Saint Maud (2019)

4.4
(11)

Saint Maud
Original:Saint Maud
Ano:2019•País:UK
Direção:Rose Glass
Roteiro:Rose Glass
Produção:Andrea Cornwell, Oliver Kassman
Elenco:Morfydd Clark, Jennifer Ehle, Lily Knight, Lily Frazer, Turlough Convery, Rosie Sansom, Marcus Hutton, Carl Prekopp, Noa Bodner, Takatsuna Mukai, Jel Djelal, Joanna Richardson, Sona Vyas

Quem sempre está atento às produções mais comentadas e elogiadas, além das mais polêmicas, provavelmente já deve ter ouvido falar de Saint Maud. O longa teve sua première no Festival de Toronto, em 2019, e depois passagens por outros festivais, até um lançamento discreto nos cinemas americanos e ingleses no ano seguinte e a chegada às mídias físicas em fevereiro. Por onde passou, foi colecionando opiniões positivas, que enalteciam o trabalho de Rose Glass em seu primeiro longa, e as que apontavam a produção como herege e religiosamente agressiva, na concepção de um exploitation contemporâneo. Termômetro de críticas cinematográficas, o site Rotten Tomatoes chegou a indicar 94% de aprovação, com base em 139 reviews, alcançando uma média de 8.1/10. Será que é para tanto?

Geralmente filmes que fogem dos moldes tradicionais, que se esquivam dos clichês e possuem uma concepção ousada se enquadram nessa categoria; são os que despertam questionamentos, provocam o espectador e ainda trazem um horror cruel e perverso nas entrelinhas. É claro que Saint Maud passeia por todas essas características, o que o torna agradável a poucos paladares, mas também está distante de assumir uma condição de clássico do gênero, sob a vestimenta de uma obra transgressora. Tem muitos méritos na mesma proporção que pode causar repulsa (o que não deixa de ser também um mérito), seja pelo ritmo lento ou por algumas situações pouco explicadas, permitindo sentidos ambíguos e metafóricos.

Nele, a enfermeira Maud (Morfydd Clark), envolta em descobertas sobre a própria fé e crenças, assume o trabalho de cuidar de uma senhora em estado terminal em um vilarejo inglês à beira-mar. Amanda (Jennifer Ehle) foi uma famosa bailarina e coreógrafa, com diversos prêmios em uma carreira sólida de ovação e elogios em capas de revistas e publicações, mas encontra-se no estágio quatro de um linfoma que a condicionou à movimentação numa cadeira de rodas, necessitando de amplo cuidado para absolutamente tudo, desde banho à alimentação. Ateia, Amanda teme a morte, e acredita que a jovem que contratara, pela sua fé cristã, poderá desperta-la para uma aceitação sobre o que poderá vir após seu último suspiro.

Na verdade, Maud era a enfermeira Katie, que se afastou do hospital onde trabalhava após a morte de um paciente sobre seus cuidados. Foi essa perda que a fez buscar uma força divina restauradora, e ela acredita que, se conseguir salvar a alma de Amanda, encontrará enfim o perdão necessário. Contudo, Maud expõe sua fé em atitudes incômodas como a sua crença de que consegue se comunicar com Deus de maneira tangível, alcançando o êxtase – na forma de orgasmos mesmo – a partir de suas orações, algo que Amanda parece aceitar bem. Porém, a jovem começa a se sentir ameaçada pelas visitas constantes de Carol (Lily Frazer), uma mulher para quem Amanda paga para fazer sexo. A presença dela ali pode deturpar as crenças plantadas por Maud, levando-a novamente ao pecado. Para complicar ainda mais, surge Joy (Lily Knight), uma ex-colega de Maud do hospital, que a conduz novamente a ter lembranças de sua “vida anterior“, o que pode ocasionar sua demolição emocional.

Esses desafios de fé e a luta interna de Maud são os grandes propulsores da reflexão. Rose Glass enche a obra de imagens simbólicas para representar as mudanças da protagonista como uma cena simples envolvendo a queda de uma cruz, a imagem de uma sopa borbulhante e o olhar de Maud à movimentação curiosa de uma barata. Tudo se beneficia das excelentes atuações, tanto de Morfydd Clark – que em algumas sequências remete a Sissy Spacek interpretando Carrie -, quanto de Jennifer Ehle, na sensação progressiva de degradação psicológica. É claro que esse conflito de ideais terá um desfecho não muito agradável, mas que é coberto de símbolos de adoração e fé, o que chega a ser assustador.

E nem seria preciso dizer que Saint Maud teve a distribuição da A24. A empresa que lançou obras como Hereditário, O Farol, Midsommar, A Ghost Story e Ao Cair da Noite só poderia estar por trás de mais uma produção lenta, que leva o espectador a uma imersão de horror e fantasia, com toques religiosos. Não chega a chocar como Hereditário e Midsommar, e nem se envolve no fantástico como O Farol e Ao Cair da Noite; mas está próximo de A Ghost Story, por permitir que o público consiga encontrar mensagens escondidas em cada sequência e por, principalmente, lidar com a tristeza e com o abandono. Saint Maud não irá ferir o espectador com o grotesco e  sangue em profusão, mas irá perturbá-lo como um infecção no estômago, um incêndio na alma daqueles que abraçam a religião como o caminho da salvação pela simples necessidade de se ter pelo que acreditar.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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