Ao Cair da Noite (2011)

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Ao Cair da Noite
Original:Just After Sunset
Ano:2011•País:EUA
Autor:Stephen King•Editora: Suma de Letras

Poucos autores da atualidade possuem um domínio tão absoluto sobre a escrita de contos como o mestre Stephen King. Mesmo com a concentração menor de personagens, assim como a ambientação reduzida, e o conflito se apresentando como singular, sem muito tempo para longas narrativas, King constrói a atmosfera de terror e explora o fantástico de maneira cativante, mantendo a atenção do leitor durante cada história, cada capítulo. E ele ainda se sobressai pela consciência de sua capacidade em transpor trabalhos para as telas, como se cada descrição já servisse de ferramenta para um futuro roteirista. Sentindo saudades da escrita reduzida do gênero, logo na apresentação do livro Ao Cair da Noite, King já deixa claro o quanto ela fora importante para sua evolução como escritor, até mesmo porque, em sua biografia, a gênese de sua arte se deve exatamente a pesadelos curtos, publicados em revistas.

Com o livro Ao Cair da Noite, lançado em 2008, Stephen King passeia por temáticas distintas, muitas delas envolvendo medos cotidianos ou fantasias que exploram situações óbvias como o uso da bicicleta ergométrica, por exemplo. E entre histórias que abordam as ações de um serial killer, alucinações e vingança, é impossível que você não se impressione com o excelente N., um dos melhores textos de Stephen King e que não demorou muito para encontrar adaptações para uma webcomic e uma fantástica versão Graphic Novel. Mas, há a chance de você se vir assombrado por cada uma de suas narrativas, curioso por elas permitirem uma aproximação ainda maior de sua mente tenebrosa.

O conto que abre a antologia é “Willa“, originalmente publicado em dezembro de 2006 na Playboy. Em uma estação de trem, David Sanderson está em busca da esposa até encontrá-la em um bar country e a verdade se revelar de maneira sobrenatural. King explora fantasmas que não sabem que estão mortos e a sensibilidade pela própria existência, na espera de uma resposta que parece que nunca irá chegar. Embora curiosa, mas pouco inovadora, é uma história que promove arrepios discretos e se alonga em um final que poderia ter sido menos óbvio.

A Corredora” (“The Gingerbread Girl”), publicado em 2007 na Esquire, está entre os melhores contos do livro. Nele, Emily acaba de se separar do marido e tem explorado corridas como uma forma simbólica de fugir do passado. Habitando o litoral, durante um dos seus exercícios, ela é avisada por um homem sobre o comportamento estranho de um morador e suas “sobrinhas“. Ao invés de se manter afastada, Emily resolve investigar a história e cai nas mãos de um serial killer, tendo que buscar meios de enfrentá-lo, se quiser sair viva dali. Um suspense angustiante e com o ritmo de um curta-metragem, e que fará o leitor se prender na leitura como Emily na cadeira do assassino.

A terceira história, “O Sonho de Harvey” (“Harvey’s Dream”), de 2003, lançada na revista The New Yorker, é bem curta. Nele, Harvey, que sofre de alzheimer, chega para a esposa para contar seu sonho, o que a impressiona pela lembrança nítida de sua experiência. E ela fica num dilema: será que contar seus sonhos pode fazer com que eles aconteçam ou é ao contrário? À medida em que a narrativa do senhor avança, ela fica aterrorizada pela possibilidade de se tratar de uma premonição. Um enredo simples, mas funcional, com um final bem interessante. “Sonhos são poemas do inconsciente“, diz o autor em dada passagem.

Posto de Parada” (“Rest Stop”), de 2003, também da Esquire, representa a alma de Stephen King. Nele, um escritor resolve aliviar a bexiga em um posto no meio da estrada e escuta no banheiro feminino uma intensa briga de um casal, com claros sinais de violência. Será que vale a pena se envolver num conflito que não é seu ou será que somente um personagem de seu conto seria capaz de algo assim? De toda a narrativa, é o único conto realmente ruim de Ao Cair da Noite. Explorando a violência doméstica, King utiliza de um humor sem vergonha e ácido, completamente desnecessário para algo terrivelmente comum na sociedade. “…e como era mesmo aquela piada antiga? Por que a cada ano são 300 mil casos de maus-tratos contra a mulher nos Estados Unidos? Porque elas…não…aprendem…porra.

Em “A Bicicleta Ergométrica” (“Stationary Bike”), presente na antologia Borderlands 5 (2003), King começa com as explicações metafóricas do Dr.Brady para diminuir a gordura acumulada de seu paciente Richard. Este adquire uma bicicleta ergométrica e, na pausa entre suas artes, atravessa nos exercícios diários psicologicamente por estradas e alcança lugares que não devia estar. Com um estilo Além da Imaginação, o conto é bem divertido ao explorar pesadelos e ainda assim promover uma situação de perigo pelo passeio da imaginação. Quem nunca se exercitou numa bicicleta ergométrica e deixou a mente viajar, sem que você saia do lugar?

O próximo conto é um mea culpa de King por não ter escrito nada sobre a tragédia do World Trade Center. “As Coisas que eles deixaram para trás” (“The Things They Left Behind”), publicado na antologia Transgressions: Volume Two (2005), tem a aparência de um curta-metragem. Nele, um sobrevivente aos atentados de 11 de Setembro começa a encontrar em seu apartamento objetos estranhos e que parecem pertencer à vítimas do episódio trágico. Sem entender porque eles estão ali, ele tenta se livrar deles, mas a cada tentativa traz uma visão aterrorizante do horror experimentado por ela. Sensível, é um capítulo que desperta calafrios ao mesmo tempo que relembra com emoção o que significou para King aquele fatídico dia.

Tarde de Formatura” (“Graduation Afternoon”), publicado em 2007 na revista Postscripts, é provavelmente o menor conto da antologia. Janice não anda muito empolgada com seu relacionamento com Buddy, e pensa em participar de uma última reunião de família com o rapaz. Contudo, um evento apocalíptico pode tornar aquela tarde realmente como a última. Simples e raso, é um conto que não exigiu muito esforço de Stephen King e ele nem sequer foi além do que se propôs. Deixa até a impressão que o autor não estava muito empolgado com seus personagens.

O próximo segmento é o fantástico N., escrito especialmente para o livro Ao Cair da Noite. Antes mesmo de chegar à obra, ele já estava sendo adaptado para uma webcomic e consequentemente para a graphic novel. No texto, um psiquiatra comete suicídio, mas deixa um material escrito sobre o paciente denominado N., com os dizeres para que fosse queimado. Ela começa a ler os relatos sobre o terrível T.O.C. de N. e como ele foi aterrorizado pelas pedras que encontrou em Ackerman´s Field, provocando uma extrema responsabilidade para evitar que um mal seja liberto. Se você quer apenas uma razão para você ler Ao Cair da Noite, N. é, com certeza, uma excelente. E vale ainda a leitura, mesmo que você conheça a graphic novel, pois ela tem diferenças bem importantes, principalmente em relação às descrições.

Se você é fã de horror, com certeza conhece “O Gato dos Infernos” (“The Cat from Hell”), publicado na revista Cavalier em 1977 (olha a data! Ou seja, é a primeira vez que esse conto chega a uma antologia!). Ele teve uma excelente adaptação no filme Contos da Escuridão, de 1990, e que tem um final muito melhor do que o texto de King. No enredo, um assassino de aluguel é contratado por um milionário para fazer um estranho serviço: matar um gato, responsável pela morte de várias pessoas numa casa. O que parece ser simples se transforma numa missão pavorosa! O conto repete no final uma sequência que envolveu a morte de um criado da família, o que soa repetitivo – algo que foi corrigido na versão para o filme. Mas, a cena final ainda mantém uma força narrativa que daria orgulho a Edgar Allan Poe.

The New York Times a preços promocionais imperdíveis” (“The New York Times at Special Bargain Rates”), publicado no mesmo ano do lançamento de Ao Cair da Noite, na revista The Magazine of Fantasy & Science Fiction. Em pleno velório do marido morto em um acidente aéreo uma mulher recebe uma ligação dele. E seu telefonema previne uma futura tragédia. Fraquinho, é um conto simples, sem muita enrolação, curto, e sem grandes pretensões. E você sente que já viu essa história antes num dos curtas de Amazing Stories.

Na revista Playboy de 2007 foi publicado o conto “Mudo” (“Mute”), que tem uma dupla narrativa bem interessante. Um homem chega a um confessionário para perguntar ao padre se o seu relato é ou não um pecado. Ele, então, conta que deu carona a um homem mudo e aproveitou dessa condição do rapaz para contar a ele sobre sua relação com a esposa, que o traiu e ainda fez bobagens com sua finança. Assim como o padre, que irá cancelar sua refeição pela história, você também ficará atento ao caminho que King pretende te mostrar, algo que só irá se revelar nas últimas páginas. Também poderia render uma boa adaptação.

Publicado na revista literária The Paris Review, em 2007, “Ayana” traz uma história bonita, com aquele estilo de King mostrado em Quatro Estações e À Espera de Um Milagre. Em seu estado moribundo, o senhor Doc recebe a visita da jovem Ayana, que lhe dá um beijo e lhe concede um milagre. A partir de então, o protagonista recebe uma missão similar, tentando espalhar milagres e esperanças. Escrito em primeira pessoa, pode ser que o enredo também traga bons pensamentos ao leitor, fazendo-o crer na fantasia e na mágica.

Por fim, a antologia se conclui com o nojento “No maior aperto” (“A Very Tight Place”), que teve uma passagem pela revista McSweeney’s em 2008. Dois vizinhos ricos vivem em duelo no mercado de ações. Um deles resolve se vingar, prendendo o outro em um banheiro químico, fortalecido com placas de metal. King descreve com precisão absoluta o estado em que se encontra Curtis, levando o leitor a sentir o odor das fezes espalhadas pelo ambiente reduzido, enquanto este tenta encontrar um meio de sobreviver a esse caixão fétido. Outro conto que tem a fórmula pronta para uma adaptação, e que seria curioso vê-lo se transformar em um curta-metragem. Divertido em sua construção textual, perdendo pontos apenas pela conclusão. Esperava-se algo como visto nos contos de vingança de Creepshow.

Essas treze histórias tem o estilo King de incomodar o leitor. Se não são apavorantes – N. é, sim! -, pelo menos são aptas a envolver a imaginação de seu público, entre pesadelos e situações inusitadas. Ao Cair da Noite foi lançado pela editora Suma de Letras em 2015, com aquele formato de antologia de Stephen King, com sua apresentação e suas notas com curiosidades sobre cada conto. Merece estar na sua estante!

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Ao Cair da Noite (2011)

  • 28/08/2020 em 14:12
    Permalink

    Amo esse livro do King. Lembro que parei de ler o conto “N”, não por medo (ou só por medo), mas por estar tão envolvido, tão absorvido pelo conto, que estava receoso em ler sobre os transtornos do personagem. Estranho, certo? Bom, isso é “N”.

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