horror. Ora, se o próprio vício é o símbolo da deterioração da personalidade, nada melhor do que associá-lo a essa temática, de maneira profunda e significativa! Abel Ferrara fez isso e fez muito bem!

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