Madres, Mães de Ninguém
Original:Madres
Ano:2021•País:EUA Direção:Ryan Zaragoza Roteiro:Marcella Ochoa, Mario Miscione Produção:John H. Brister, Elenco:Ariana Guerra, Tenoch Huerta, Elpidia Carrillo, Evelyn Gonzalez, Joseph Garcia, Jennifer Patino, René Mena, Leydi Morales, Amelia Rico |
por Caio Braga
Uma tendência natural nossa é ser condescendente com obras (filmes, séries, livros e até álbuns de música) que apresentem uma mensagem relevante de crítica social ou política. Muitas vezes perdoamos falhas gritantes de execução por avaliarmos que a intenção daquele diretor, músico ou escritor era de tal forma nobre que isso se sobrepunha à obra em si. Mas isso é uma tremenda cilada, até porque todo mundo está careca de saber que a estrada pro inferno é lotada de boas intenções…
Madres é realmente um longa que possui uma mensagem de denúncia fortíssima e importante, algo tão pesado que inclusive poderia contribuir em muito para o próprio desenvolvimento do filme como representante do subgênero “terror com crítica social“, e torná-lo mais uma excelente opção nesse estilo.
Mas nada disso acontece, infelizmente para o diretor (e principalmente pra quem se arriscar à vê-lo).
A trama em si é até na média e promissora:
O casal Diana (Ariana Guerra) e Beto (Tenoch Huerta), ambos de ascendência mexicana, se mudam para uma pequena cidade do interior da Califórnia (Golden Valley) em 1977, após Beto ter conseguido um cargo de supervisor de pessoal numa plantação com vários imigrantes, e Diana estar esperando o primeiro filho deles.
Mesmo tendo personalidades e origens bem distintas (Diana é formada e planeja escrever um livro jornalístico e Beto sempre foi um trabalhador rural e gosta disso), os dois demonstram terem um sentimento genuíno um pelo outro e se aceitam bem. Assim que chegam à cidade acabam parando em uma loja de artigos religiosos e de artesanato e a dona, Anita (Elpidia Carrillo), cumprimenta-os e dá as tradicionais boas-vindas, mas também pede para benzer Diana e seu bebê, o que a moça permite, mesmo contra a vontade, para não desagradar o cônjuge. Dessa forma já fica nítido que Diana é cética e não-religiosa, diferente de Beto que tem as mesmas crenças da maioria de seus compatriotas.
Conforme vão se sociabilizando com os colegas de trabalho de Beto e suas famílias, Diana percebe que, além do seu natural deslocamento por não falar espanhol, paira no ar um sentimento de tristeza entre as mulheres, e que isso muito provavelmente se deve à ausência quase total de crianças na comunidade. E nessa então já estamos no segundo ato do filme, que demora bem até começar a se mostrar como um exemplar de terror (e não um drama com cara de novela, o que em muitas partes parece ser).
Quando pouco depois começam os indícios na casa do casal de que a antiga moradora, Teresa, possuía segredos perturbadores e que isso pode estar afetando a gravidez de Diana, o espectador já vai estar provavelmente apertando o pause pra ver quanto ainda falta de filme pra acabar e soltando bocejos devido à morosidade da coisa toda.
A primeira aparição “completa” da assombração que começa a perseguir Diana é tão insípida e anti-climática que gera aquela expressão decepcionada de “Whattafuck?”… E daí em diante a coisa não melhora quase nada, partindo pra um atropelado terceiro ato guiado por uma Diana próxima da histeria e que não consegue causar em nós a necessária empatia em momento algum.
As suspeitas dela não são devidamente explicadas, sua busca pela verdade é quase caricata e a solução do diretor para criar o momento da revelação final numa das salas da maternidade foi, ao menos pra mim, totalmente constrangedor e próximo do ridículo.
Já o desfecho logo em seguida ganha alguma força, como já disse, pelo peso da denúncia de um terror infelizmente real (a eugenia e suas práticas), e não pela qualidade da cena nem tampouco pelo apelo sobrenatural mal aproveitado (até o pobre fantasminha causa dó, de tão tímida sua participação).
Junte-se à isso uma direção absolutamente burocrática, efeitos de câmera sem criatividade alguma e totalmente banais, atuações medíocres (com uma exceção camarada para Tenoch Huerta, cujo personagem é o único que desperta alguma simpatia e tem as falas menos óbvias e espirituosas do filme), uma trilha que usa e abusa daqueles “coros oníricos” que cineastas como Tim Burton usam pontualmente e de forma muito mais competente, a ausência quase total de violência gráfica e de sustos de qualquer tipo, e temos então uma opção perfeita pra quem quiser jogar oitenta e cinco minutos de sua vida na lata de lixo do tempo.
Uma pena, de verdade… pois nas mãos de um diretor competente e engajado o tema poderia render um baita filme tenso, doido e com um final arrasador (especialmente se optassem por um desfecho mais próximo da triste realidade que inspirou o longa e não pelo “happy-end” açucarado que foi feito).
Antes de encerrar, é sabido que Madres faz parte de uma parceria da Blumhouse (produtora onipresente no gênero horror e que possui igualmente ótimos títulos e tranqueiras épicas em seu catálogo) com a Amazon Prime, e que junto com ele foram lançados outros três títulos também de diretores iniciantes, o que, em tese, é sempre bacana pro crescimento do gênero dentro do streaming.
A questão é: são títulos que se sustentam pela qualidade ou apenas pelas “boas intenções” de seus realizadores, sejam elas quais forem? Porque se forem como Madres, é melhor esperarmos a próxima fornada da Blumhouse e, até lá, zapearmos pela casinha do N vermelho ou outras plataformas.