Antebellum (2020)

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Antebellum
Original:Antebellum
Ano:2020•País:EUA
Direção:Gerard Bush, Christopher Renz
Roteiro:Gerard Bush, Christopher Renz
Produção:Gerard Bush, Raymond Mansfield, Sean McKittrick, Christopher Renz, Lezlie Wills
Elenco:Janelle Monáe, Eric Lange, Jena Malone, Arabella Landrum, Tongayi Chirisa, Jack Huston, Kiersey Clemons, T.C. Matherne, Robert Aramayo, Marque Richardson, London Boyce, Bernard Hocke

A câmera passeia em travelling por um campo e plantações em um belíssimo plano-sequência, acompanhado de uma adequada trilha incidental, para dar uma dimensão tênue da sua proposta. É o cenário horrendo de um mundo que segrega raças, que exerce submissão, que maltrata, com mais intensidade e sem camuflagens durante determinados períodos da História, como na Guerra Civil Americana, e quase discretamente nos dias atuais. Em meio a esse ambiente revoltante, onde negros são usados como ferramentas de trabalho e diversão, há um outro contexto a ser identificado no dramático thriller Antebellum, de Gerard Bush e Christopher Renz, que realmente estavam conscientes de que o material poderia render um filmaço. Não foi bem o que aconteceu – há muito mais plot twists do que se imagina.

Há, em Antebellum, a necessidade que o infernauta que queira criar a empatia absoluta não leia muito a respeito. Ainda que o trailer não entregue o pacote completo, há o risco de uma revelação que, antecipada, pode deteriorar as principais expectativas, até porque o conceito não é assim tão inovador – tem a carcaça de um Shyamalan evidente ali. Contudo, a grande surpresa é a espinha dorsal do longa, e, tirando-a de cena, não resta muito a se aplaudir além dos aspectos técnicos e das boas atuações, principalmente de Janelle Monáe, quando branda uma tocha frente a um incêndio, em um dos melhores momentos do filme. Pode-se dizer que trata um trabalho interessante realmente, com possibilidades reflexivas a partir de seu contexto prematuro, mas distante de figurar entre as grandes obras de 2020.

O termo “antebellum” vem do latim e descreve o período que antecede uma guerra. Nesse ambiente, Eden (Monáe) vive à mercê de um senhor, que a castiga e humilha pelo tom da pele. Cansada de viver subjugada, ainda mais com a chegada de uma moça grávida, Julia (Kiersey Clemons), e consciente do destino que lhe reserva, ela planeja uma fuga com Eli (Tongayi Chirisa) o quanto antes, sabendo que não será fácil se livrar do capataz que ronda o local. Em dado momento que antecipa a fuga, ao dormir, ela acorda em uma outra realidade, como escritora de sucesso, entre palestras e o cuidado com a família numa residência de luxo, com muitos dos que convivem com ela naquele pesadelo presentes nessa vida melhor. Seria um sonho ou um pesadelo? A qual universo ela pertence, se, mesmo sob uma condição melhor, ainda há traços daquela outra realidade, como se fundissem ou fizessem parte de um mesmo universo?

Não é tão complexo quanto se aparenta, e a mensagem está ali, como um tapa na cara ou uma marca deixada na pele. Mesmo que a escravidão possa estar em um passado distante, com uma distância de mais de um século, os rastros permanecessem hoje em dia, bastando olhar os noticiários em casos como o de George Floyd e o de Breonna Taylor, que acenderam manifestações violentas nos EUA, mas que fazem parte de uma rotina brasileira de indignação e silêncio. Dentro de uma verdade assustadora, expressa em produções cinematográficas desde sempre e atualmente adotada no horror social de Jordan Peele – ele não tem nada a ver com esse filme, mas produtores de Corra! e Nós estão envolvidos -, Antebellum permite que atitudes possam ser repensadas, desde que se entenda o papel nessa história.

Excluindo a mensagem reflexiva e avaliando como cinema de gênero, Antebellum se conduz com um bom drama. O terror está expresso em seu conceito, assustando pela exposição de um pesadelo, mas a narrativa é lenta e discreta, sem sustos e evitando uma violência mais explícita, o que pode não agradar aos fãs de um gênero mais cru e sangrento. Teria um valor ainda maior se ousasse na construção de sua narrativa, no grafismo que permeia essa condição, como o ferro em brasa no contato com a pele do espectador. Deixaria marcas profundas, independente da cor da pele.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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