A Maldição do Sangue de Pantera
Original:The Curse of the Cat People
Ano:1944•País:EUA Direção:Gunther von Fritsch, Robert Wise Roteiro:DeWitt Bodeen Produção:Val Lewton Elenco:Simone Simon, Kent Smith, Jane Randolph, Ann Carter, Eve March, Julia Dean, Elizabeth Russell, Erford Gage, Sir Lancelot |
A importância do produtor Val Lewton para o terror da década de 1940 e para toda a história do gênero é inegável. Lewton foi uma das mentes criativas por trás de verdadeiros clássicos como A Morta-Viva, O Túmulo Vazio e A Ilha dos Mortos, além de, é claro, Sangue de Pantera, considerado o seu melhor trabalho.
Oficialmente, A Maldição do Sangue da Pantera é uma continuação de Sangue de Pantera, mas a relação entre as duas produções é tênue. Isso acontece porque a obra não foi desenvolvida como uma sequência. A ideia de relacioná-la com o sucesso anterior veio depois e gerou uma comparação desnecessária.
De fato, A Maldição do Sangue da Pantera pode parecer uma obra menor aos olhos do público por nunca atingir a significância do seu antecessor. Porém, esta é uma bela história, que merece ser (re)descoberta pelos seus próprios méritos.
Escrito por DeWitt Bodeen (mesmo roteirista do original), o filme acompanha dois personagens já conhecidos: Oliver (Kent Smith) e Alice (Jane Randolph). Eles agora são casados e têm uma filha pequena, Amy (Ann Carter). Amy é uma garota solitária, que parece viver num mundo próprio. Ela não consegue se conectar com as outras crianças da sua idade e, diante da solidão, faz amizade com uma misteriosa vizinha.
Aqui é onde a relação entre os filmes é prejudicial: a filha dessa vizinha é interpretada por Elizabeth Russell, que fez uma participação impactante no original. Nesse caso, porém, ela perde muito da sua áurea de mistério, ao ser transformada em uma mulher que batalha pelo reconhecimento e acolhimento da própria mãe. Não só isso, mas essa subtrama tem pouca importância no desenvolvimento da história, podendo ser descartada sem fazer falta.
Outra conexão entre as duas produções é estabelecida a partir da chegada de uma amiga imaginária de Amy, uma mulher que surge apenas quando a menina está sozinha e lhe faz companhia nos seus momentos de maior tristeza (não vou entrar em detalhes para não entregar nenhum spoiler, mas é possível imaginar quem ela é).
Apesar dessas conexões impostas, A Maldição do Sangue da Pantera se sustenta melhor como um esforço isolado. A temática da repressão sexual (central à narrativa de Sangue de Pantera) é deixada de lado, dando lugar a uma história sobre solidão, amizade e amadurecimento, na qual as amizades da protagonista (tanto reais quanto imaginárias) servem como guias na sua jornada através da tortuosa juventude.
Assim como é comum nos trabalhos de Lewton, o filme explora a ambiguidade da situação, sempre nos apresentando a duas interpretações possíveis: uma racional e uma emocional. Tudo o que vemos na tela pode ser real, como pode ser imaginação da protagonista. E uma possibilidade não anula a outra.
Aliás, as cenas que mostram a visão subjetiva de Amy são belíssimas. Nelas, as luzes e sombras ganham vida, e toda a ambientação muda, dando ao filme um tom mais fantasioso. E é possível supor que os créditos dessas cenas não sejam do diretor Gunther von Fritsch mas sim de Robert Wise, chamado para assumir a direção durante as filmagens.
Este é o primeiro crédito de Wise como cineasta, antes de criar clássicos visualmente impressionantes como Amor, Sublime Amor e A Noviça Rebelde. Não seria nenhuma surpresa, portanto, se ele tivesse começado a exercitar o seu apuro estético aqui, sob a tutela de Lewton.
Em suma, A Maldição do Sangue da Pantera pode não ser o melhor trabalho de Val Lewton (a própria época da realização do longa tem um peso desfavorável, sendo impossível não se contorcer ao ouvir frases como “a primeira surra de uma criança é um momento especial”). Mas, em vez de sofrer com comparações injustas em relação ao original, o filme merece ser lembrado pelas suas qualidades individuais. E por ser outro acerto na carreira curta, porém brilhante do seu produtor.