Raised by Wolves - 1ª Temporada
Original:Raised by Wolves - First Season
Ano:2020•País:EUA Direção:Ridley Scott, Luke Scott, Sergio Mimica-Gezzan, Alex Gabassi, James Hawes Roteiro:Aaron Guzikowski, Heather Bellson, Don Joh, Karen Campbell, Sinead Daly Produção:Aaron Guzikowski, Mark Huffam, David W. Zucker, Ridley Scott, Adam Kolbrenner, Jordan Sheehan Elenco:Amanda Collin, Abubakar Salim, Winta McGrath, Travis Fimmel, Niamh Algar, Felix Jamieson, Jordan Loughran e Ethan Hazzard |
Yuval Noah Harari, autor dos livros Sapiens e Homo Deus, disse em uma entrevista uma vez que “Hoje, pra mim, a ficção científica é o principal gênero literário. Isso molda a compreensão do público sobre assuntos como inteligência artificial e biotecnologia, que provavelmente mudarão nossas vidas e a nossa sociedade mais do que qualquer outra coisa nas próximas décadas”.
De fato, o exercício de imaginar o futuro em diversas situações é sempre uma maneira – às vezes até simplista demais – de nos enxergarmos neste futuro. Mas quando se trata do gênero de ficção científica, imaginar o futuro é refletir principalmente sobre nosso presente e o impacto disso para nossa existência e continuidade. E é justamente sobre isso que trata Raised by Wolves.
Criada por Aaron Guzikowski, e com produção executiva de Ridley Scott, que também dirigiu os dois primeiros episódios, Raised by Wolves foi uma das primeiras séries originais criadas para o HBO Max, cuja primeira temporada, com dez episódios, estreou antes mesmo da chegada oficial do streaming ao Brasil.
Na trama futurista, a humanidade chega ao total colapso social a ponto de destruir o planeta como resultado de uma extensa guerra entre os Ateus e os religiosos Mitraicos, restando para perpetuação humana apenas a colonização espacial. Assim, logo de cara, conhecemos Mãe e Pai, dois androides que chegam numa pequena nave ao então desconhecido planeta Kepler 22-B com um único objetivo: gerar novos humanos a partir de embriões e assim dar início a uma nova civilização.
Mas nem tudo anda como eles planejam. Das seis crianças que nascem, apenas uma sobrevive às amarguras do planeta hostil, o jovem Campion, que passa a ser superprotegido pelos androides e que, após anos, passam a ser ameaçados junto à chegada de uma gigantesca nave de colonização mitraica, até perceberem que na verdade a grande ameaça para todos eles é Mãe, que se revela na verdade uma arma mortal e não só destrói a nave em total genocídio com direito a poucos sobreviventes, como sequestra as crianças religiosas existentes ali e decide que vai reiniciar sua colônia com elas.
E sim, tudo isso está inserido apenas no primeiro e empolgante episódio. Os desdobramentos de Raised by Wolves são gigantescos, em uma trama bastante ousada e visionária, um produto raro de ser visto hoje em dia e um verdadeiro presente para os fãs de ficções científicas com doses cavalares de mistério e sutis camadas de terror.
Ao longo de seus outros nove episódios, vamos nos desdobrando naquilo que é um novo conflito entre a pequena colônia de Ateus e os poucos Mitraicos sobreviventes, divididos entre resgatar suas crianças ou manter seu estilo de vida que não faz mais nenhum sentido, mas que mantém uma ideologia de dominação e dominados.
Mas a rivalidade dos grupos não é a única coisa a ser temida aqui. A grande verdade é que de ateu e crente, todo mundo ali tem um pouco, e todos eles seguem em riscos eminentes do próprio Kepler 22-B, que se revela um planeta com sua própria e sombria história, despertando um mistério sobre o que realmente existiu ali e de uma ameaça poderosa que surge pelas sombras e envenena mentes a partir do momento que os humanos – e até mesmo os androides – chegaram às suas terras.
Raised by Wolves revela que lutar pela sobrevivência não é nada se você não entende o ambiente ao seu redor, e que ambos os grupos estarão cometendo erros cíclicos, arriscando a existência de mundos não importa quantos existam.
E como a construção dos personagens é de longe o mais importante para amarrar as tramas, vale ressaltar aqui o quanto as interpretações do brilhante elenco escolhido são o ponto mais sensacional da série, com destaque praticamente para todos os principais, um carisma gigantesco pelas crianças, mas uma admiração que chega a ser assombrosa por Amanda Collin, que faz da androide Mãe o ser mais complexo entre todos, nos arrancando emoções distintas, desde a compaixão ao desprezo, gerando um conflito surreal entre a vermos como um ser senciente ou apenas um mero robô cuja programação parece ter alcançado defeitos irreparáveis.
As interações de Mãe com o androide Pai são outro ponto forte aqui. Interpretado por Abubakar Salim, o ator dá um contraponto entre o robô feito para servir e aquele feito para matar. Enquanto o casal de ateus infiltrados entre os Mitraicos, Marcus, interpretado por Travis Fimmel, e Sue, por Niamh Algar, nos apresenta a melhor subtrama, principalmente pelo tamanho da vergonha que carregam quando a necessidade de sobreviver supera qualquer ideologia.
Além disso, mesmo com um notável orçamento limitado, tudo é muito bem produzido. As cenas no planeta são ótimas, os flashbacks da Terra melhores ainda, e quando o uso de CG é exagerado, alguns filtros dão conta de tapear a pouca grana ali. E para os fãs de Alien, há sim umas boas doses de referências visuais e conceituais ao universo construído por Ridley Scott, inclusive com uma boa pegada de Prometheus.
E à medida que tantos conflitos vão se resolvendo e tomando outras formas, as coisas também passam a desbancar para o que pode ser uma fantasia perturbadora, com elementos contraditórios para uma ficção científica que podem não ser bem aceitos mesmo pelos fãs do gênero, mas que são bem abraçadas por seus produtores, num contraponto interessante entre fé e ciência que dessa vez não nos faz imaginar como seria para nós viver naquele futuro, mas sim como fazer para evitá-lo. E esse é de longe a melhor mensagem que uma ficção científica deveria passar.