Psicopata Americano
Original:American Psycho Ano:2020•País:EUA Autor:Bret Easton Ellis•Editora: Darkside Books |
Ser bem sucedido, trabalhar em Wall Street, jantar em novos e renomados restaurantes todos os dias, amigos influentes, roupas e acessórios caríssimos da moda…Eis o sonho americano. Muito mais do que uma vida aparentemente perfeita e uma aparência impecável, Bret Easton Ellis mostra o outro lado deste “sonho” de forma visceral, mastigada e cuspida em Psicopata Americano.
Sua escrita, carregada de ironia, críticas e detalhes explícitos do lado mais podre da – especialmente – alta sociedade chegou a ser censurada e até mesmo proibida em alguns países na época do lançamento. O autor chegou a ser ameaçado de morte e sofrer perseguições, mas não apenas pelas brutalidades de revirar o estômago descritas, mas principalmente por expor e satirizar a hipocrisia humana de uma forma nunca vista antes.
Seu nome é Patrick Bateman, rico, bem sucedido, estudou em Harvard, possuidor de uma beleza invejável e de um vasto conhecimento sobre marcas de grife. Trabalha em Wall Street, todos os dias vai a algum restaurante caríssimo diferente, cobiçado e ainda mora no mesmo prédio que Tom Cruise. Tudo isso antes dos trinta. E toda a narrativa é feita sob sua perspectiva.
Patrick é fã de um programa chamado Patty Winters Show e de Night with David Letterman, de Donald Trump e da banda Talking Heads, de bronzeamento artificial, fitas de vídeo e produtos para cabelo. Uma curiosidade sobre ele, é que sua opinião é sempre levada em consideração pelos amigos quando o assunto é moda e quais meias são adequadas a cada ocasião e com quais sapatos e cintos devem ser combinadas. Também sabe muito sobre Serial Killers e tem impulsos assassinos, mas isso é só um detalhe na perfeita e invejável vida de Patrick Bateman.
Constantemente, ele está rodeado de amigos em algum bar, restaurante ou boate. Passar a noite em casa é fora de cogitação para esses yuppies de Wall Street (vulgo “Faria Limers”, em termos brasileiros). Seus assuntos principais são dinheiro, garotas, drogas, devo usar meias cinza com terno preto?, dinheiro, recentes aquisições, roupas, dinheiro, onde jantar, aquele cara é um babaca mal vestido e dinheiro. Tudo é uma competição, tudo é status, tudo é fachada. Um simples cartão de visitas melhor é o suficiente para perder a cabeça. No caso de Bateman, seu descontrole é um pouco mais extremo, e acompanhamos sua sanidade se esvaindo cada vez mais conforme a história avança, indo de um charmoso (narcisista, elitista, racista, homofóbico e machista) jovem abastado a um assassino sanguinário descontrolado.
Apesar de escrito em 1991, Psicopata Americano acaba sendo atemporal. Bret Easton Ellis retrata uma sociedade doente, que tenta preencher uma vida vazia com consumismo desenfreado, sexo, drogas , jantares caros e relações interpessoais supérfluas, apenas para se encaixarem e se sentirem momentaneamente satisfeitos, nunca ficando sozinhos ou totalmente sóbrios. Um exemplo disso são as descrições dos personagens. São simplesmente inexistentes. Os homens são marcas de roupas, produtos de cabelo, músculos e posses, não sabemos nada sobre suas aparências, além do fato de todos terem boa aparência. Não sabemos suas fisionomias, mas sabemos todas as grifes de cada item que estão utilizando naquele momento. Todos são iguais, pois se forçam a ser iguais e sentirem que são parte de algo. Essa crítica fica clara quando o autor descreve as pessoas não apenas como as marcas que usam, mas também por serem facilmente confundidas com outras de mesmo status, não importando se trabalham no mesmo local. Já as mulheres são, além de grifes, corpo, pura e simplesmente. São vistas como objetos descartáveis com nenhuma outra utilidade além de satisfazer os homens, sem grandes aspirações e, a grande maioria, com pouca ou nenhuma personalidade. E nem fazem questão. São retratadas tendo apenas duas preocupações: dinheiro e aparências, assim como todos os outros. Patrick e seus colegas fazem questão de ressaltar que não existem mulheres com boas personalidades, mas caso exista, quem se importa? Apenas o exterior conta. Esse machismo é visto não apenas em suas falas, mas também em atos. Bateman tortura e mata mendigos, negros, homossexuais e até mesmo crianças quando está entediado ou com raiva, mas seu prazer real vem de mutilações femininas, mais uma vez mostrando como são descartáveis a seus olhos.
Como é narrado em primeira pessoa, somos espectadores da mente de um Patrick que está alucinando e enlouquecendo. Sua sede de sangue é óbvia, os detalhes de seus atos – ou o que imagina fazer com as pessoas – são hediondos e minuciosos, entretanto, retrata também uma pessoa com sérios problemas psicológicos. Sim, ele se excita com morte e torturas, certamente alguém assim não é mentalmente estável, mas vai muito além disso. Em diversas passagens o protagonista exibe sinais de ataques de pânico e ansiedade, muitas vezes quando alguém aparenta ter maior poder aquisitivo do que o seu, de depressão – ao afirmar que se sente vazio, que deseja se encaixar – e também de paranoia, esse último elucidado quando Patrick já está quase completamente insano, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, o que também abre precedentes para um possível distúrbio de personalidade. Seu desejo de se encaixar é tão grande, sua máscara de sanidade é tão profunda que, quando racha, não há mais volta. Enquanto no começo vemos um Patrick Bateman controlado, saciando sua sede de sangue esporadicamente em relatos breves, na metade isso começa a evoluir cada vez mais, sua insatisfação aumentando na mesma proporção da violência e, ao final, está completamente psicótico e insano. Os relatos vão desde membros decepados, paredes cheias de sangue e vísceras escorrendo a cabeças esmagadas, genitálias mutiladas, órgãos expostos e canibalismo de dar inveja a qualquer filme gore do lado B. Tudo nos mínimos detalhes.
É uma leitura pesada, brutal e intensa, com uma pegada psicológica impressionante. Ellis disseca não apenas corpos, como também uma humanidade perdida, que tenta encontrar sentido se iludindo ora utilizando o poder aquisitivo como válvula de escape e símbolo de algum poder e controle, ora utilizando a violência.
Quando chegamos ao fim, questionamos se tudo não passou de um delírio, o surto psicótico de alguém se agarrando ao que pode para sobreviver a uma vida sem significado, ou se a alta sociedade está imune, não importando a barbaridade de seus atos, sendo todos psicopatas americanos vivendo o sonho americano. Provavelmente ambos, afinal, apenas a aparência importa.