Medicina dos Horrores
Original:The Butchering Art Ano:2019•País:EUA Autor:Lindsey Fitzharris•Editora: Intrínseca |
A era Vitoriana (1838 – 1901), apesar de considerada uma época de muitos avanços nas mais diferentes áreas para o povo britânico, também foi um período deveras sombrio, especialmente em Londres. Exploração infantil, condições de trabalho inadequadas nas minas, aumento desenfreado da população, epidemia de cólera, um assassino à solta nas ruas (sim, estamos falando de Jack) e, para coroar tudo isso, ambientes hospitalares inóspitos, para se dizer o mínimo. A expectativa de vida era de 44 anos para a alta classe e de apenas 25 anos para a classe trabalhadora, dadas as condições insalubres às quais eram submetidos. Imagina-se que os hospitais seriam lotados em uma época assim, porém, mais de 70% das mortes aconteciam dentro de casa. Isso não quer dizer que o atendimento era tão impecável que a taxa de mortalidade nas enfermarias beirava a zero, muito pelo contrário. A maioria das mortes acontecia em casa justamente porque as pessoas se recusavam a pisar em um hospital, onde a morte era certa.
No início do século XIX, cirurgiões não precisavam cursar a universidade, sendo muitos deles analfabetos e dependendo exclusivamente do aprendizado a partir de exemplos práticos e observações. Felizmente, em 1815, a profissão evoluiu para especialista cirúrgico, sendo agora obrigatório cursar medicina e fazer residência em hospitais-escola para exercer a função. Mas isso foi apenas um pequeno passo em um longo período de grotescas situações.
Cirurgias, por não serem comuns e feitas apenas em último caso, eram realizadas em um lotado anfiteatro, onde a curiosidade macabra dos londrinos – herança do Renascimento – falava mais alto do que os horrores que seriam realizados. O ambiente não era limpo entre uma cirurgia e outra, os médicos não lavavam as mãos e muito menos os instrumentos cirúrgicos. Qualquer infecção ou caso mais grave que chegasse ao hospital era imediatamente tratado como um caso de amputação, pois acreditavam que era a única maneira de parar a deterioração da carne. A pouca iluminação tentava esconder as manchas de carnificinas anteriores, porém, o cheiro pútrido era facilmente distinguível.
Além dessas precárias condições, o paciente permanecia acordado e sentindo absolutamente tudo durante o procedimento. Até que o mais famoso cirurgião da região, Robert Liston, avança de forma significativa neste quesito, utilizando éter líquido para sedar o paciente. Liston, conhecido por suas mãos hábeis e rápidas durante as cirurgias, mostrou a um público descrente que sim, o paciente estava inconsciente e não estava sentindo dor, mesmo com sua perna sendo literalmente serrada ao meio. O éter funcionara, e o processo de amputação durou cerca de 28 segundos.
Dentre os deslumbrados espectadores estava o jovem Joseph Lister, estudante de medicina que revolucionaria o mundo da cirurgia.
Lister se mostrou um aluno muito promissor, com ideias práticas que feriam o ego de alguns de seus professores mais elitistas. Porém, outros viam no rapaz uma mente brilhante e interesse genuíno pela profissão. Em sua residência no University College London, viu com seus próprios olhos a situação medonha dos hospitais, sendo chamados de Casas da Morte.
Após uma amputação, a devida limpeza e cuidados necessários não eram aplicados e, por isso, o membro começava a gangrenar e levar a pessoa a morte de modo torturante. Outro motivo para a reputação dos hospitais ser péssima. Com isso em mente, Lister começou a se perguntar o que causaria aquilo e, após diversas observações, concluiu que uma ferida superficial provavelmente curaria sozinha, mas uma ferida com a carne exposta muito provavelmente infeccionaria e levaria o paciente a óbito. A causa disso ainda não estava completamente clara, até que Joseph Lister leu um artigo do francês Louis Pasteur e buscou incansavelmente um método antisséptico eficaz para ser implementado nos hospitais imediatamente.
Sua jornada foi árdua e o reconhecimento não foi imediato, sendo desacreditado e ridicularizado por suas ideias, chegando a ser chamado até mesmo de charlatão e incompetente por parte da comunidade médica. Por incrível que pareça, até mesmo algo simples como lavar as mãos e manter as feridas sempre limpas foram sugestões recebidas com ceticismo. Naquela época, aventais sujos com crostas de pus e sangue era sinal de profissionalismo. Após muito sangue e suor, perceberam uma queda na taxa de mortalidade das enfermarias com a implementação dos métodos de Lister.
Em 1871, sendo um nome reconhecido por todo Reino Unido, o revolucionário cirurgião foi chamado ao leito da Rainha Vitória para realizar um procedimento, o qual foi um sucesso.
O nome do livro sugere sinistros e sangrentos relatos passados pelos médicos da época, mas vale ter em mente que é muito mais do que isso, é uma biografia e um breve vislumbre da vasta história da medicina.
Em Medicina dos Horrores somos expostos a chocantes e repulsivas descrições reais das cirurgias e de como os hospitais funcionavam na Europa no século XIX e como a falta de higiene era visto como algo comum, mas também conhecemos a vida e trajetória do homem que revolucionou o mundo cirúrgico com a implementação de métodos antissépticos, mesmo com todos os descréditos e percalços que encontrou pelo caminho.
Os hospitais, antes lugares sujos, fétidos e mal cuidados, enfim entraram no curso para se tornarem Casas de Cura.
Até hoje, o trabalho de Joseph Lister é enaltecido. Graças a sua perseverança e perspicácia, temos o famoso Listerine e seus variantes.
Eu amei esse livro, muito boa sua resenha.