Gótico Mexicano
Original:Mexican Gothic Ano:2021•País:Canadá, México Autor:Sílvia Moreno-Garcia•Editora: Darkside Books |
Para mim os melhores livros são aqueles que têm premissas originais, com personagens fortes e complexos e com tramas que consigam ser imersivas. Talvez tenham sido por esses pontos que logo me interessei pela sinopse desse livro, que conseguiu ser vago e complexo ao mesmo tempo. Em Gótico Mexicano encontrei muito do que procurava ao ver um terror gótico que me lembrou boas histórias do Edgar Alan Poe, protagonizado por uma mulher forte e cheia de camadas, assim como as grandes protagonistas do mestre Sidney Sheldon. Todavia, o que mais me chamou a atenção nesse livro foi o seu terror, apresentado de maneira tão original e impactante que pela primeira vez em muitos anos me senti completamente surpreendido.
Nesse livro conhecemos Noemí Taboada, uma jovem socialite mexicana que vive com seu pai na grande Cidade do México dividindo sua rotina entre se divertir em bares e baladas noturnas e cursar Antropologia. Esse curso é apenas sua última excursão pela vida acadêmica, pois anteriormente ela acabou desistindo de outros dois cursos, apenas pela falta de paixão pelas escolhas.
Eis que, em determinada noite, ela é chamada às pressas por seu pai, que a incumbe de uma missão atípica: viajar até uma cidade de interior em direção à nova moradia de sua prima Catalina, que havia se casado há pouco tempo com um homem misterioso. A motivação de tal viagem se dá após o recebimento de uma carta sombria, onde a garota relata em meio a devaneios alucinatórios que está acometida por uma doença similar à tuberculose, e fica subentendido que talvez ela esteja passando por algum quadro depressivo.
Mesmo a contragosto, Noemí aceita o pedido do pai e viaja em direção à Mansão High Place, uma casa no alto das montanhas que tempos atrás despontou como uma potência econômica graças à exploração de minérios em uma mina próxima que no momento está desativada.
Ao chegar no local, que é completamente isolado, nossa protagonista entra num embate entre o moderno e o arcaico, tendo que se adaptar a costumes rígidos cobrados por uma governanta misteriosa, aliado ao fato de que a mansão não tem eletricidade e muito menos contato com o mundo externo. Gradualmente esses problemas passam a ser pequenos, pois as mesmas alucinações relatadas por sua prima na carta também começam a se repetir nos sonhos de Noemí e uma presença opressora começa a tomar conta de cada cômodo que ela passa.
Não posso contar mais sobre a história para não atrapalhar as surpresas que esse livro reserva. Só alerto que aqui você não irá encontrar uma história clichê de fantasmas que arrastam correntes pelas madrugadas. Há muito a ser descoberto nessas páginas e a cada reviravolta a criatividade floresce em meio ao ar sombrio de um gótico inglês.
Esse romance se passa nos anos 60, período que a mulher não tinha muita voz, e isso é apresentado em diversos embates que a nossa protagonista tem com os personagens masculinos de High Place. O marido de sua prima em diversas situações deixa claro que enxerga as mulheres, incluindo ela, como objetos sexuais a seu favor; o patriarca da família (um senhor extremamente repugnante) zomba do intelecto de Noemí ao trazer opiniões eugenistas, ignorando completamente seus argumentos, e até mesmo as personagens femininas aqui se apresentam como reprodutoras de pensamentos arcaicos como o suposto papel de gênero da mulher na sociedade.
O fato do casamento não ser uma prioridade para Noemí é visto quase como um crime pelos moradores da mansão, que enxergam todas as mulheres numa escala limitada entre a servidão e a reprodução das espécies. Todos esses diálogos não são jogados à toa e muito menos têm um papel panfletário; tudo é trazido de maneira inteligente e com o intuito de sentirmos a opressão que essa personagem sente numa casa em que tanto a realidade quanto o suposto sobrenatural a enxergam como inimiga.
O terror da trama se insere lentamente como um fungo que cresce nas paredes, nos dando doses paliativas de estranheza, brincando com a nossa percepção de real e imaginário para de uma hora para a outra mostrar seu potencial destrutivo como algo impactante e inimaginável. Minha única crítica à trama vem em um romance que aparece pelo meio do livro e que não combina muito com a força da personagem, que se apresenta desde o início como uma mulher transgressora e inteligente demais para cair no mesmo lugar comum da princesa que precisa de um príncipe para ser salva.
Saliento que esse livro foi um dos finalistas do que é considerado o Oscar literário do gênero horror, o Bram Stoker Awards, no ano de 2020, perdendo para um dos livros que será lançado nesse ano por aqui pela Editora Darkside, o Temporada de Caça, de Stephen Graham Jones. O Pescador, de John Langan, é outro livro premiado nesse mesmo festival no ano de 2016 na categoria de melhor livro de terror, e chegará por aqui na mesma data. É melhor ficar de olho nesses títulos que, com toda certeza, nos trarão muitos arrepios e reflexões, assim como o livro da Sílvia Moreno-Garcia.
Sobre a autora:
Sílvia Moreno-Garcia é uma escritora muito promissora que nasceu no México e vive atualmente no Canadá. Mestre em Ciência e Tecnologia pela Universidade da Colúmbia Britânica, tem em sua biografia diversos compilados antológicos, assim como contos e crônicas, além de oito romances até esse momento. Atualmente ela é uma colunista do Washington Post, faz críticas periódicas para a National Public Radio (NPR) e é editora na Innsmouth Free Press.